Depois de três semanas de
#EstudoEmCasa é possível uma tentativa de primeira avaliação, na generalidade,
à iniciativa do Ministério da Educação como resposta à continuação da proibição
de abertura das escolas e, portanto, de aulas em regime presencial. Essa
análise, porém, limita-se apenas às peças transmitidas pela televisão, não
considerando (por desconhecimento) que apoios tiveram os alunos, com ou sem
internet, como suportes escritos para professores e alunos, e outros.
É certo que vou deixar sem
resposta um dos motivos da minha curiosidade, que era, como disse em texto
anterior, saber “como vão ser integrados os
elementos fornecidos via TV na programação que os professores irão gizar nas
suas disciplinas”.
A
comunicação social insistiu sempre em referir o #EstudoEmCasa por Telescola. A
Telescola foi criada em 1964 pelo Ministério da Educação, simultaneamente com o
Instituto de Meios Audiovisuais de Ensino (IMAVE), mais tarde crismado como
Instituto de Tecnologia Educativa (ITE). Ela replicava instituições semelhantes
de vátios países que exploravam, há anos, as potencialidades de existência de
um ensino através da televisão, como já fora feito com a rádio e também com o
cinema.
A Telescola
tinha um objectivo imediato: solucionar o prosseguimento da escolaridade primária,
na altura de quatro anos, dos alunos vivendo no interior, afastados das cidades
onde existia o ensino secundário, liceal e técnico. Desde os finais da década anterior
que em vários pontos do globo existiam experiências de ensino a distância com a
televisão, os quais foram estudados por um inspector do ensino primário, José
Baptista Martins, que para o efeito contactou directamente com os centros de
produção dessas experiências. E foi a partir delas que concebeu o primeiro curso,
o Curso Unificado da Telescola (CUT), assim chamado porque pela primeira vez os
quinto e sexto anos de escolaridade eram comuns, dando acesso a liceus e escolas
técnicas. Antecipando a criação do ensino preparatório, o CUT evoluiu para o Ciclo
Preparatório TV (CPTV) que entre 1965 e 2002 coexistiu com as escolas de ensino
directo, formando milhares de alunos. Visto inicialmente como em ensino de
segunda, o tempo encarregou-se de provar que não era bem assim. Uma avaliação
feita por uma equipa da OCDE em 1977, considerou-o como “o único exemplo
europeu bem fundamentado de um sistema de ensino integrado, em que a televisão
desempenhava o papel de instrutor.”
O que caracterizava o CPTV era o
seu design misto: o curso não era um curso pela televisão, era um
curso com a televisão. Na escola primária da aldeia os alunos
passavam a tarde na sala de aulas, mas eram acompanhados por dois professores
(designados como professores- monitores), um para as aulas de “Letras” e outro
para a de “Ciências”, como se dizia na altura. Os professores tinham apoio
através de vários boletins e os alunos recebiam manuais e folhas de trabalho. Em
cada tarde eram transmitidas, pela televisão, cinco lições, com uma duração aproximada
de 20 minutos, a que se seguia um período de quarenta minutos de exploração da
aula dada, na qual o professor monitor, em diálogo com os alunos, procurava que
as aprendizagens pretendidas fossem consolidadas. Era nessa altura que a folha
de trabalho era preenchida. Os professores
monitores eram professores do ensino primário que tinham formação adicional e
que eram acompanhados durante o ano por um orientador pedagógico. A avaliação dos
alunos era feita através de testes (tipo escolha múltipla) que eram “corrigidos”
por um computador existente no ITE.
O sistema funcionava
razoavelmente de acordo com um paradigma que era aceitável numa altura em que era
predominante a teoria behaviorista, se ensaiava o ensino programado e se
aceitava uma rigidez curricular que favorecia um processo de ensino direccional,
que hoje é objecto de discussão e tem perdido muita da sua influência.
Como se vê, a aproximação do #EstudoEmCasa com a Telescola (melhor dizendo, o CPTV) não é
apropriada. Falta ao primeiro uma estrutura que a segunda organizou muito bem
(e escrevo isto com convicção mesmo desconhecendo o que efectivamente foi feito
como apoio complementar aos alunos dos diferentes ciclos).
Os
indicadores que seleccionei para esta primeira avaliação pertencem a duas categorias:
a vertente técnica e a vertente pedagógica. Na primeira, englobam-se a produção
e a realização das lições, atendendo particularmente ao modo como se
aproveitaram os recursos digitais para tornar mais explicita a informação
desejada; na segunda, a estratégia seguida pelo docente apresentador, a sua
postura e a qualidade das mensagens. Como é evidente, este exercício foi apenas
um arremedo do que deveria ser uma avaliação rigorosa…
Seja como
for, o visionamento que fiz de boa parte das unidades transmitidas durante
estas três semanas permite-me dizer que de uma maneira geral as sessões tiveram
uma qualidade muito aceitável, quer sob o ponto de vista técnico quer sob o
ponto de vista pedagógico.
Tecnicamente,
contudo, creio que nem sempre se aproveitou o poder da imagem nem os recursos
digitais que a valorizariam, o que pode significar um desfasamento entre a
realização e quem apresentava a matéria. Mas isso é compreensível.
Os
professores apresentadores, a quem não foi possível dar formação aprofundada
para a nova função, e ela é necessária, estiveram bem. Seria muito negativo se
fossem apontados pormenores do que por vezes correu menos bem, quer no desenvolvimento
da aula, quer na metodologia usada. O tempo que mediou entre a decisão e a entrada
em funcionamento do modelo foi muito curto, e isso tem de ser tomado em
consideração. As falhas (que existiram) devem ser apontadas tendo em vista o
futuro, mas não como elementos negativos que desvalorizem o trabalho feito.
Pensada,
a meu ver, sobretudo para os alunos privados de acesso à Internet, as possíveis
aprendizagens proporcionadas pela intervenção dos professores apresentadores terão
dependido, também, do que se passou depois: as respostas virão certamente mais
tarde. Como, insisto, interessa saber, também, como foram aproveitadas as aulas
dadas via televisão pelos professores de turmas com as quais havia comunicação
a distância.
Em
princípio, voltarei ao tema mais tarde.
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