Nos nossos tempos livres, era costume irmos em grupo, tipo matilha -- éramos todos Stouties porque vivíamos em Stout Hall --, para cafés e livrarias. Em Stillwater, OK, a única livraria a sério era a Caravan, que ficava na baixa da cidade -- uma downtown minúscula. Depois havia o Hastings, mas isso era uma cadeia de lojas que vendia livros, CDs, DVDs, brinquedos parvos, era clube de vídeo, comprava CDs e livros usados, etc., ou seja, era o capitalismo, o amor ao dinheiro; a Caravan era o amor aos livros e ao conhecimento. Julgo que, enquanto vim a Portugal terminar a licenciatura e candidatar-me ao mestrado, a Caravan fechou, para desespero de muita gente.
O único livro que comprei na Caravan foi o "Adam, Eve, and the Serpent", da Elaine Pagels, que me foi recomendado pelo Chris, que estava a fazer o curso de estudos religiosos -- undergraduate; entretanto, nos 20 anos desde que nos conhecemos, já fez um doutoramento e é professor universitário de Religião. Já não me lembro o teor da conversa que levou a essa recomendação, mas deve ter tido alguma coisa a ver com eu não perceber grande coisa de religião e esse livro ser bastante interessante e na altura foi bastante transformativo.
Tenho a certeza que, anos mais tarde, mencionei a Elaine Pagels a um outro amigo, que estudava religião, mas esse já estava a fazer mestrado, quando eu trabalhava na Universidade do Arkansas. O Don, que era colega do meu marido, achou que, se eu gostava de ler Pagels, também gostaria de ler Bart Erhman, um estudioso do Novo Testamento, cujo livro mais recente se chamava "Misquoting Jesus, The Story Behind Who Changed the Bible and Why".
Aceitei a sugestão e meti-a na lista de coisas que eu queria para o Natal. (Na família do meu marido, que depois foi a minha, nós fazíamos sempre listas de coisas para o Natal e aniversários e depois as pessoas escolhiam o que nos queriam dar. Normalmente, a lista tinha muitas coisas, umas mais caras do que outras, mas o entendimento era que nós não íamos receber tudo e algumas prendas mais caras podiam ser dadas em conjunto por várias pessoas.)
Nesse Natal, o livro do Erhman foi extremamente popular e o meu marido teve de andar à caça para o encontrar, mas encontrou, eu recebi-o, e depois li-o. Convém dizer aqui que eu nunca li a Bíblia e não sei se alguma vez a lerei, mas gostei bastante de ler o "Misquoting Jesus", que é um livro acerca da história da Bíblia: quem escreveu os textos e quando, que modificações houve, quais partes estariam nos textos mais antigos, etc.
Há informação no livro que parece óbvia, mas que nós, habituados ao comodismo da vida que conhecemos, facilmente esquecemos. Por exemplo, nas cópias antigas do Novo Testamento e em alguns textos cristãos antigos que estão em grego, os textos não eram copiados com pontuação, nem sequer espaços entre as palavras. Para ilustrar isto, o exemplo que Erhman dá é "Godisnowhere", que pode ser lido como "God is nowhere" ou "God is now here". Outro problema era que, para traduzir de uma língua para outra, não havia dicionários. Outras vezes, os escribas podiam ser analfabetos e apenas desenhavam letras, não tendo preocupações de conteúdo. Outros escribas podiam ter preocupações de conteúdo e tentavam facilitar a compreensão do texto.
Uma das coisas mais engraçadas de que eu me recordo nesse livro é o critério de avaliação da veracidade do texto desenvolvido por Johann Albrecht Bengel, um pastor luterano e professor, a quem incomodava a abundância de variações no texto do Novo Testamento. Bengel acabou por concluir que perante textos alternativos sobre a mesma coisa, o texto mais difícil de ler é preferível aos textos mais fáceis, ou seja, quando os escribas fazem modificações aos textos, tentam melhorá-los de forma a torná-los mais convincentes e harmonizados. Diz o Erhman, na página 111:
Sem comentários:
Enviar um comentário
Não são permitidos comentários anónimos.