Ia para dizer umas piaditas acerca do nepotismo de antes vs. o de agora, mas não me parece que contribua para o meu dia. Para mim, o dever de um cidadão é duvidar de políticos, ou seja, é fazer aos políticos o que a sociedade faz às mulheres: tratá-los como incompetentes até prova em contrário. Efectivamente, é uma manifestação do meu gene português avariado. Em Portugal, todo o homem que chega ao topo é um génio. Ui, que sublime habitarmos o mesmo espaço e tempo de tal gente...
Adiante, que ainda me dizem que o período está para me vir. Ora, acordei às 3:45 da manhã, depois de uns dias cheios de stress. No trabalho, deixei instruções detalhadas de como actualizar as minhas coisas para a equipa não andar às cegas, mas o meu colega olhava para mim de soslaio, sorrindo, e a dizer "It ain't gonna happen!" Eu repsondo que o que ele faz com aquilo é problema dele; o meu é deixar o meu trabalho em ordem. É apenas uma maneira de gerir o meu nível de stress.
Por falar em nível de stress, tenho tendência para a paranóia e pensar no que corre mal. Por exemplo, ontem ao jantar deixei instruções com uma amiga do que fazer se eu morrer e o meu cão ficar no hotel de cães órfão. Ai, era por isto que eu não queria ter mais cães. É que com a idade, não é só o gene português que anda avariado, é tudo o resto que me compõe, mas uma coisa que funciona cada vez melhor é a profunda necessidade de controlar tudo.
Talvez para me redimir das minhas obsessões, cultivo também o papel de controladora falhada, pois ainda não fiz os impostos, o prazo termina no dia 15, e não estou em casa. Vou ter de submeter um pedido de extensão do prazo, mas é preciso saber quanto me retiveram na fonte e depois fazer uma estimativa de quanto devo. Ontem não encontrei o formulário W2 que contém o total de rendimento e retenções.
Outra coisa que ainda funciona bem é o facto de me recordar com bastante lucidez que guardei o dito, como sempre faço todos os anos. Se calhar, quando chegar à idade do Prof. Cavaco--79 anitos, que num homem em Portugal é muita fruta, então a esperança média de vida em 1960 dos homens nem chegava a 61 anos -- já nem disso, que aconteceu há menos de 3 meses, me lembro. Mas tenho uma boa desculpa: mudei de casa, disso lembro-me bem.
No aeroporto, quase que fui a última a embarcar no avião porque devia ter saído de casa mais cedo. O ideal teria sido acordar às 3:30, mas, pronto, não correu mal. Já não me recordava a última vez que tinha viajado na American Airlines e nunca o tinha feito de Memphis, ou seja, não fazia ideia onde ficavam as portas de embarque. Se soubesse de antemão que eram ao lado das da United, teria ido pelo outro portão de segurança que é mais pequenino e aconchegante e quase que não tem gente.
Em vez disso, segui as instruções e fui pelo portão principal. Não é que me caiu o queixo quando vi tanta gente? "Fogo, é Domingo, o que é que estão a fazer no aeroporto?!? Não deviam estar a aperaltar-se para a missa? Vão todos acabar no inferno!" pensei eu, enquanto tentava imaginar promessas eficazes para não perder o avião. Desisti porque, primeiro, teria de encontrar Deus e eu não tenho paciência para a caça. Restava-me enfrentar a adversidade e, nestas alturas, o meu mote é: se é para falhar, falhas dando o teu melhor.
Correu tudo bem e eu até parecia uma máquina viajante bem oleada, em vez de uma mãe de cão à beira de um ataque de nervos. Não faço ideia como é que as pessoas com filhos os deixam crescer, ficar independentes, e tal, porque eu duvido que conseguisse e, no entanto, acho mal quando os pais não ensinam os filhos a ser independentes. Por exemplo, na preparação da minha viagem, tentei arranjar alguém para ficar lá em casa com o meu cão, mas a rapariga a quem perguntei disse-me que eu vivia muito longe e ela achava que não conseguia dar conta do recado porque ia gastar muito em gasolina. Ela ainda vive com a mãe e o normal é os alunos sairem de casa para a faculdade.
Ofereci $350 por duas semanas e ia deixar-lhe $100 extra se ela precisasse de levar o Julian à creche (custa $16 por visita até seis horas), caso não tivesse oportunidade de ir a casa algum dia. Depois de ela dizer que não estava inclinada para aceitar, disse-lhe que, se ela quisesse ficar com o namorado lá, eu não me opunha. Ou seja, por duas semanas, tinha de fazer como se vivesse em minha casa e fazer de conta que o meu cão era o dela. Recusou sem fazer contra-oferta que, nos EUA, é completamente estranho, pois gostam muito de negociar. E não achei assim tão pouco dinheiro, pois é metade de uma renda de um apartamento em algumas zonas.
Essa moça anda na faculdade a tirar o curso de psicologia. A primeira vez que a conheci, achei-a normal; bem, nem lhe liguei muito, mas pareceu-me uma pessoa competente. Na segunda vez, em casa de uma amiga comum, onde eu, ela, e a mãe tinhamos ido jantar, descubro que ela tem uma fobia qualquer e não consegue comer em público, nem sequer em frente do namorado. Não é um problema muito sério, diz ela, e quando foi ao psicólogo achou melhor focar-se nas questões que tem com o pai. Apeteceu-me descompor a mãe por estar ali serena a ouvir isto e não ter noção das implicações que aquilo tinha para a filha, mas trinquei a língua e pensei em campos verdejantes.
Quando vim para os EUA, uma das coisas mais interessantes que observei foi que, na universidade, uma das actividades organizadas era ensinar os alunos a comer de faca e garfo, mas era uma coisa voluntária, ia quem queria. O objectivo era prepará-los para as entrevistas de emprego que muitas vezes envolvem almoços ou jantares de negócios. É claro que abrangendo o corpo estudantil uma grande diversidade social e étnica, muitos alunos estariam em desvantagem em situações que envolvam etiqueta à mesa, daí a necessidade de uma workshop deste tipo.
É tão óbvio, que muitas pessoas descuram este aspecto da preparação dos jovens; mas por muito bom que seja o elevador social, não adianta grande coisa a quem é entrevado e não consegue lá entrar. Ah, apanharam-me, confesso que o meu plano maquiavélico era apanhar a rapariga sozinha e explicar-lhe como funciona a América, dizer-lhe que era importante que ela falhasse naquele aspecto da sua vida, mas também falhei. A nossa amiga comum, que tinha achado ser uma óptima ideia oferecer-lhe esta oportunidade, até porque ela e a mãe vivem uma vida bastante frugal, ficou como eu, sem compreender o que se passa na cabeça desta jovem, que é incapaz de fazer um sacrifício temporário para ganhar algum dinheiro extra.
Mas ela não é única; há muitas pessoas assim e não se consegue ajudar quem não se ajuda a si próprio. Felizmente tenho sorte por não ser assim e a sorte é tanta que quando cheguei ao meu destino fui passear com uma amiga e um pássaro fez caca em cima de mim. Ah, pá, desta promessa eu não me tinha lembrado. Só pode ser sorte, portanto!
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