As palavras de Isabel Jonet foram desastradas. Mas o que dizer do Governo e do Presidente da República que não conseguem falar ao país?
A intervenção de Isabel Jonet na SICN é só mais um exemplo das dificuldades de comunicar o processo de empobrecimento por que estamos a passar. Em primeiro lugar, porque são palavras difíceis que as pessoas não querem ouvir. E não querem ouvir na maior parte dos casos por não terem ainda percebido a gravidade desta crise.
Em segundo lugar, porque é difícil encontrar as palavras certas para dizer às pessoas que elas vão ter de aprender a viver com menos e de consumir menos. Mas que ainda assim a redução do seu bem-estar pode não ser proporcional a essa diminuição de rendimento e de consumo. O Poeta/Padre/Poeta José Tolentino Mendonça tem, em diversas ocasiões, encontrado as palavras certas, lembrando que esta crise, e a inevitável queda de consumo, pode levar-nos a valorizar aspectos que no nosso dia-a-dia muitas vezes esquecemos. E que são muito mais importantes. Fê-lo, por exemplo, num Prós e Contras há algum tempo atrás, onde estavam vários professores universitários a falar da crise, mas foi olimpicamente ignorado – olhavam para ele como se fosse um ovni (lembro-me bem da expressão facial de João Salgueiro).
Em terceiro lugar, é impossível não sentir desde logo repúdio pela imediata associação com a ideia da felicidade na pobreza da ditadura salazarista.
No fundo, a Isabel Jonet falou daquilo que a esquerda mais tem falado durante esta crise: da destruição da classe média. E a classe média não gosta de ouvir falar disso.
Isabel Jonet falou das destruição da classe média como uma coisa não só inelutável, como desejável: quem é ela, classe média, para se armar em rica? E isso corresponde a uma visão retrógrada da sociedade. É isso que a classe média não quer ouvir. O que a classe média queria ouvir era: como reorganizar o Estado, e prosseguir o desígnio de uma sociedade mais justa e equilibrada, redistribuindo a riqueza gerada segundo padrões adaptados aos tempos modernos, com as pessoas a viverem mais, com o trabalho a ser menos necessário.
ResponderEliminarNão me parece justo dizer isso: confesso que nem conheço ninguém que seja a favor da destruição da classe média.
ResponderEliminarParece-me que nem o autor do post nem a senhora Jonet perceberam bem a questão. O que irrita a classe média não é dizerem-lhe que vai empobrecer e que tem que se habituar. Ela já percebeu isso há muito. O que a irrita é o discurso legitimador da austeridade pela culpa. Pelo "viveram acima das suas possibilidades". A "classe média" não se sente culpada de nada. Sente-se enganada. Desconfio que um dia destes dirá isso mesmo às "elites". Mas à bruta.
ResponderEliminarQuanto à pobreza: a senhora Isabel Jonet não sabe nada acerca da pobreza. Sós os que são pobres, ou os que já foram, sabem verdadeiramente o que isso é. Embora os últimos tenham tendência para se esquecerem.
As elites saem da classe média... fazer da classe média uma classe alienada, que foi enganada é menorizar o grupo de pessoas que tem de facto a responsabilidade por fazer de Portugal um país melhor.
ResponderEliminarO modelo que tínhamos não é sustentável. Encontro não dermos passos para termos uma economia mais competitiva as pessoas vão esperar que o futuro seja pior - a queda do consumo este ano (6%!!) pé isso que reflecte. As famílias estão a corrigir, pena é que o Estado não tenha a mesma capacidade de poupar (nas empresas públicas, por exemplo).
Eu bem que gostava de estar enganado, mas acho que quem não percebe o que se está a passar é o AAlves.
A Isabel Jonet falou mal, mas o problema é que falaria sempre mal, dissesse o que dissesse. O apoio generalizado que o Banco Alimentar encontra em toda a sociedade depende de uma imprecisão estratégica: enquanto não definia o seu modelo de ajuda/modelo de sociedade, todos podiam projectar na instituição a sua visão de sociedade e participar no esforço comum. A partir do momento em que toma uma posição pública por determinado modelo de sociedade (e independentemente desse modelo ser certo ou errado) está a dividir e afastar uma fracção do público que necessita...
ResponderEliminarPois... mas na verdade o que as pessoas sentem é que foram enganadas. Sistematicamente enganadas. Só quem não percebeu a manifestação de 15 de setembro sustenta o contrário.
ResponderEliminarO modelo em que vivemos era "sustentável" (i.e. gerível) até 2008. Em macroeconomia, como sabe melhor do que eu, não existe isso do "viver acima das possibilidades". Quando há desequilíbrio externo, o que acontece é que a taxa de poupança interna é menor do que a taxa de investimento. O desequilíbrio é equilibrado por capitais que vêm de fora e os capitais vêm atrás de juros que só o investimento dá (Pedro Lains).
Agora a única solução não é apenas mudar de comportamento. Há que mudar a principal componente do modelo: o Euro. Tudo o resto, como o austeritarismo, é viés ideológico.
Passos Coelho já disse um dia que os portugueses tinham de empobrecer. Não vale a pena insistir nessa tecla, a realidade encarrega-se de deixar isso claro todos os dias e, por isso, não precisamos que continuem a sublinhar o óbvio. Sublinhar o óbvio, por vezes, provoca irritação. Outra questão é a necessidade de educar financeiramente os portugueses, que, à semelhança do que acontece no resto do mundo, têm um défice (mais um)nessa matéria. Não sei se era essa intenção de Isabel Jonet, mas a verdade é que a lição correu mal. As declarações foram manifestamente infelizes. Mas nada disto legitima os ataques soezes de foi alvo e os apelos patéticos de boiocote ao banco Aiimentar, que atestam bem a verdadeira preocupação dessa gente com os pobres.
ResponderEliminarEnquanto membro da classe média que nunca precisou de se endividar não posso deixar de repudiar a mistificação que se urde em volta desta crise e do seu necessário e -- a acreditar nas palavras da Jonet e muitos outros, economistas incluídos -- virtuoso empobrecimento. É afinal uma grande oportunidade, dizem-nos. Temos de deixar de viver acima das nossas possibilidades.
ResponderEliminarOra a questão que me ocorre imediatamente é: como é que conseguimos viver tanto tempo tão acima das nossas possibilidades? Com o nosso salário não foi de certeza; por definição, este está dentro das nossas possibilidades. Então como foi? Das duas uma: ou andámos a roubar, ou andámos a pedir emprestado. Alguns terão roubado, a maioria não. Então isto foi tudo resultado de andar a viver do crédito. Pois, mas então, as questões óbvias são: 1) a quem é que andámos a pedir dinheiro emprestado? 2) Pedimos emprestado para fazer o quê?
1) Pedimos emprestado aos bancos, não foi? E de quem são os bancos, quem faz funcionar os bancos? Em grande parte, senhores com uma sólida formação económica, informação actualizada sobre o estado e possibilidades da economia nacional, a conjuntura económica internacional (como não pode deixar de ser, visto que são pessoas bem formadas e que andaram a pedir dinheiro emprestado a instituições internacionais para de seguida emprestar ao cidadão da classe média nacional). Curiosamente, esses senhores bem formados e informados exortaram repetidamente, à exaustão, através de campanhas publicitárias com que invadiram o espaço público, o mal-informado e economicamente ignorante cidadão da classe média para que este contraísse ainda mais crédito pois as condições eram óptimas únicas para ele, o risco era mínimo (se existisse), os ciclos económicos eram coisa do passado (embora o crash do dot com tenha refreado, pouco, os ânimos), etc e tal. Nunca, em momento algum antes de rebentar a crise de 2008, algum destes senhores responsáveis, bem formados e bem informados avisou, a quem chamamos elite dirigente, alertou, tentou dirigir-nos para o reconhecimento racional de que estávamos a viver acima das nossas possibilidades.
2) Pedimos o crédito para fazer o quê? Não excluindo casos singulares, creio que não foram feitos contratos para comprar a crédito os bifes no talho lá do bairro.
Isto apenas servia para arrumar a argumentação da Jonet. Terá sido para extras como férias e similares; e principalmente para outras coisas que são cada vez mais fundamentais para participar na vida económica e profissional: automóvel, computador, telefones; e crédito para habitação. Faço esta pequena listinha ao correr da pena-teclado e dá para reconhecer imediatamente que a maior parte destes itens nem são de luxo. E resultam de políticas conscientes que favoreceram o transporte privado em detrimento do público, a desordenação do território urbano com a criação disfuncional de dormitórios de acesso dificil, a ausência de um mercado saudável de arrendamento.
As perguntas que se colocam pois são: 1) de quem é a responsabilidade? 2) Quem é que andou verdadeiramente a viver acima das suas possibilidades?
A responsabilidade máxima será do cidadão da classe média mal informado, muito sumariamente formado, com um capital cultural naturalmente limitado e decorrente de descenderem de famílias que ainda há poucas décadas eram semi-analfabetas e viviam próximo da miséria. Ou a responsabilidade é principalmente dos economistas, gestores e políticos bem formados academicamente e bem informados que não alertaram para estes problemas que se agravavam ao longo do tempo, que em muitos casos legitimaram ou participaram directamente na construção desta cacafonia? Em termos militares, a questão seria ainda mais clara: quem é o responsável pela derrocada, o general que desenhou mal a estratégia para a batalha, ou os soldados que se apresentaram como voluntários para desempenhar as tarefas previstas pelo general?
Miguel, o meu aplauso. :-)
EliminarGostei de ler o texto do Miguel. É uma análise série e moderada do problema. De facto, as elites (incluo aqui, nomeadamente, as classes dirigentes em termos políticos e económicos e os académicos) não alertaram atempadamente para os perigos que se avizinhavam. Assim de repente, só me lembro do Medina Carreira (visto com desdém pelas tais elites), do Miguel Cadilhe, da Ferreira Leite, e pouco mais. Sobram algumas questões. Esta gente enganou deliberadamente o povo e a classe média (esse conceito tão vago e difuso, mas enfim)? Essas elites tinham consciência da tempestade que se aproximava? Ou foi pura incompetência e incapacidade de previsão daquilo que retrospectivamente nos parece inevitável? Mais: é possível prever em tempo útil este tipo de terramotos financeiros e económicos? Admita-se (hipótese discutível) que as elites informadas sabiam o que aí vinha. É politicamente possível, ou fácil, numa situação em que não há recessão ou depressão, um governo exortar as pessoas a consumirem menos? Não, a verdade é que ninguém quer ouvir as cassandras a anunciar o pior. Sócrates não voltou a ganhar as eleições em 2009? E qual foi o resultado do único partido (o PSD com Ferreira Leite) que alertou em campanha para o perigo do endividamento?
ResponderEliminarResumindo: parece-me que a maioria das elites (por incompetência ou pura impossibilidade) não previu a tempestade e quase ninguém quis ouvir os poucos que a pressentiram.
Zé Carlos, em Portugal também tens de referir o Vítor Bento.
EliminarMas, indo à questão mais geral, sobre a possibilidade de prever crises financeiras eu diria que estas são imprevisíveis. Não tenho tempo para argumentar, pelo que deixo aqui dois links para o David Levine sobre este assunto e relacionados. Se fosse eu a argumentar, não iria tão longe quanto ele, mas argumentaria na mesma linha:
http://www.huffingtonpost.com/david-k-levine/uncertainty-principle-economics_b_1220796.html
http://www.huffingtonpost.com/david-k-levine/economists-uncertainty_b_1231632.html
Luís, obrigado pelas tuas sugestões. Mas intuitivamente também me parece quase impossível prever estas crises e, muito menos, saber quando é que elas rebentam.
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