A inteligência artificial e a robótica, a internet, a genética levantam imensas questões, algumas bastante inquietantes. Em última instância, tudo dependerá das escolhas que fizermos enquanto sociedade. Um cenário possível é o nascimento de uma nova espécie, o Homo Deus, como lhe chama o historiador Yuval Noah Harari. Uma raça de super-homens, eternamente jovens e saudáveis, com cérebros superpotentes, graças aos avanços da ciência. E estamos a falar, segundo Harari, de um cenário não muito longínquo. 20, 30 anos. E isto não é ficção científica. Neste momento, empresas como a Google gastam por ano biliões de dólares em investigação genética, à procura desses elixires.
Há, de facto, motivos para estarmos apreensivos. Primeiro, a
história diz-nos que uma espécie superior, ou que se considera superior,
costuma ser implacável com as outras espécies, consideradas inferiores. Nos
seus primeiros 60 mil anos de existência, o Homo Sapiens tratou as outras
espécies animais de igual para igual. Tudo mudou com a revolução agrícola há 12
mil anos. Não temos por isso grandes motivos para ter esperança em relação à
generosidade (ia dizer humanidade, mas essa palavra perderá o seu próprio
sentido) dos Homo Deus em relação a nós, os pobres e fracos Homo Sapiens.
Segundo, tenho-me lembrado das arrepiantes teses de Nietzsche. Que nos diz esse
terrível filósofo? Os mais egoístas, fortes, auto-afirmativos e saudáveis impõem
aos outros a sua vontade pela força da sua natureza. Esta raça dominante mantém
o seu poder castigando todos os desvios dos escravos. Os escravos,
demasiado fracos, tímidos e desmoralizados para se rebelarem, recebem esse
castigo como uma retaliação. Uma vez que não têm força para se revoltarem, os
escravos acabam por interiorizar que os castigos são justos e merecidos pelas
suas transgressões. Não conseguindo vingar-se, dirigem o re-sentimento (como
lhe chama Nietzsche) para si próprios. E assim nasceram o sentido de culpa e a
ideia de pecado. Daqui o filósofo deriva uma explicação de toda a visão
teológica e moral do cristianismo, uma religião de escravos.
Sempre tive esperança que Nietzsche estivesse errado. Por
que motivo uma chicotada ou vergastada nos há-de fazer sentir culpados e não
apenas sentir medo? Por que motivo o exercício da força há-de ser visto como um
castigo e não apenas como mera necessidade de quem o executa, como observam autores perspicazes como Roger Scruton?
De qualquer maneira, não convém baixar a guarda. Se
estivermos distraídos, quando dermos conta, pode ser tarde demais. O Homo Deus
está ao virar da esquina.
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