Constantino José Marques de Sampaio e Melo, florista
português, ficou para a história graças aos seus arranjos artificiais de pano e
papel.
É batota, dirão. Triste glória, lamentar-se-á. Não apenas porque à
natureza se substitui o artifício, ao verdadeiro o falso, à cópia uma cópia da
cópia. Esta seria uma fraca razão. Distinguir a natureza do artifício é tarefa
de sumo melindre. É natural a tulipa negra do neerlandês ou o cavalo branco do
eslavo, inquiramos. Os dentes que nos crescem curtos e trazemos alvos, o trigo
que comemos como sustento, a pedra que arrancamos do chão à força de picareta.
E um existente não é ou verdadeiro ou falso, é e pronto. É verdadeiro o chão e
falso o tecto, verdadeiro o rio e falso o aqueduto, verdadeiro o trovão e falsa
a almofada, consideremos. Que falsidade há na máscara que esconde a cara se a
máscara é alguma coisa e essa coisa é ser máscara e se esconder é do mesmo modo
um processo que é o que é e está sujeito a descoberta. Até mesmo um juízo pode
ser verdadeiro e falso ao mesmo tempo se o considerarmos sob diferentes
aspectos. Quanto a cópias e cópias de cópias, onde está escrito que devemos ser
platónicos, considere-se lançado o desafio. As ficções são ficções, os actores
são actores, as estátuas são estátuas. Não são, pois, a distância da natureza,
o fracasso em relação à verdade ou a perversão de uma cópia que tornam dúbio,
ambíguo pelo menos, o lugar na história do florista português. A outra razão
para que hesitemos em fazer dele causa de orgulho pátrio, para que nos repugne
colocá-lo no panteão dos grandes, para que nos envergonhe fazer dele bandeira
que nos represente, é forte. Levanta-se como espectro maligno perante os nossos
olhos. Envenena-nos o olfacto. Entristece-nos, angustia-nos, derrota-nos. Rasga
como coisa pouca as nossas ilusões mais caras e as nossas mais puras alegrias.
Torna-nos a vida um fardo, os dias uma chaga. Destrói-nos. Porque flores de pano
e papel perdem lustro e ganham pó sem que tenham a dignidade de durar só um
dia.
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