Em 1999, o meu orientador decidiu que eu devia fazer uma cadeira de Conservação de Solo e Água e foi com essa cadeira que completei o mestrado de Economia Agrária na Primavera de 2000. Era a terceira cadeira esquisita que ele me mandava fazer: primeiro foi Ecologia e quando ele me mandou matricular-me na dita fiquei horrorizada porque eu já não tinha Fisico-Química desde o oitavo ano. Ainda por cima, eu fui para Economia porque não dava mesmo nada para Fisico-Química e agora saia-me o tiro pela culatra.
Lá fui eu meio-contrariada para Ecologia aprender coisas como a respiração das plantas, que envolvia umas cenas de química. O nosso professor era um americano que fazia investigação na América Latina e que nos dizia que podíamos responder ao exame em inglês ou espanhol porque ele falava espanhol. O assistente das aulas práticas era mesmo espanhol mas passava um meses nos EUA para fazer investigação e o resto do tempo trabalhava numa universidade espanhola. A outra cadeira esquisita aconteceu no Verão de 99: o meu orientador quis que eu fizesse uma cadeira em Engenharia de Biosistemas sobre aquíferos. Mas que percebo eu disto, pensava. Olha, nada, mas como ele me costumava dizer muito amavelmente "Estás no sítio certo porque nós estamos mesmo aqui para te ensinar". Ainda por cima, nessa cadeira o exame era uma apresentação em Power Point, que eu não sabia usar.
Aprendi a conservar solo e água com um professor que era colega do meu futuro sogro. Estas coisas têm de acontecer logo a mim que não gosto nada de misturar coisas pessoais com coisas profissionais. Mas, pronto, eu até sou uma aluna agradável e não costumo dar mau aspecto (só em Portugal porque aí toda a gente acha que eu sou burra): faço os TPCs como me mandam, porto-me bem nas aulas, sou interessada, e esforçada. Foi uma cadeira muito interessante e mesmo hoje, quando faço uma viagem de avião, gosto de estudar as terras agrícolas para ver as práticas que os agricultores usam: os resíduos que deixam na terra após a colheita, se fazem plantio direto, se fazem plantio em contorno, sistemas de irrigação, etc.
O livro para a cadeira tinha o mesmo nome que esta: "Soil and Water Conservation" e custava $110 usado. Quanto é que era isso? A minha bolsa de mestrado era à volta de $960 por mês ants de impostos e o meu quarto na residência custava $250 por mês, ou seja, não era um livro muito barato. Um dia, fui ao quarto de banho na faculdade e esqueci-me do meu livro, mas lembrei-me de onde o tinha deixado e voltei para ver se ainda lá estava. Não estava e também não estava nos Perdidos e Achados. Como é muito raro perder coisas fiquei completamente obcecada e concluí que o livro tinha sido roubado, logo fui fazer queixa à polícia da universidade.
Na polícia disseram-me que dificilmente encontraria o livro. Ai... não gostei daquela resposta. Para além do livro ser caro, eu tinha um exame brevemente e precisava de estudar. Quando digo que fiquei obcecada, fiquei mesmo obcecada e decidi que ia a todas as livrarias ver se alguém tinha vendido o meu livro usado -- era Quarta-feira e às Quintas-feiras, toda a gente ia para os bares e precisava de dinheiro logo tinha lógica que tivesse sido vendido. Encontrei-o na segunda livraria e levei-o, sentindo-me triunfante, à caixa e disse-lhes que aquele livro era meu, mas não mo deram. Pronto, está bem, querem jogar duro? Eu jogo. Mostrei os marcadores e canetas que usei para escrever no meu livro e aquela era a minha letra. Continuaram sem me dar o livro. Regressei à polícia e disse onde estava o meu livro e voltei a mostrar os marcadores e as canetas que eu usei para anotar o dito e que provava que eu era a dona legítima (dá para perceber que eu tive uma paixoneta pelo Sherlock Holmes quando era nova? Jeremy Brett forever!!!).
Para além disso, eu tinha escrito o meu nome e telefone na primeira página e quem tinha vendido o livro rasgou essa página. Este acto de rasgar uma página a um livro encheu-me de nojo e revolta. Como é possível ser tão insensível? Que tipo de psicopata rasga uma página a um livro? A maneira correcta de tratar um livro é pegar nele com cuidado, levar ao nariz para apreciar o aroma, e depois fazer uma festinha, sorrir, e abrir gentilmente. É muito fácil, não é preciso ir à universidade para aprender. Eu sabia fazer isto antes sequer de saber meter os sapatos nos pés correctamente e, se eu consigo, toda a gente consegue.
Então na polícia, finalmente, interessaram-se pelo meu caso e foram buscar o meu livro à livraria usada. Telefonaram-me a dizer que o tinham resgatado da vida dura em que tinha caído e fiquei feliz a pensar na nossa reunião. Perguntei quando o poderia ir buscar, mas disseram-me que não podia porque o District Attorney tinha decidido que ia apresentar queixa da rapariga que tinha vendido o meu livro como sendo dela. Hã?!? E como é que eu estudava para o meu exame? Olha, amanha-te Rita... Fui chateada para o gabinete do meu orientador queixar-me da injustiça que prevalecia no universo e ele, em vez de se comiserar comigo, sorriu e emprestou-me a cópia que ele tinha de uma edição mais antiga do livro.
Alguns dias mais tarde, o District Attorney reconsiderou e decidiu não apresentar queixa da rapariga, logo a polícia devolveu-me o livro. Mas a história não fica por aí porque eu fiquei completamente traumatizada e decidi que ia marcar todos os meus livros numa página interior com o meu nome para que, na próxima vez que alguém ficasse com um livro meu, eu pudesse facilmente identificá-lo e não ia ver páginas rasgadas para ocultar o meu nome. Comprei um carimbo do Snoopy com "This book belongs to" e tinta de carimbo amarela clara para ninguém topar que os livros estavam marcados e desatei a meter o meu nome na minha colecção de livros, nas páginas 72.
O meu entusiasmo pela marcação de páginas não durou para sempre e agora já não o faço, mas aconteceu que, há uns anos, quis oferecer um livro que tinha lido a alguém em Portugal porque pensei que a pessoa se interessasse pelo tema. Como já estava esgotado dado ser uma edição antiga, tive de o encomendar às livrarias independentes que vendem na Amazon, o que demora mais tempo, e não chegou a tempo de eu o poder oferecer. Lembrei-me então de oferecer a minha cópia e de ficar com a que vinha da Amazon.
Meses mais tarde, depois de o oferecer, recordei-me que se calhar aquele meu livro pertence à época em que eu marcava os livros todos e fiquei cheia de vergonha por ter oferecido um livro que deve estar marcado com o meu nome. Bem, se a pessoa se chatear, pode sempre devolvê-lo para eu o conservar...
P.S. É tudo verdade!
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