A tentação imperial de Putin não é nova. Porém, vem
encontrando no actual momento político-económico e social o mais favorável
“caldo” para se desenvolver. A História ensina-nos que o equilíbrio de poderes
do pós-Guerra Fria só na aparência foi resolvido a favor dos EUA, dado que o
gigante apenas adormeceu estrategicamente. Passada a fase da Comunidade de
Estados Independentes, reconfigurada a Federação Russa, eleito um
ex-operacional do KGB para o Kremlin, sabia-se que o espaço de influência
continuaria.
Confrontada com maus desenvolvimentos económicos,
limitando a sua capacidade de manutenção e renovação militar, o regime de
verdadeiro “czariato” de Putin fez alianças com a China e foi namoriscando os
EUA, que foram no logro de que o desequilíbrio económico seria suficiente para
manter a política externa moscovita dentro de aceitáveis margens de controlo.
Puro engano. Não apenas o Presidente russo, mas boa
parte da população, por entre os frangalhos de uma ex-URSS todo-poderosa e um
desejo de afirmação e expansão de império, co-natural àquele povo, depois de
ameaçarem a UE e a OTAN em virtude do despautério do alargamento a Leste,
anexaram a Crimeia. Um primeiro grande teste de resistência a que Putin quis
submeter a dita “comunidade internacional” e no qual passou com louvor e
distinção. O controlo sobre uma boa parte do gás que abastece a Europa central,
em especial a Alemanha, a ainda existente ameaça militar e uma personalidade
que contrasta com um apagamento das lideranças do Velho Continente, conduziram
a reacções pífias e inconsequentes.
E assim foi nascendo um novo “movimento dos não-alinhados”,
com Putin e Erdogan, a que se vai aliando, pontualmente, o pragmatismo da
política externa chinesa, mais apostada no poderio económico, bem visível no
montante dos créditos que detém quanto à dívida pública norte-americana. Com a
habitual subtileza da China, após a governação por tweets de Trump, bastou uma pequena lembrança deste facto para que
o inefável homem que marca a moda da altura das gravatas se virasse mais para
os bad hombres e para as
investigações do FBI que o podem chamuscar.
O dito “movimento dos não-alinhados” não tem uma
verdadeira massa unificadora que não seja a vontade de afrontar o Ocidente e o
que ele ainda representa. Entendamo-nos: por certo é de todo respeitável que a
Rússia deseje aumentar a sua influência no mundo a todos os níveis. Os outros
fazem o mesmo e não é por serem russos que uma política expansionista passa
necessariamente a ser má. Esta junção de pequenos e grandes ódios, de
interesses económicos estratégicos, de demonstração ao mundo globalizado que se
pode viver como uma espécie de “ilha”, levam a um reforço do dito “movimento
anti-globalização”. Putin deseja ficar para a História como o hábil político
que dilatou o império, de preferência sem disparar uma bala, bastando-se com as
malas diplomáticas. O eixo turco-russo está, assim, interessado em explorar uma
Europa em devaneios populistas, fragmentada pela crise dos migrantes, com
exigências de indicadores económicos quase sempre irreais e que perdeu uma
ponte com os EUA através do Brexit. E
isto mesmo que o Reino Unido fique a perder mais que o conjunto dos demais
países da UE, o que ficou claro com os atentados em Westminster.
Daí que a recepção a Marine Le Pen como se de uma
estadista se tratasse, bem como de outros líderes populistas e xenófobos, seja
uma evidente forma de legitimar o que está em contradição com o núcleo duro dos
valores europeus. Resta é saber se Le Pen não terá arriscado em demasia.
Sabemos que as mais recentes sondagens apontam para a sua vitória nas
presidenciais francesas, como não desconhecemos a operação de cosmética que ela
e o seu partido têm feito no sentido de adocicar o discurso. Donde, a colagem a
Putin e a legitimação através dele podem bem jogar contra os interesses
eleitorais de Marine. É certo que se escreveu já que o financiamento da sua
campanha está difícil e que existiria um empréstimo de um banco russo que
estaria a pressionar a respectiva liquidação. Ora, pode especular-se quanto à
mão estendida de Putin…
Mas não seria o custo político desse empréstimo
demasiado elevado? Gostaria bem que sim, pois o respirar de alívio com a
Holanda é sol de pouca dura. Mais eleições se avizinham por essa Europa fora e
comprovado está que Putin vai sempre ser um player
importante. Arrisco-me a dizer que a Federação Russa quase pretende substituir
o papel de enfant terrible do Reino
Unido. Continuaríamos, então, a ser 28 Estados. Apesar de este, descontado o
equívoco geográfico, porventura não cumprir com a Carta dos Direitos
Fundamentais da União. Mas, all in all,
poderá a UE, no actual momento, dar-se ao “luxo” de ser uma comunidade de
valores?
Pois, a mim parece-me que até agora a politica russa tem sido puramente "defensiva" (no sentido de defender a sua esfera de influência, não no sentido de defender as suas fronteiras) - as intervenções russas (na Abkazia e na Ossétia, na Ucrãnia, na Síria) têm sido sempre em defesa do que era o status quo poucos dias (ou, no caso da Ossétia, horas) antes da intervenção.
ResponderEliminarA paranóia russófoba que substituiu a guerra fria, do tempo da União Soviética, entre outras coisas, rebentou com uma série de regimes seculares estáveis que serviam de tampão ao extremismo islâmico, à roda da Europa, produziu umas largas centenas de milhar de mortos, outros tantos milhões de refugiados, escavacou a Ucrania e está em risco de espatifar a decencia da democracia dos próprios EUA. Teria sido inteligente, sim, a UE estabelecer um relacionamento preferencial com a Rússia, em vez de andar a arrastar a asa à Turquia que agora lhe cospe na cara. Mas, não. Bruxelas dança ao som das modas do comentarismo politicamente correcto e do mainstream mediático. Daqui a pouco, tanto na América como na UE,quem não mostrar publicamente hostilidade com a Rússia ainda vai preso.
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