Em Fenway Park, um dos locais mais famosos de baseball dos EUA, há um anúncio da Citgo que é tão famoso que, em 2017, foi declarado uma atracção turística oficial da cidade de Boston. O sinal também é conhecido por inspirar "home runs", que são o que se chama quando uma bola é atirada com tanta força, que a equipa adversária não a consegue apanhar, e um jogador tem tempo para correr todas as bases do campo e chegar a casa "home" sem que seja interceptado pela bola. Citgo poder ser lido como C-it-go, ou seja, "vê-a a ir" (see it go).
Não há um desporto mais americano do que o baseball, mas talvez vos surpreenda saber que, desde 1990 a Citgo, uma empresa que refina, transporta, e comercializa produtos petrolíferos, é detida pela Petróleos da Venezuela, S.A., que é propriedade do estado venezuelano e que é o veículo pelo qual a Venezuela monetiza o seu petróleo. A Venezuela detém as maiores reservas de petróleo do mundo, mas o petróleo venezuelano é de má qualidade e requer uma refinação especial que a Citgo podia efectuar.
Em 1986, o Venezuela adquiriu 50% da Citgo e em 1990 o resto, o que fazia completo sentido na altura porque era mutuamente benéfico para os EUA e para a Venezuela, pois acesso ao petróleo da Venezuela permitia aos americanos não estar tão sujeitos a produto do Médio Oriente e os Venezuelanos podiam usufruir da tecnologia americana e de um mercado que consumia muitos produtos petrolíferos.
Mas, durante a administração de George H.W. Bush, como reacção à invasão do Kuwait pelo Iraque, os EUA começaram a implementar políticas que visavam que um dia o país fosse energèticamente independente do Médio Oriente. Foi nesta altura que se começou a investir na tecnologia do fracking e, mais tarde, durante a governação de George W. Bush, em 2006, o foco foi alargado à produção de biocombustíveis, como a produção de álcool usando milho. Já com a administração Obama, para além de se continuar a avançar o fracking e os biocombustíveis, apostou-se também fortemente em energias renováveis como solar e eólica e também carros eléctricos, por exemplo.
Desde 2011 que os EUA são um exportador líquido de produtos petrolíferos e é de realçar que, nos últimos 30 anos, o poder executivo americano pode ter alternado entre governos de Direita e de Esquerda, mas não houve desvio da estratégia energética principal que era ser independente do resto do mundo. A consequência óbvia deste processo foi a descida do preço mundial do petróleo, o que gradualmente reduziu as receitas que a Venezuela conseguia obter através da sua actividade nos EUA via Citgo.
Houve uma altura em que a Venezuela era o país mais rico da América Latina, mas nos últimos 20 anos ficou reduzida à pobreza, muita dela através de esquemas corruptos que desviavam o dinheiro do petróleo para alimentar as elites. Em Portugal, deve haver algum entendimento do problema, dado que tanto os fundos comunitários, como os depósitos bancários, são usados para alimentar as "elites" portuguesas.
Para terem uma noção da gravidade da situação da Venezuela, The Lancet, o jornal médico, tem publicado vários artigos que ilustram a deterioração dos cuidados médicos, um deles na semana passada sobre a mortalidade infantil que retrocedeu em 2016 para níveis de há 18 anos. A mortalidade materna aumentou 65%. Há pessoas que morrem por causas perfeitamente banais, como falta de antibióticos ou de acesso a vacinas ou de medicamentos de controle do virús do SIDA.
Chegámos agora a um dos pontos mais surreais desta telenovela: a Administração Trump bloqueou o governo Maduro de aceder às receitas da CITGO, que eram um do principais mecanismos financiadores do regime de Maduro--estas receitas serviam para manter o poder militar submisso e a apoiar o regime. Mas Juan Guaido, que se opõe a Maduro e se auto-designou Presidente da Venezuela depois das últimas eleições, tem acesso ao dinheiro porque os EUA também defendem que ele é que é o Presidente legítimo, apesar do resultado oficial dar a vitória a Maduro. Diz a Administração Trump que as eleições venezuelanas foram adulteradas--se há alguém especialista nesta área, é o Sr. Trump.
Há ainda uma complicação adicional porque, quando as receitas da CITGO começaram a baixar, o governo Venezuelano pediu dinheiro emprestado à China e à Rússia e deu a CITGO como garantia dos empréstimos, ou seja, se a Venezuela não pagar a dívida, há o risco de a Rússia ficar dona da CITGO e a Rússia e os EUA andam numa altercação que, como diz o Boaventura de Sousa Santos, faz lembrar uma Guerra Fria. O que não lembraria ao Diabo era alguém que conhecesse minimamente os factos achar que o regime de Nicolás Maduro era um regime virtuoso, democrático, e defensor do bem-estar dos venezuelanos. Até já houve um militar que falou contra o Maduro--o Guaido ofereceu imunidade aos que o fizessem, mas quem não deve não teme.
Repara que não foi só o Trump que considerou a eleição de Maduro viciada. O mesmo concluiu a UE e muitos países não europeus, inclusive, vizinhos da Venezuela. E não é por o Trump ter reconhecido quase de imediato o governo auto-proclamado do presidente da República, o presidente da Assembleia da República Venezuelana, esse eleito de forma transparente, que nos pode levar a apoiar o Madura, como fez o Sousa Santos, um cegueta, que só vê, e vê pouco, para um lado.
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