Era isso mesmo que ela fazia, ao fim do dia, no 4 de Julho. Estava muito calor e, em Memphis, o nível de humidade aumenta com o pôr-do-sol porque durante o dia os raios de luz ajudam a controlar. Perguntou-me se eu estava bem porque já não me via há tempo, mas depois lembrou-se que lhe tinha dito que ia estar fora de férias e em trabalho. O meu jardim está bem cuidado, o que ela menciona amiúde, porque o dela frequentemente espera pelo filho ter vontade de aparar a relva. Já o meu está à vontade do meu vizinho da frente que, poucos dias depois de eu me mudar, se ofereceu para cuidar dele por $45 de cada vez, um preço que é ridiculamente baixo, mas que ele avançou reticentemente com medo de eu achar caro. Uma vez tentei dar-lhe $50 e, na vez seguinte, ele só aceitou $40.
Estes encontros com a minha vizinha também servem para pôr a bisbilhotice em dia, apesar de eu ainda não conhecer muitos dos vizinhos. Será que eu tinha ouvido o tiroteio recente, pergunta-me. É assim uma pergunta um bocado desconcertante, mas nesse dia, com o fogo de artifício e o consumo de cerveja, etc., por acaso tinha pensado que era um boa dia para andar aos tiros a alguém. Mas não era desse dia que ela falava, era de há umas semanas, de dois carros que tinham entrado na nossa rua numa perseguição que também envolvia tiroteio. Ao todo, ela dizia que tinham sido disparados 25 tiros, com cartuchos vazios em frente da casa dela e alguns tiros que atingiram uma casa do outro lado da rua da minha -- não a casa do meu vizinho jardineiro porque eu vivo num cruzamento.
Parece que, em frente da minha casa, os únicos vestígios foram as marcas das rodas de um dos carros na relva -- eu pensei na altura que tinha sido o camião do lixo. Já a casa do outro lado da rua não teve tanta sorte: várias balas atingiram a parede, passaram pelos tijolos e houve até uma que passou a menos de 15 cm de um bebé de seis meses. Por uns segundos fiquei um bocadinho atordoada. Olhava para a casa do vizinho e para a minha casa, que está pintada de amarelo claro e é bastante comprida, e calculava as probabilidade de não acertarem nela.
Nesse dia, onde estava eu? Ah, estava no quarto a dormir porque isto foi a meio da noite. Dois dias mais tarde, ainda a ruminar sobre o assunto, a coluna do LA-C, no Observador, ganhou um outro sabor: "Se os guarda-redes ficassem muitas vezes quietos no centro, então o avançado nunca chutaria para o centro, dado que isso seria uma defesa quase certa." Dormia eu na minha cama, quietinha, no centro de um tiroteio e, por sorte, os atiradores faziam como os jogadores de futebol e atiravam para o que estava ao lado da minha casa.
Em redor das paredes do meu quarto, no jardim, há árvores enormes, talvez com mais de 40 anos, de troncos grossos e que pensei darem jeito para protecção contra tiros aleatórios. E que mobília tinha eu contra a parede exterior, que está virada contra a rua, no meu quarto? Nada de substancial agora. Tive a brilhante ideia de retirar de lá o armário de roupa, mas se calhar devia voltar a decorar o quarto tendo em conta esta nova informação.
Quando terminei a conversa com a minha vizinha, conclui que até não era mau de todo. Ninguém tinha sido ferido e a polícia sabia, logo agora iriam haver mais patrulhas da polícia pela vizinhança: é a situação ideal. E, se isso não é suficiente para me descansar, há sempre Tennessee Whiskey...
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