A
procissão de n. snra. da b. c. e., evento milenar que todos os anos anima as
ruas da vila de f., engalanadas a preceito e bem varridas, é hoje.
Os mais
atentos ter-se-ão já posto a caminho, para tal recorrendo a autocarros,
comboios, táxis e viaturas próprias. Há ciclovias também para aqueles que
pedalam seja em nome da saúde seja em nome de outra coisa qualquer. É bem
servida de transportes a vila de f., é uma das graças da n. snra. de b. c. e.,
afirmam os locais, e uma prova da eficácia da procissão anual, uma snra gosta
sempre mais de uma boa festa do que de um pedido assim, a seco, murmurado e
receoso. Dá-se graças de melhor grado quando há alegria. E as graças dadas em
meio à alegria são mais profusas, por isso é a vila de f. servida de meios de
transporte tão abundosos e sortidos. Assim raciocinam as gentes da vila de f.,
as que são pias. Porque há as outras, as ímpias. Que não são de se deixar
ficar. Na boa tradição materialista e ateia do Iluminismo francês, olham para
preces, padres e procissões como espécimes de uma superstição de oprimidos a
quem é um dever emancipar. Torcem os narizes ao manto cerúleo da snra. Abanam a
cabeça à coroa rica que lhe adorna a fronte. Fazem esgares de vómito ao
semblante úbere de compaixão que aos outros comove e humilha. Enfim,
enfadam-se. Gostariam de esmagar o infame, neste caso não aquele rubicundo
clérigo das novelas minhotas, com arcabuzes em casa e filhas casadoiras, mas um
jovem emaciado que traz as catequistas num alvoroço e os pais numa inquietação.
O pobre padre, de natural tímido e reservado, tradicionalista e afeito à
comodidade das funções antigas, dos dias mansos e serenos em que não havia
concorrência, perde noites a aprender a tocar guitarra. Belos tempos, em que
havia apenas ateus para combater. A esses já os conhecíamos, pensava o padre
enquanto procurava atinar com o acorde em lá. Era só atirar-lhes com a água
benta e as velhinhas viam logo a obra do demónio nas imprecações que saíam
daquelas bocas gentias. Era uma batalha ganha antes de cantar o galo, que, ao
cantar em seguida de acordo com expectativas fundadas em longa experiência,
confirmava a bondade da criação que assim dera aos homens um despertador de
confiança. Ganha assim que o espectáculo do sol que se levanta enchia os peitos
de admiração e maravilha perante o génio artístico do deus uno e trino.
Triunfante dado o fenómeno ímpar da multiplicação dos seres, obedientes aos
preceitos divinos e à sua extravagância. Mas estivera muito mal deus ao
permitir tantas igrejas diversas em seu nome e do seu filho, tantos ramais da
fé, tantas sucursais da prédica, tantos balcões do milagre. Estivera mal ao
abandonar o sistema de monopólio e abraçar o mercado livre. Bolas, que se me
partiu uma corda.
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