segunda-feira, 4 de setembro de 2017

A ONU e a desigualdade no mundo: Combatê-la ou fomentá-la?

Em Setembro de 2015, foram fixados na cimeira da ONU em Nova Yorque os 17 Objectivos de Desenvolvimento Sustentável.
Estes objectivos alicerçam a agenda de acção dos países membros de 2015 até 2030.
Entre os 17 objectivos a alcançar para a transformação do mundo protegendo os povos e o planeta, encontram-se objectivos como: a erradicação da pobreza do género ou da fome, a igualdade de género ou o ponto central deste artigo: a redução das desigualdades.

Penso que a maioria senão totalidade das pessoas concordará que estes são objectivos nobres, ainda que porventura muito ambiciosos.
Cada objectivo é constituído por uma série de metas mais detalhadas e específicas, que tentam dar aos países membro uma ideia mais concreta de como atingir cada um dos objectivos.

No entanto, parece que no que toca ao Objectivo 10: Reduzir as desigualdades, a ONU omitiu de todos os seus documentos oficiais um instrumento importante pois, aparentemente, a ONU está convencida que uma das melhores maneira de reduzir as igualdades é aumentando-as.
Ou isso, ou está-se a cagar para o Objectivo 10.

A ONU, como quase todas as entidades publico ou privadas de certa dimensão, oferece estágios que podem ir de 2 meses a um ano.
Estes estágios são importantes por uma série de razões, entre as quais por darem a oportunidade a jovens profissionais de experimentar como é o trabalho numa organização internacional.
Muitos destes estagiários acabam depois por conseguir posições nas instituições em que estagiaram ainda que por vezes em condições precárias (material para um post futuro).
Ou seja o estágio em si pode ter vários lados positivos.
Por outro lado, muitos argumentarão que será uma exploração de mão-de-obra barata, sem grandes direitos laborais... mas o problema torna-se muito maior quando a mão-de-obra, em muitos destes casos não é barata, mas sim gratuita!

É verdade, a ONU, e muitas das suas agências, oferecem estágios NÃO REMUNERADOS. Para tornar a situação pior, muitos destes estágios são nalgumas das cidades mais caras do mundo como Genebra ou Nova Yorque.
Algumas das agências pagam os estagiários uma quantia não muito grande, mas mais que suficiente para se ter um nível de vida digno (digamos ao nível de um estudante de classe vindo de uma família de classe média a estudar numa cidade diferente).
Este é o caso da Organização Internacional do Trabalho, o meu empregador.

Mas, e os outros? O que a ONU está na prática a dizer é: venham trabalhar comnosco, se depois dos vossos estudos tiverem no mínimo uns 20.000€ de parte para se sustentarem enquanto trabalham para nós.
Ou seja, se forem pobres, esqueçam lá isso. Em 99% dos países do mundo, se forem de uma família de classe média, também não vale a pena pensarem no assunto.
E na maior parte dos países do mundo, a menos que façam parte do 1%, também não vão conseguir aceder a estes estágios.
Ou seja, a ONU está a oferecer estágios apenas aos mais ricos deste mundo.

Para piorar a situação, é extremamente complicado combater a situação por diversos factores.
Primeiro, é difícil mobilizar uma força de trabalho cujos trabalhadores mudam na melhor das hipóteses de ano a ano.
Em segundo lugar, aqueles que fazem estes estágios, fazem parte dos que podem realmente sustentar-se sem apoio do empregador e como tal tem muito poucos incentivos para combater uma situação na qual são claramente beneficiados.
E para terminar, os estagiários não fazem parte dos sindicatos das respectivas agências da ONU, que como tal, fazem pouco ou quase nada para defender os seus direitos, dado não os representarem oficialmente.

Felizmente, há ainda neste mundo quem não se deixe desanimar perante as injustiças e obstáculos criados.
É o caso dos meus colegas que fundaram a Fair Internship Initiative.
Que lutam para que a ONU abra os olhos, e perceba que trabalho não remunerado não é "uma oportunidade" mas sim escravatura.

Porque a ONU, ao contrário do meu primeiro empregador, ainda não percebeu que a melhor liderança é aquela que lidera por exemplo.

4 comentários:

  1. Eu desconhecia completamente essa prática da ONU e, aliás, nem sequer me ocorreu que isso pudesse estar a acontecer.

    Face a outras situações de escraviário julgo saber que isso se enfrenta pondo em causa as vantagens irregulares que proporciona a líderes que estão em linha que, por essa via, conseguem contornar as políticas de pessoal e, menos frequentemente, mas com maior impacto, as de outras áreas.

    A questão-chave é bem simples - esse sistema não conduz à escolha dos melhor preparados e é por isso que, de vez em quando, algures, certos dirigentes recusam ter pessoal não remunerado.

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  2. Penso que no caso da ONU o motivo principal é mesmo de redução de custos. No entanto admito que em muitos outros casos admito que este tipo de "contractos" possa ser usado para aplicar critérios de contratação mais afastados da meritocracia e mais próximos do nepotismo.

    De qualquer forma, a ONU utilizar este tipo de estágio dá um exemplo negativo, que incentiva ou pelo menos branqueia até certo ponto o uso desse tipo de "contrato" pelos motivos mencionados pelo Isidro.

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  3. Não foi nesta casa que se insurgiram contra a proposta de aumento do salário mínimo?

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