sexta-feira, 30 de junho de 2017

Uma Portaria de Milhões de Euros

No artigo que publiquei hoje no jornal ECO descrevo um dos casos mais interessantes das falhas do Estado que conheci no período em que fui Secretário de Estado no Ministério da Administração Interna (abril de 2013- abril de 2015).
Esse caso diz respeito aos subsistemas de saúde da GNR e da PSP e ilustra como o mau funcionamento do Estado pode custar aos contribuintes milhões de euros todos os anos (isto é, garante a alguns grupos de interesse milhões de euros de rendas). Reproduzo abaixo esse trecho. Podem ler aqui o artigo na íntegra:

A GNR e a PSP, tal como as Forças Armadas, têm subsistemas de saúde próprios (SADs), à semelhança da ADSE, o subsistema de saúde dos funcionários públicos. Em 2011, o défice (diferença entre as receitas provenientes dos descontos dos beneficiários e a despesa) dos subsistemas de saúde da GNR e da PSP era cerca de 100 milhões de euros. Em 2014, as contas dos SADs da GNR e da PSP estavam equilibradas. Uma parte importante deste equilíbrio foi alcançado com o aumento dos descontos dos beneficiários para 3,5% em 2014, o que gerou, naturalmente, contestação. Porém, uma parte muito importante do reequilíbrio das contas dos SADs passou pela diminuição da despesa (menos 40 milhões de euros em 2014).

Quando cheguei ao Governo, as contas feitas no meu gabinete mostravam que a despesa média dos beneficiários dos SADs era quase o dobro da dos beneficiários da ADSE. Perguntei ao Comandante Geral da GNR e ao Diretor Nacional da PSP se havia algum problema de saúde nas nossas forças de segurança. Avançaram com uma explicação que me pareceu uma desculpa – que a tutela tinha demorado muitos anos a publicar a portaria. Acabado de chegar, não percebi a que se referiam. Mas não demorei muito tempo a perceber. O meu senhorio de Lisboa tem um centro de análises clínicas. Um dia, por acaso, disse-me que o seu melhor contrato era com uma das forças de segurança. Por que razão os contratos das forças de segurança com prestadores de serviços eram tão desfavoráveis ao Estado e tão generosos com os privados?

Em 2005, o Governo de então publicou o Decreto-Lei 158/2005. Pretendia-se aproximar os SADs da ADSE e equilibrar a sua situação financeira. No artigo 33º determinava-se que os contratos com os prestadores de serviços se mantinham em vigor até ser publicada uma Portaria pelo Ministério da Administração Interna e pelo Ministério das Finanças. Como acontece em muitos casos, essa portaria só viria a ser publicada muitos depois, em 2012. Impedidos de renegociar os contratos com os prestadores de serviços, os SADs foram durante aqueles anos um excelente negócio para os prestadores de serviços de saúde (estes, obviamente, eram livres de denunciar os contratos se estes gerassem prejuízo). A troika colocou grande pressão para a diminuição dos desequilíbrios nos subsistemas de saúde. E por aí se chegou à publicação da dita Portaria, que impunha despesas desnecessárias às forças de segurança. Perante a distração de todo o espectro político, valeu-nos a troika para pôr fim àquelas rendas privadas.

A pergunta que perante esta situação todos devemos colocar é: o que levou a este atraso de anos na publicação de uma simples Portaria? Bastou a assinatura de dois Secretários de Estado para o Estado passar a poupar dezenas de milhões de euros. 

1 comentário:

  1. Caro Dr.º Fernando Alexandre,
    Muito obrigado por partilhar as suas experiências enquanto titular de cargo político. O que está a fazer é um exemplo que devia ser seguido por todos os outros titulares de cargos políticos e que acredito que se possa vir a tornar o habitual, mas o Senhor é o primeiro a fazê-lo e isso tem muito mérito. Isto sim é transparência. Cumprimentos

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