terça-feira, 13 de dezembro de 2022

O ciclo da minha vida

O Pedro Nogueira Ramos foi meu professor de Macroeconomia na FEUC e é um dos professores de cujas aulas me recordo mais nitidamente. No final do semestre, ensinou-nos a Life-Cycle Hypothesis, mas não me recordo bem se tinha tradução para português, que suponho seria qualquer coisa como a hipótese do ciclo da vida. É uma ideia desenvolvida pelo Franco Modigliani e pelo Richard Brumberg no início dos anos 50.

De acordo com esta teoria, as pessoas gerem o seu consumo não numa perspectiva de curto prazo, mas tendo em conta a duração da sua vida, de forma a que esse consumo não sofra variações tão grandes como as variações do seu rendimento. Sendo assim, endividam-se enquanto jovens, pois contam ter um rendimento mais alto que não só permita pagar essa dívida, como também poupar e investir para quando forem mais velhos e deixarem de trabalhar.

Que ideia extraordinária!, pensei eu naquela altura. E quero ser assim, decidi, quando devia ter uns 19 ou 20 anos. Só que Portugal não funcionava assim. Ninguém emprestava a jovens a não ser que houvesse um fiador. Investir e poupar com salários baixos, ou tendo emprego precário, também não parecia provável e eu nem tinha a certeza que alguém me desse emprego, dado que não tinha cunhas, nem estava filiada num partido.

Tive uma ideia: o que eu precisava era de me diferenciar no mercado de trabalho e pensei que fazendo um mestrado nos EUA me desse uma vantagem comparativa quando regressasse a Portugal. Porquê os EUA? Três razões: primeira, já conhecia o sistema dado que fiz um programa de intercâmbio lá durante a licenciatura; segunda, as minhas notas eram demasiado baixas para fazer mestrado na Europa em Portugal, e, talvez a razão mais importante, os americanos financiavam mestrados.

O meu plano não correu como o imaginei porque os americanos decidiram que eu não era material só para mestrado; devia era fazer um doutoramento e até me pagavam para isso. As teoria que o Pedro Nogueira Ramos me ensinou bateu certinho nos EUA. Assim que cá cheguei, deram-me um cartão de crédito e eu fui muito responsável no seu uso: gastei sempre o que podia pagar no mês seguinte, excepto perto do final do doutoramento. No semestre antes de terminar o curso devia uns 4 mil dólares no cartão de crédito, o que excedia a minha bolsa de estudo.

Na altura, o meu então marido já tinha emprego a tempo inteiro, logo não arrisquei muito. Para além disso, não eram gastos supérfluos: metade da dívida do cartão de crédito foi para comprar um computador portátil para me forçar a escrever a tese (um ThinkPad da IBM), o resto era as propinas do curso. Arranjei emprego uns quatro meses depois de comprar o computador e meio ano antes de terminar o curso. Não só paguei a dívida do cartão de crédito em poucos meses, como assim que cheguei ao emprego, comecei e poupar e a investir na conta 403b para a reforma.

Segui e sigo religiosamente o que o Pedro Nogueira Ramos me ensinou. Dos professores que tive na licenciatura, sem dúvida que ele foi o mais influente na minha vida. Lamento imenso o seu falecimento em Julho passado. A FEUC faz bem em o homenagear com este prémio. 

4 comentários:

  1. Alguns professores fazem a diferença, sim. Todavia, nunca, mas nunca tive algum que fizesse a unanimidade. E sobre um dos mais especiais que tive, alguns limitavam-se a dizer que era parvo, porque tinha posto a turma a fazer uma experiência do tipo "Helicopter Money". E também tive um que, ao contrário de muitos, eu achei que era bem fraco - só muito mais tarde percebi como tinha sido formado o meu erro de percepção e como continuava a ser valiosíssimo o que com ele aprendera.

    Agora, lendo o postal de Rita Carreira descobri, finalmente, de onde vinha mesmo algo que um professor recomendou durante a sua última aula.

    Adenda:
    Para que Cristiano Ronaldo fizesse o que a Rita sugeriu no postal anterior, Ronaldo teria de ter sido capaz de entender profundamente o que Jordan Peterson disse dele, em público, depois de, por convite daquele, terem falado durante um dia na sua casa em Manchester.

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    1. Parece-me que o Jordan Peterson se sai mal dessa história. Ele devia ser mais discreto com os "clientes".

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