terça-feira, 19 de novembro de 2019

Investir por amor

Estava a ouvir o Conversas Cruzadas e achei que a questão do englobamento do rendimento das rendas não ficou devidamente esclarecida porque quando falaram na comparação internacional foi enquadrada em termos de taxas marginais de imposto. Essa abordagem está errada quando se compara com os EUA. Como vos expliquei no post anterior, nos EUA, os senhorios pagam imposto sobre a renda líquida, ou seja, o lucro que fizeram nesse ano na exploração da propriedade. Como sou residente nos EUA, tenho de declarar a minha actividade como senhoria em Portugal ao Internal Revenue Service, nos EUA. E também a declaro à AT, em Portugal, obviamente.

Gostaria de partilhar convosco a forma como os americanos calculam a actividade de um senhorio vs. os portugueses. Mas antes alguns esclarecimentos.
  • Quem preenche os meus impostos nos EUA é um Certified Public Accountant; eu apenas recollho as despesas ao longo do ano e envio-lhe as coisas para ele preencher o formulário.

  • Notem que os valores da declaração americana estão em dólares e os da portuguesa estão em euros. Para converter os euros para dólares, tenho uma tabela das receitas e despesas do apartamento por mês e uso a média mensal da taxa de câmbio, que é publicada pela Reserva Federal americana.

  • Os impostos pagos em Portugal que declaro no formulário americano são o IRS, o IMI, e os impostos de selo que me cobram quando faço pagamentos de coisas pertinentes ao apartamento. Nas despesas do formulário americano incluo coisas como as despesas com o condomínio, obras, seguros, comissões bancárias relativas ao pagamento do empréstimo, e juros de empréstimo. Todas estas despesas são dedutíveis a 100% nos EUA.

  • Para além das despesas, a lei americana também permite a amortização do imóvel, o que reduz o valor do imóvel durante o tempo de vida da propriedade que se considera ser 30 anos. Ou seja, o que a amortização faz é diminuir o custo que se pode invocar se o senhorio um dia vender a propriedade. Nessa altura, o imposto sobre a mais valia obtida da venda da propriedade irá incidir sobre o valor da venda ao qual são deduzidas as seguintes componentes: o custo da venda, o valor residual do imóvel, e quaisquer perdas que tenham transitado do arrendamento.

  • No formulário português apenas incluo as deduções permitidas pela lei portuguesa.

Conclusão, perante a lei portuguesa, como senhoria tive rendimentos prediais de 1.739 euros em 2018 e paguei um IMI de 487 euros. Perante a lei americana, tenho uma perda de 4.123 dólares e não pago nenhum imposto sobre o rendimento. Apenas transito a perda para a actividade do póximo ano e quando vendo uma propriedade uso as perdas acumuladas para mitigar qualquer ganho que tenha na venda.

É óbvio que Portugal e os EUA têm sistemas de impostos muito diferentes, mas para um investidor, o que interessa é o potencial do investimento gerar retorno. O sistema de impostos português e a forma como a economia é gerida condenam a maior parte do território nacional a perdas prediais. Não há grande incentivo fiscal para comprar uma propriedade para a ter a arrendar a longo prazo. As únicas situações em que claramente compensa ser senhorio serão locais como Lisboa e Porto ou propriedades que as pessoas herdem e sobre as quais não têm de pagar empréstimos.

No meu caso, não comprei esta propriedade para a arrendar; comprei-a porque os meus pais queriam que eu tivesse um sítio em Portugal, mas como já ninguém da família lá vive não a posso deixar vazia. Poder-se-á dizer que acabei por investir por "amor", mas a forma como os portugueses me tratam, seja cidadãos (ver primiero comentário ao post anterior) ou a Autoridade Tributária, não me dão grande vontade de continuar a ter uma ligação física a Portugal. A única coisa de Portugal que me faz falta é poder visitar a campa da minha família no cemitério. Tudo o resto é-me indiferente.

Aliás, ultimamente, não tenho pensado em regressar a Portugal depois de me reformar nos EUA. Eu gosto de Portugal, mas não aprecio a atitude de muitos portugueses que gostam de me insultar só porque eu tive a brilhante ideia de me fazer à vida e saí de Portugal para tentar construir uma vida melhor. Eu posso ser muita coisa, mas o que eu não sou é masoquista.

Vamos aos números.

Excerto do formulário americano:

Excerto do formulário português:

18 comentários:

  1. Excelente post. Faz falta conhecer os sistemas de outros países para além da superficialidade. Isto evidencia bem a diferente filosofia entre um regime que entende o investidor e outro, centrado no estatismo, visando unicamente captar receita. Parabéns.

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  2. O meu coracao sangra pelos despauterios que "os investidores" rentistas tem de de ler e ouvir...
    Tambem acho chique a valer a forma como quem se afirma indiferente aos destinos do pais, nao so em palavras mas tamebm, e acima de acima de tudo, em accoes (abstencao) depois se queixa do sistema tributario em vigor - instituido pelo governo, democraticamente eleito nas eleicoes em que nao participou...

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    1. Experimente olhar para um investimento em Portugal como investidor estrangeiro que não vota e se pensar que precisamos de atrair investimento externo porque não há poupança tirará as suas conclusões...

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    2. "As minhas proprias conclusoes" nao sao apropriadas para a idade da audiencia.

      Pegando na sua "experiencia de olhar", aproveito para aqui citar um certo maldito escritor nobelizado: "Se puderes olhar, vê. Se podes ver, repara".
      Ora entao vejamos: este "investimento" visa extrair rendas de alguem em Portugal para as canalizar para fora do pais.
      E depois repararemos nisto tambem: que o "modelo de negocio" so pode ser tornado "lucrativo" num contexto de deficiente aprovisionamento de habitacao social aos segmentos mais vulneraveis da sociedade portuguesa.
      Agora o observador honesto se calhar e assaltado por pensamentos um bocado heterodoxos acerca das taxas de poupanca em Portugal e suas origens... pensamento esse bem mais incisivo, mais interessante, fora do espectro da opiniao economica publicavel e verdade, mas um pouco mais inteligente que a simples regurgitacao de lugares-comuns.
      Assim sendo e bastante apropriado que o pedro me convide apenas a olhar... e mesmo assim com uma serie de condicionantes , uma especie de oculos especiais "amigos do investidor".

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    3. E quanto ao investimento estrangeiro que nao vota -uma pequena nota de rodape:
      O investimento estrangeiro nao nasce todo igual. Ate os manuais de economia reconhecem que ha "investimento bom" e "investimento mau" - os criterios sao sempre mais ou menos subjectivos, e a questao que deveria ser central, deveria friso, e obviamente como os estabelecer de forma justa.
      Ora, a falta de melhor, de momento a democracia e o que se arranja. Quem quer outros criterios, que vote neles.
      Nos circulos economicos convencionais a democracia tende sempre a ser vista, de uma maneira ou outra, como um empecilho - e nao e defeito, e feitio de classe... profissional.

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    4. Depois indique quais os "manuais economicos" que reconhecem que ha investimento estrangeiro "bom" e investimentos "mau".
      E também porque acha que é uma boa opcao economica, no hipotetico contexto de "deficiente aprovisionamento de habitacao social aos segmentos mais vulneraveis" penalizar a oferta como mais onus e encargos?
      Obrigado

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    5. Fazemos assim: quando te passar a puberdade e as calosidades na tua "mao amiga do mercado" sararem das uma apitadela e depois a gente conversa.
      Vais-me desculpar por nao me despedir com um aperto de mao de momento OK?

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  3. Rita, não valorize o comentário de lowlander. Trata-se de gente que não vê um palmo à frente do nariz, que se inscreveu numa "igreja” tipo seita, que agora professa uma religião "sagrada" e que se permite andar por aqui e por outros lados malcriadamente a chatear as pessoas com argumentos tolos. Mantenha-se ligada ao nosso País e deixe passar a caravana.

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    1. Sim sim, os economistas identificam-se a si proprios com termos giros como:
      "economistas ortodoxos"
      "economistas heterodoxos"
      "economistas de agua salgada"
      "economistas de agua doce"

      Sao eles os visionarios da nossa sociedade - sao cientistas carago!

      Ja agora, passar por cima de argumentos e em vez disso tentar canhestramente rotular implicitamente o interlocutor com mimos como "fanatico religioso" e um claro sinal de educacao. Nao so ao nivel da simples capacidade de esgrimir um par de argumentos sem cair falacias, mas acima de tudo ao nivel das boas maneiras.
      E esmagador e naturalmente eu so me posso sentir esmagado com o peso (e maturidade) da argumentacao exibida!

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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  5. Só baboseiras.
    "Ate os manuais de economia reconhecem que ha "investimento bom" e "investimento mau"". Importa-se de partilhar connosco em que "manual de economia" é que encontrou essa pérola?

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    1. Ja ouviu falar de "investimento productivo vs investimento especulativo"? E "investimento em bens transaccionaveis vs investimento em bens nao transacionaveis"?
      E areas da economia sensiveis para a seguranca nacional, onde investimento estrangeiro e proibido - ja alguma vez se deparou com esta expressao?

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  6. Lowlander, olhe para os números. A renda são 2400 euros/ano brutos. Descontados os impostos e custos de manutenção (condominio, IMI, taxas e taxinhas) sobra um pouco menos de 1300 euros/ano. Ou pouco mais de 100 euros/mes.

    100 euros/mes é um rendimento de luxo ? E o dinheiro para as as obras de renovação na fração e no prédio vem de onde ?

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    1. Nelson Goncalves:
      O seu argumento tem alguma piada. Mais um convite para olhar, e nada mais...
      Permita-me responder-lhe com outra pergunta:
      E quando falamos de aumentos de 20 ou 30 euros /mes (280 a 420 euros /ano) no salario minimo nacional, sera um rendimento de luxo? E o dinheiro para pagar algumas necessidades do dia-a-dia como alimentacao e RENDAS, vem de onde?

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    2. Lowlander,

      Como é que o salario minimo entra nesta discussao ? Discutir consigo é um diálogo de surdos.

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    3. Lowlander,

      Mas... vamos lá seguir a sua linha de raciocinio. O salario minimo é curto para as necessidades do dia a dia, rendas incluídas. Ora 100 euros é um quinto do salario minimo. Parafraseando o Lowlander, "o dinheiro para pagar algumas necessidades do dia-a-dia como alimentacao e RENDAS do senhorio vem de onde?"

      A conclusão óbvia é que o senhorio está justificado em aumentar a renda, porque (parafraseando-o novamente) "aumentos de 20 ou 30 euros /mes (280 a 420 euros /ano) num salário de 100 euros/mes sera um rendimento de luxo?"

      Chegamos portanto á situação trágica em que você defende que o senhorio deve aumentar as rendas, e defende que não aumente porque o inquilino é pobre.

      Absurdo..... "Era previsivel e foi previsto."

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    4. Nelson Goncalves,

      A linha de raciocinio era sua e nao minha. Quem trouxe para a discussao a magnitude dos valores recordo-lhe, foi o Nelson, com um convite para eu simplesmente "olhar" para isso e presumivelmente encher depois o meu coracao com ternura pelo "pobrezinho" do rentista.

      O que a minha pergunta pretendia fazer, e suponho que eu saiba alguma coisa sobre isso ja que fui eu que a escrevi, era um simples teste de boa-fe na sua argumentacao:

      Se a magnitude de valores e que e o argumento central aqui para o Nelson, entao concerteza que e um argumento universal para o Nelson. Isto e aplicavel em todas as questoes economicas onde os valores para o individuo sao diminutos.
      Assim sendo, e expectavel que que o Nelson, porque argumenta de boa-fe e e um interlocutor intelectualmente honesto, tambem tera o coracao repleto de, pelo menos, tanta ternura pelos recipientes do salario minimo portugues como pelos "pobres" dos rentistas. Teria logica.
      Pergunto entao de novo ao Nelson: o seu argumento e sustentavel quando aplicado ao salario minimo por exemplo?

      Quanto as suas elocubracoes sobre "a linha do meu raciocinio" o unico tragico absurdo que expoem, por enquanto, e a sua incapacidade de apreensao.

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  7. Ufa! Que rolamborio que para aqui vai...

    Disse eu: "As minhas proprias conclusoes" nao sao apropriadas para a idade da audiencia.

    E previsivelmente as reaccoes confirmaram a idade da audiencia entre os pueris trocadilhos com o meu pseudonimo, pateticos links para os sites pornograficos onde esta tralha presumivelmente testa - sozinhos claro - a teoria economicas estimulantes sobre "mao amiga" ou "mao invisivel" do mercado e infantis tentativas de passar por cima de argumentos com rotulagens simplorias.

    Era previsivel e foi previsto.

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