Há uma grande expectativa sobre as eleições holandesas de
hoje. Geert Wilders do partido para a liberdade (PVV) tem aparecido à frente de
várias sondagens, apesar de as suas possibilidades de formar governo serem quase
nulas - todos os outros partidos recusam coligar-se com ele. Como é sabido,
Wilders centrou grande parte do seu discurso contra o islão e os perigos da
islamização da sociedade holandesa. Alguns especialistas têm vindo à praça
pública a tentar demonstrar os exageros e as distorções no discurso do candidato
da extrema-direita. A Holanda tem 17 milhões de pessoas e estima-se que 11,5%
tenham nascido no estrangeiro. Segundo algumas fontes oficiais, em 2015, dos 56
400 estrangeiros que foram viver para a Holanda, 20 800 vieram da Síria –
sendo que a maioria veio da Polónia, 22 200. De qualquer maneira, estes
números não chegam para tranquilizar muitos holandeses, incluindo alguns imigrantes,
como o escritor José Rentes de Carvalho, que declarou o seu apoio a Wilders.
Mais: este discurso acabou por contaminar os outros partidos, como o do actual
primeiro-ministro Mark Rutte. Em suma, o sucesso de Wilders não se resume à
votação do seu partido. O homem, bem ou mal, conseguiu marcar a agenda política.
Serve-me esta introdução para uma breve digressão sobre o
papel dos especialistas. Podem ou não ajudar-nos a centrar o discurso político
nos problemas e perigos realmente importantes para a sociedade? Na verdade, continuamos
longe de um consenso sobre esta questão.
Daniel Kanheman descreve no seu "Pensar, depressa e devagar" uma dicotomia interessante entre dois autores. Cass Sunstein, um intelectual americano muito eclético, formado em direito, mas que domina campos de conhecimento como a psicologia
do juízo e da escolha, regulação, políticas de risco, etc., introduziu o
conceito de “cascata de disponibilidade”. Trata-se de um mecanismo através do
qual os enviesamentos (erros sistemáticos) do público fluem directamente para a
política. A importância que uma ideia ou acontecimento assume publicamente
depende da carga emocional ou fluência com que surge na mente das pessoas. Isto
leva a que, muitas vezes, assuntos menores assumam dimensões desproporcionadas, afastando a comunidade dos problemas e perigos reais. Solução? Os
especialistas devem funcionar como um baluarte contra os processos populistas.
São eles que devem fazer uma análise cuidadosa, racional e objectiva dos
riscos, usando a ciência, a especialização e uma deliberação cuidadosa. Sustein
está convencido de que as reações enviesadas aos riscos são uma das origens das
prioridades erráticas e deslocadas na política pública.
Paul Slovic, uma autoridade em juízos sobre o risco, tem uma visão diferente. A avaliação do risco depende do critério que usamos para o medir, ou seja, o risco não é objectivo. Slovic, manifestamente, deseja arrancar aos especialistas o controlo único da política do risco. Para o psicólogo americano, “definir o risco é, portanto, um exercício de poder”. Mais: o público tem inclusive uma concepção mais rica dos riscos do que os especialistas - estes medem os riscos em "número de vidas", ignorando distinções mais finas, como, por exemplo, entre "mortes boas" e "mortes más" ou entre fatalidades acidentais casuais e mortes que ocorrem com actividades voluntárias, como esquiar. Racional ou não, o medo é doloroso e aos decisores políticos cabe proteger o público do medo e não apenas dos perigos reais. Por tudo isto, Slovic apoia a resistência do público à ideia de as decisões serem tomadas por especialistas não eleitos e não responsabilizáveis.
Paul Slovic, uma autoridade em juízos sobre o risco, tem uma visão diferente. A avaliação do risco depende do critério que usamos para o medir, ou seja, o risco não é objectivo. Slovic, manifestamente, deseja arrancar aos especialistas o controlo único da política do risco. Para o psicólogo americano, “definir o risco é, portanto, um exercício de poder”. Mais: o público tem inclusive uma concepção mais rica dos riscos do que os especialistas - estes medem os riscos em "número de vidas", ignorando distinções mais finas, como, por exemplo, entre "mortes boas" e "mortes más" ou entre fatalidades acidentais casuais e mortes que ocorrem com actividades voluntárias, como esquiar. Racional ou não, o medo é doloroso e aos decisores políticos cabe proteger o público do medo e não apenas dos perigos reais. Por tudo isto, Slovic apoia a resistência do público à ideia de as decisões serem tomadas por especialistas não eleitos e não responsabilizáveis.
Embora apresentadas de forma teoricamente mais sofisticada, estas ideias
não são novas. Esta problemática fazia parte do diálogo travado pelos americanos
Walter Lippmann e John Dewey nos anos 20, que já uma vez referi aqui. Lippmann
achava que apenas os especialistas podiam compreender a realidade, uma vez que
o público não tinha disponibilidade, nem meios para alcançar um mundo cada vez
mais complexo - o público é constituído por pessoas que lêem o jornal apenas meia-hora por dia. Os especialistas deviam apoiar sobretudo os jornalistas e os decisores. Por sua vez, Dewey rejeitava uma versão moderna da antiga
aspiração platónica de que os filósofos (agora encarnados por especialistas)
fossem reis. Até porque considerava que o mundo sofreu mais com os líderes e as
“autoridades” do que com as massas populares. De qualquer maneira, Dewey atribuía um papel importante aos especialistas. No futuro, deveriam ser capazes de fazer chegar ao público informação e conhecimentos numa linguagem acessível e atraente, como fazem os novelistas de sucesso, para que o público pudesse tomar melhores decisões.
Enfim, o problema não está resolvido e o meu coração balança.
No fundo, como conclui Daniel Kanheman está por moldar um projecto que consiga
combinar o conhecimento dos especialistas com as emoções e intuições do
público.
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