sábado, 10 de novembro de 2012

Palavras difíceis


As palavras de Isabel Jonet foram desastradas. Mas o que dizer do Governo e do Presidente da República que não conseguem falar ao país?

A intervenção de Isabel Jonet na SICN é só mais um exemplo das dificuldades de comunicar o processo de empobrecimento por que estamos a passar. Em primeiro lugar, porque são palavras difíceis que as pessoas não querem ouvir. E não querem ouvir na maior parte dos casos por não terem ainda percebido a gravidade desta crise. 

Em segundo lugar, porque é difícil encontrar as palavras certas para dizer às pessoas que elas vão ter de aprender a viver com menos e de consumir menos. Mas que ainda assim a redução do seu bem-estar pode não ser proporcional a essa diminuição de rendimento e de consumo. O Poeta/Padre/Poeta José Tolentino Mendonça tem, em diversas ocasiões, encontrado as palavras certas, lembrando que esta crise, e a inevitável queda de consumo, pode levar-nos a valorizar aspectos que no nosso dia-a-dia muitas vezes esquecemos. E que são muito mais importantes. Fê-lo, por exemplo, num Prós e Contras há algum tempo atrás, onde estavam vários professores universitários a falar da crise, mas foi olimpicamente ignorado – olhavam para ele como se fosse um ovni (lembro-me bem da expressão facial de João Salgueiro). 

Em terceiro lugar, é impossível não sentir desde logo repúdio pela imediata associação com a ideia da felicidade na pobreza da ditadura salazarista.

No fundo, a Isabel Jonet falou daquilo que a esquerda mais tem falado durante esta crise: da destruição da classe média. E a classe média não gosta de ouvir falar disso. 

12 comentários:

  1. Isabel Jonet falou das destruição da classe média como uma coisa não só inelutável, como desejável: quem é ela, classe média, para se armar em rica? E isso corresponde a uma visão retrógrada da sociedade. É isso que a classe média não quer ouvir. O que a classe média queria ouvir era: como reorganizar o Estado, e prosseguir o desígnio de uma sociedade mais justa e equilibrada, redistribuindo a riqueza gerada segundo padrões adaptados aos tempos modernos, com as pessoas a viverem mais, com o trabalho a ser menos necessário.

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  2. Não me parece justo dizer isso: confesso que nem conheço ninguém que seja a favor da destruição da classe média.

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  3. Parece-me que nem o autor do post nem a senhora Jonet perceberam bem a questão. O que irrita a classe média não é dizerem-lhe que vai empobrecer e que tem que se habituar. Ela já percebeu isso há muito. O que a irrita é o discurso legitimador da austeridade pela culpa. Pelo "viveram acima das suas possibilidades". A "classe média" não se sente culpada de nada. Sente-se enganada. Desconfio que um dia destes dirá isso mesmo às "elites". Mas à bruta.

    Quanto à pobreza: a senhora Isabel Jonet não sabe nada acerca da pobreza. Sós os que são pobres, ou os que já foram, sabem verdadeiramente o que isso é. Embora os últimos tenham tendência para se esquecerem.

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  4. As elites saem da classe média... fazer da classe média uma classe alienada, que foi enganada é menorizar o grupo de pessoas que tem de facto a responsabilidade por fazer de Portugal um país melhor.
    O modelo que tínhamos não é sustentável. Encontro não dermos passos para termos uma economia mais competitiva as pessoas vão esperar que o futuro seja pior - a queda do consumo este ano (6%!!) pé isso que reflecte. As famílias estão a corrigir, pena é que o Estado não tenha a mesma capacidade de poupar (nas empresas públicas, por exemplo).
    Eu bem que gostava de estar enganado, mas acho que quem não percebe o que se está a passar é o AAlves.

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  5. A Isabel Jonet falou mal, mas o problema é que falaria sempre mal, dissesse o que dissesse. O apoio generalizado que o Banco Alimentar encontra em toda a sociedade depende de uma imprecisão estratégica: enquanto não definia o seu modelo de ajuda/modelo de sociedade, todos podiam projectar na instituição a sua visão de sociedade e participar no esforço comum. A partir do momento em que toma uma posição pública por determinado modelo de sociedade (e independentemente desse modelo ser certo ou errado) está a dividir e afastar uma fracção do público que necessita...

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  6. Pois... mas na verdade o que as pessoas sentem é que foram enganadas. Sistematicamente enganadas. Só quem não percebeu a manifestação de 15 de setembro sustenta o contrário.

    O modelo em que vivemos era "sustentável" (i.e. gerível) até 2008. Em macroeconomia, como sabe melhor do que eu, não existe isso do "viver acima das possibilidades". Quando há desequilíbrio externo, o que acontece é que a taxa de poupança interna é menor do que a taxa de investimento. O desequilíbrio é equilibrado por capitais que vêm de fora e os capitais vêm atrás de juros que só o investimento dá (Pedro Lains).

    Agora a única solução não é apenas mudar de comportamento. Há que mudar a principal componente do modelo: o Euro. Tudo o resto, como o austeritarismo, é viés ideológico.

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  7. Passos Coelho já disse um dia que os portugueses tinham de empobrecer. Não vale a pena insistir nessa tecla, a realidade encarrega-se de deixar isso claro todos os dias e, por isso, não precisamos que continuem a sublinhar o óbvio. Sublinhar o óbvio, por vezes, provoca irritação. Outra questão é a necessidade de educar financeiramente os portugueses, que, à semelhança do que acontece no resto do mundo, têm um défice (mais um)nessa matéria. Não sei se era essa intenção de Isabel Jonet, mas a verdade é que a lição correu mal. As declarações foram manifestamente infelizes. Mas nada disto legitima os ataques soezes de foi alvo e os apelos patéticos de boiocote ao banco Aiimentar, que atestam bem a verdadeira preocupação dessa gente com os pobres.

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  8. Enquanto membro da classe média que nunca precisou de se endividar não posso deixar de repudiar a mistificação que se urde em volta desta crise e do seu necessário e -- a acreditar nas palavras da Jonet e muitos outros, economistas incluídos -- virtuoso empobrecimento. É afinal uma grande oportunidade, dizem-nos. Temos de deixar de viver acima das nossas possibilidades.

    Ora a questão que me ocorre imediatamente é: como é que conseguimos viver tanto tempo tão acima das nossas possibilidades? Com o nosso salário não foi de certeza; por definição, este está dentro das nossas possibilidades. Então como foi? Das duas uma: ou andámos a roubar, ou andámos a pedir emprestado. Alguns terão roubado, a maioria não. Então isto foi tudo resultado de andar a viver do crédito. Pois, mas então, as questões óbvias são: 1) a quem é que andámos a pedir dinheiro emprestado? 2) Pedimos emprestado para fazer o quê?

    1) Pedimos emprestado aos bancos, não foi? E de quem são os bancos, quem faz funcionar os bancos? Em grande parte, senhores com uma sólida formação económica, informação actualizada sobre o estado e possibilidades da economia nacional, a conjuntura económica internacional (como não pode deixar de ser, visto que são pessoas bem formadas e que andaram a pedir dinheiro emprestado a instituições internacionais para de seguida emprestar ao cidadão da classe média nacional). Curiosamente, esses senhores bem formados e informados exortaram repetidamente, à exaustão, através de campanhas publicitárias com que invadiram o espaço público, o mal-informado e economicamente ignorante cidadão da classe média para que este contraísse ainda mais crédito pois as condições eram óptimas únicas para ele, o risco era mínimo (se existisse), os ciclos económicos eram coisa do passado (embora o crash do dot com tenha refreado, pouco, os ânimos), etc e tal. Nunca, em momento algum antes de rebentar a crise de 2008, algum destes senhores responsáveis, bem formados e bem informados avisou, a quem chamamos elite dirigente, alertou, tentou dirigir-nos para o reconhecimento racional de que estávamos a viver acima das nossas possibilidades.

    2) Pedimos o crédito para fazer o quê? Não excluindo casos singulares, creio que não foram feitos contratos para comprar a crédito os bifes no talho lá do bairro.
    Isto apenas servia para arrumar a argumentação da Jonet. Terá sido para extras como férias e similares; e principalmente para outras coisas que são cada vez mais fundamentais para participar na vida económica e profissional: automóvel, computador, telefones; e crédito para habitação. Faço esta pequena listinha ao correr da pena-teclado e dá para reconhecer imediatamente que a maior parte destes itens nem são de luxo. E resultam de políticas conscientes que favoreceram o transporte privado em detrimento do público, a desordenação do território urbano com a criação disfuncional de dormitórios de acesso dificil, a ausência de um mercado saudável de arrendamento.

    As perguntas que se colocam pois são: 1) de quem é a responsabilidade? 2) Quem é que andou verdadeiramente a viver acima das suas possibilidades?

    A responsabilidade máxima será do cidadão da classe média mal informado, muito sumariamente formado, com um capital cultural naturalmente limitado e decorrente de descenderem de famílias que ainda há poucas décadas eram semi-analfabetas e viviam próximo da miséria. Ou a responsabilidade é principalmente dos economistas, gestores e políticos bem formados academicamente e bem informados que não alertaram para estes problemas que se agravavam ao longo do tempo, que em muitos casos legitimaram ou participaram directamente na construção desta cacafonia? Em termos militares, a questão seria ainda mais clara: quem é o responsável pela derrocada, o general que desenhou mal a estratégia para a batalha, ou os soldados que se apresentaram como voluntários para desempenhar as tarefas previstas pelo general?

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  9. Gostei de ler o texto do Miguel. É uma análise série e moderada do problema. De facto, as elites (incluo aqui, nomeadamente, as classes dirigentes em termos políticos e económicos e os académicos) não alertaram atempadamente para os perigos que se avizinhavam. Assim de repente, só me lembro do Medina Carreira (visto com desdém pelas tais elites), do Miguel Cadilhe, da Ferreira Leite, e pouco mais. Sobram algumas questões. Esta gente enganou deliberadamente o povo e a classe média (esse conceito tão vago e difuso, mas enfim)? Essas elites tinham consciência da tempestade que se aproximava? Ou foi pura incompetência e incapacidade de previsão daquilo que retrospectivamente nos parece inevitável? Mais: é possível prever em tempo útil este tipo de terramotos financeiros e económicos? Admita-se (hipótese discutível) que as elites informadas sabiam o que aí vinha. É politicamente possível, ou fácil, numa situação em que não há recessão ou depressão, um governo exortar as pessoas a consumirem menos? Não, a verdade é que ninguém quer ouvir as cassandras a anunciar o pior. Sócrates não voltou a ganhar as eleições em 2009? E qual foi o resultado do único partido (o PSD com Ferreira Leite) que alertou em campanha para o perigo do endividamento?
    Resumindo: parece-me que a maioria das elites (por incompetência ou pura impossibilidade) não previu a tempestade e quase ninguém quis ouvir os poucos que a pressentiram.

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    1. Zé Carlos, em Portugal também tens de referir o Vítor Bento.
      Mas, indo à questão mais geral, sobre a possibilidade de prever crises financeiras eu diria que estas são imprevisíveis. Não tenho tempo para argumentar, pelo que deixo aqui dois links para o David Levine sobre este assunto e relacionados. Se fosse eu a argumentar, não iria tão longe quanto ele, mas argumentaria na mesma linha:
      http://www.huffingtonpost.com/david-k-levine/uncertainty-principle-economics_b_1220796.html
      http://www.huffingtonpost.com/david-k-levine/economists-uncertainty_b_1231632.html

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  10. Luís, obrigado pelas tuas sugestões. Mas intuitivamente também me parece quase impossível prever estas crises e, muito menos, saber quando é que elas rebentam.

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