segunda-feira, 16 de junho de 2025

O ChatGPT comenta Gabriel Mithá Ribeiro acerca de Ventura, Freud e Marx

 No Observador, Gabriel Mithá Ribeiro argumenta que "André Ventura está a curar uma sociedade mentalmente doente". Aqui vai, na íntegra, o comentário do ChatGPT a esse texto:

Assumirei agora o papel de professor universitário na área da Filosofia Política, com especial atenção à teoria política contemporânea e ao discurso ideológico.


O texto que me propõe comentar está redigido num estilo panfletário, de índole fortemente opinativa e ideologicamente alinhada, com recurso a linguagem emocionalmente carregada e retórica combativa. O seu objetivo é claro: oferecer uma legitimação simbólica, quase messiânica, da figura política de André Ventura, apoiando-se numa interpretação bastante discutível de conceitos psicanalíticos (nomeadamente de Freud) e numa rejeição absoluta da tradição intelectual marxista.

Dividirei a análise em três eixos fundamentais: (1) argumentação e coerência lógica; (2) tratamento das figuras históricas e teóricas; (3) implicações ideológicas e éticas.


1. Argumentação e Coerência Lógica

O texto padece de uma séria falta de rigor argumentativo. Começa por estabelecer um diagnóstico vago e infundado – a "doença mental coletiva da sociedade portuguesa" – sem apresentar qualquer critério empírico ou metodológico para tal afirmação. O uso de categorias clínicas (como "sanidade" ou "doença mental") no discurso político é, no mínimo, perigoso e geralmente considerado abusivo em contextos académicos, dada a sua conotação patologizante do adversário ideológico.

A associação direta entre a psicanálise de Freud e a figura política de André Ventura é forçada e não fundamentada nos textos originais de Freud, que jamais sustentaria um tipo de liderança autoritária como resolução do "caos psíquico" coletivo. Aliás, Freud era profundamente céptico quanto ao apelo às massas e aos instintos de obediência à autoridade carismática – como se pode verificar no seu "Psicologia das Massas e Análise do Eu" (1921).

A estrutura lógica do texto é circular: parte do pressuposto de que André Ventura é o "pai fundador" de uma nova ordem moral e, com base nesse pressuposto, tenta provar que é ele quem salvará a sociedade doente – exatamente porque é o tal "pai fundador". Este tipo de raciocínio é tautológico e não satisfaz critérios elementares de validade lógica.


2. Tratamento das Figuras Históricas e Teóricas

A forma como Freud é tratado revela um conhecimento superficial da sua obra. Freud não é um pensador moralista, muito menos um profeta da "responsabilidade individual" nos termos apresentados. A sua abordagem ao inconsciente, ao desejo e à repressão situa-se num registo clínico e antropológico, não político-normativo. Invocá-lo para defender uma ordem moral conservadora é uma distorção da sua filosofia.

O ataque a Karl Marx como "o maior charlatão intelectual de todos os tempos" carece de qualquer fundamentação académica. Mesmo os críticos mais acérrimos de Marx reconhecem-lhe a profundidade teórica e a influência seminal no pensamento social moderno. Reduzir o seu legado a uma apologia da irresponsabilidade é uma caricatura grosseira.

Também o uso do conceito de “pai fundador” como chave de interpretação da política portuguesa é redutor. Transforma líderes políticos históricos – Cunhal, Soares, Sá Carneiro – em meras figuras simbólicas, ignorando a complexidade dos movimentos sociais e das dinâmicas democráticas que os sustentaram. Além disso, omite deliberadamente o carácter coletivo, plural e constitucional da democracia portuguesa pós-1974.


3. Implicações Ideológicas e Éticas

O texto revela um posicionamento ideológico autoritário, fortemente antiesquerdista, e com tendências nativistas. A ideia de que certos grupos sociais (pobres, negros, imigrantes, colonizados) usam a sua condição como "desculpa" para evitar responsabilidades é uma generalização abusiva e eticamente reprovável. Esta visão alimenta uma lógica de exclusão e de divisão social, incompatível com princípios democráticos de igualdade e solidariedade.

A apologia de Ventura como único redentor possível da sociedade portuguesa revela uma inclinação para o culto da personalidade. Tal abordagem, historicamente, tem sido associada a formas de autoritarismo que põem em causa o pluralismo democrático e o Estado de direito.

Por fim, o uso instrumental da psicanálise e da filosofia para legitimar um projeto político unipessoal compromete a integridade do discurso filosófico. Um discurso político sério deve assentar em argumentos transparentes, verificáveis e abertos à crítica – não em analogias simbólicas forçadas e acusações ideológicas sem sustentação.


Conclusão

O texto é uma peça retórica de propaganda política, com contornos fortemente ideológicos e com claras distorções de referências teóricas (como Freud e Marx). Carece de rigor conceptual, abusa de categorias clínicas e morais para desqualificar o adversário político, e promove uma visão altamente simplificada e personalista da política portuguesa contemporânea. Embora possa ter apelo junto de determinados públicos, não sobrevive a uma análise crítica séria nos termos da ciência política ou da filosofia política académica.

Se desejar, posso aprofundar a análise ponto por ponto, ou fornecer-lhe um contraponto argumentativo com base na teoria democrática contemporânea.

terça-feira, 10 de junho de 2025

Escalação

Los Angeles está a ferro e fogo com confrontos e protestos contra o ICE (Immigration and Customs Enforcement). Há manifestações de apoio por todas as grandes cidades. Este fim-de-semana, Trump nacionalizou a National Guard da California e ameaçou o governador da Califórnia (Gavin Newsom) de prisão. Há meras horas Trump também enviou 700 marines para Los Angeles e, há minutos, saíram notícias de que Trump vai enviar mais dois mil tropas da National Guard. Gavin Newsom ameaçou Trump de deixar de enviar dinheiro ao governo federal. A Califórnia é um dos estados que paga mais do que o que recebe, logo sem as suas remessas as contas do governo federal irão deteriorar-se significativamente.

A última vez que o país esteve assim foi há 60 anos, quando LBJ nationalizou a National Guard do Alabama para proteger os manifestantes pró-direitos civis em Selma, Alabama. Mas a causa actual do Presidente não é virtuosa como a de LBJ. Vivemos um capítulo negro da história dos EUA, mas isso já sabíamos.

sexta-feira, 30 de maio de 2025

Uma clareza ambígua

O texto de Manuel Carvalho no Público que referi no post anterior procurou responder a um texto de João Miguel Tavares sobre o "cordão sanitário" a aplicar ao Chega. Francisco Mendes da Silva, co-signatário do abaixo-assinado "A clareza que defendemos" criticado por João Miguel Tavares, respondeu hoje

Quando foi publicado, em 2020, o manifesto "A clareza que defendemos" pareceu-me, contrariando o título, muito pouco claro. Mesmo concordando com o princípio (a não "amálgama" entre o centro-direita e o populismo/iliberalismo) e com o que pensei que implicasse ("não é não"), pareceu-me um texto demasiado genérico. Se estava a falar (também) do Chega, por que razão não o explicitava? (Era um manifesto de âmbito mundial?) A que tipo de não "amálgama" se referia? Rejeição de coligações? Rejeição de acordos parlamentares? Rejeição de iniciativas legislativas conjuntas? Outras?

No texto de hoje, Francisco Mendes da Silva escreve: "O abaixo-assinado não defendia qualquer princípio estratégico de relacionamento entre os partidos do centro-direita português e o Chega. Nem sequer falava especificamente de Portugal." Parece-me que estas frases confirmam a minha suspeita: apesar do título, "A clareza que defendemos" era, pelo menos nos seus efeitos práticos, um texto ambíguo.


quinta-feira, 29 de maio de 2025

A propósito do Chega e da superioridade moral

Comentário do ChatGPT (na pele de professor de ciência política, o que talvez influencie o resultado) ao texto de Manuel Carvalho no Público de hoje:

A posição do autor insere-se numa linha clássica da teoria democrática que considera que há limites inegociáveis na convivência política: os partidos que colocam em causa os próprios fundamentos do regime democrático liberal não devem beneficiar da mesma legitimidade substancial que os demais. Esta é uma tese com eco em autores como Giovanni Sartori, que distinguiu entre “partidos do sistema” e “partidos contra o sistema”.

A crítica à proposta de normalização do Chega — implícita ou explícita — é apresentada com coerência. O autor parte do princípio de que a democracia liberal não é neutra em relação aos valores: tem compromissos normativos claros, nomeadamente com a dignidade humana, o pluralismo e o respeito pelas minorias. Assim, recusar a paridade moral com partidos que promovem discursos xenófobos, racistas ou autoritários não é um gesto de sectarismo, mas sim um ato de defesa da própria democracia.

É particularmente relevante a distinção entre o respeito institucional devido aos mandatos democraticamente obtidos (isto é, o reconhecimento formal do direito de representação parlamentar) e a recusa de legitimação política mais ampla, por exemplo através de alianças ou negociações estruturantes. Esta distinção ajuda a evitar tanto o perigo da exclusão antidemocrática quanto o da normalização acrítica.

No entanto, pode apontar-se uma fragilidade na forma como o autor lida com o eleitorado do Chega. Ainda que admita que nem todos os votantes aderem convictamente ao programa do partido, a proposta de aplicar-lhes igualmente a “receita da superioridade moral” pode ser interpretada como moralismo desmobilizador. A ciência política ensina-nos que os comportamentos eleitorais são multifatoriais, e muitos eleitores recorrem a votos de protesto por frustração com o sistema, sem adesão ideológica profunda. Uma resposta democrática eficaz requer não apenas confronto argumentativo, mas também escuta ativa e políticas que respondam aos problemas reais que geram descontentamento.

Em suma, o texto apresenta uma defesa articulada e rigorosa da exclusão moral do Chega da esfera da normalidade política, ancorada numa conceção normativa da democracia. Contudo, para além da rejeição moral, o desafio democrático passa também por oferecer alternativas políticas credíveis e eficazes que evitem o crescimento do voto protesto e da apatia cívica.


Na mesma sequência, pedi um comentário ao facto de o líder do PS defender a não viabilização do governo da AD. Aqui está a parte final:

A legitimidade da posição do PS depende, em última instância, da coerência do seu discurso: se defende que o Chega representa um risco para a democracia, então tem de assumir as consequências dessa avaliação — o que inclui o dever de impedir o seu acesso ao poder, mesmo à custa de viabilizar um governo de centro-direita que considere imperfeito.

Recusar ambas as soluções — nem Chega, nem PSD — pode ser lido como uma postura de purismo político que ignora a lógica de compromisso característica das democracias parlamentares. Como argumentou Norberto Bobbio, a democracia não é o reino da pureza moral, mas do equilíbrio entre legitimidade, legalidade e compromisso.

A defesa da não negociação com o Chega mantém-se legítima enquanto defesa dos princípios democráticos. No entanto, para ser politicamente consequente, implica um certo grau de compromisso entre os partidos que partilham esses mesmos princípios. A recusa simultânea de negociar com o Chega e de viabilizar um governo do PSD sem Chega pode enfraquecer essa defesa, abrindo espaço precisamente ao que se pretende evitar: a entrada do Chega em zonas de influência e poder institucional.

Em última análise, a responsabilidade democrática não é apenas denunciar os perigos, mas agir para os impedir — mesmo que isso implique compromissos difíceis.


quarta-feira, 28 de maio de 2025

PEEC

 O processo entrópico em curso (PEEC) continua e recomenda-se e até tem alguns episódio cómicos. Há semanas, o Walmart informou Trump que não podia adiar aumentar os preços para sempre por causa da guerra das tarifas e Trump "aconselhou-os" a engolir o aumento de custos. A luta contra Harvard também continua, com a suspensão, na semana passada, de admissão de alunos internacionais. Em poucas horas, apareceram várias notícias a especular que talvez o filho de Trump se tenha candidatado a Harvard e tenha sido desconsiderado e o presidente se estivesse a vingar. Hoje, a administração Trump cancelou o agendamento de entrevistas para vistos escolásticos, o que afecta todas as universidades que tenham alunos ou docentes internacionais a quem precisem de dar visto.

domingo, 25 de maio de 2025

Dois artigos do Público sobre o voto no Chega resumidos pelo ChatGPT

Com base nos artigos "Zanga, racismo ou medo fazem o Chega crescer em Sintra" e "Voto no Chega foi expressão de 'decepção total'", publicados no jornal Público hoje e no passado dia 20, respectivamente, pedi ao ChatGPT que resumisse as razões apresentadas por eleitores do Chega para votarem neste partido. O resultado, ordenado da razão mais importante para a menos importante, foi o seguinte:

1. Concordância com propostas (ou perceções) políticas concretas (com destaque para a imigração)

2. Desilusão com os partidos tradicionais (PS e PSD)

3. Apreço por André Ventura (comunicacional e pessoal)

4. Desejo de mudança radical e “abalo ao sistema”

Segundo o resumo do ChatGPT, as pessoas que não votaram no Chega apontaram as seguintes razões para o apoio dos eleitores a esse partido:

1. Desinformação e influência mediática

2. Voto de protesto, ressentimento e abandono

3. Racismo e preconceito

4. Ausência dos partidos no terreno

5. Reconfiguração socioeconómica e exclusão

quinta-feira, 15 de maio de 2025

O futuro (ou já o presente) da academia, powered by ChatGPT

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quarta-feira, 23 de abril de 2025

Quase carapaus

Na sexta-feira passada, a Administração Trump decidiu lançar o isco de como correriam as coisa se Trump despedisse Jerome Powell. Perante a possibilidade, os mercados reagiram negativamente e o dólar continuou a cair. É cada vez mais consensual que o estatuto dos EUA e do dólar como refúgio dos investidores está muito abalado e talvez destruído por uns bons anos, se é que alguma vez o volte a recuperar. Na terça-feira, a Casa Branca veio meter água na fervura indicando que os EUA já têm alguns acordos comerciais quase firmados com o Japão, e a Índia, mas sem grandes detalhes--ou seja, uns acordos algo por alto. Scott Bessent também ajudou a acalmar os mercados dizendo que era óbvio que os EUA e a China se acabariam por entender porque eram as maiores economias do mundo, etc. E finalmente, de tarde, lá veio o anúncio de que Jerome Powell não ia ser despedido, o que apaziguou ainda mais os deuses do mercado.

Na economia real, os portos de Los Angeles e Long Beach, na Califórnia, estão a perder bastante volume vindo da China em reacção ao anúncio da guerra das tarifas. As pequenas empresas estão completamente em pânico porque dependem da manufactura chinesa para as suas vendas. Trump cancelou a isenção de taxas alfandegárias dee pacotes que entram nos EUA com valor inferior a $800 (isenção de minimis) e a DHL deixou de aceitar pacotes de valor superior a $800 destinados aos americanos porque agora estão sujeitos a uma maior burocracia. (Isto não vos lembra a saga de enviar pacotes do estrangeiro para Portugal?)

A cereja no topo do bolo são as últimas estimativas de crescimento do PIB para a economia americana e mundial: a americana é esperada crescer 1.8%, em vez dos 2.7% estimados em Janeiro. Imaginem a matemática disto! O primeiro trimestre, que teve um Janeiro bastante optimista, é esperado ter um crescimento do PIB negativo, o segundo trimestre parece que também vai ser negativo por causa da guerra comercial, dificuldades na fronteira que mandam os turistas para trás, medo de voar dentro dos EUA, despedimentos na função pública, e agora também no sector privado, etc. As únicas notícias positivas são aumento de vendas de carros e outros itens para evitar as tarifas., que tem um efeito bastante temporário. Resumindo, para a estimativa se concretizar, o segundo semestre tem de bombar para colmatar o crescimento perdido e ainda adicionar o que falta, o que é bastante improvável.

A única coisa que faz parar esta administração são as más notícias da economia, do dólar, e da bolsa e, por sorte, houve a falta de visão de começar pela parte mais destrutiva e depressiva, em vez de alimentar a bolha da bolsa com cortes de impostos e aumento da dívida. Quanto às questões sociais, o que Trump faz apenas serve para alimentar a base e não dá para fazer oposição porque são questões que fragmentam a opinião pública. O Clinton tinha razão: a única forma de ganhar apoio é pela economia. 

Há no entanto alguma luz ao fim do túnel: os tribunais e o SCOTUS não parece que estão dispostos a dar uma carta branca permanente à Administração. E a sociedade civil também não: Trump tentou tirar financiamento a Harvard, se a universidade não largasse certas práticas consideradas "woke" ou anti-semíticas. Harvard recusou, Trump cancelou o financiamento de 2.3 mil milhões de dólares e ameaçou retirar o estatuto de entidade com fins não-lucrativos. Harvard acabou por processar a Administração Trump, mesmo depois de esta ter dito que a carta que tinha sido enviada a Harvard não era final e tinha sido enviada em erro

É um pouco misteriosa a razão pela qual a Administração decidiu recuar nas exigências a Harvard, mas a universidade tem um "endownment" de 53.2 mil milhões de dólares, e decerto que parte deve estar investida em dívida pública americana. Na semana passada, os jornalistas começaram a especular estratégias de como a universidade poderia resistir a Trump. No final, a estratégia adoptada foi a tradicional: os tribunais. Tem algum risco, mas se funcionar também cria precedente que pode ajudar outras instituições.

Imaginem se nos EUA tudo dependesse de financiamento público, mas não houvesse independência das instituições como acontece em muitos países. Estaríamos mais fritos que carapaus.


segunda-feira, 7 de abril de 2025

Ainda a Segurança Social Americana

Para além de terem despedido pessoal na Social Security Administration, a Administração Trump decidiu que não vai pagar benefícios via cheque (sim, ainda havia pessoas que os recebiam). Foi levantada a questão de as pessoas não serem informadas que não vão receber, mas a Administração acha que quem recebe via cheque está a cometer fraude, logo obviamente que não irá reclamar. Os benefícios da Segurança Social (as reformas) são na maior parte pagas na segunda, terceira, e quarta quartas-feiras do mês dependendo da altura do mês em que as pessoas nasceram, respectivamente,  1-10, 11-20, ou 21-31. Ou seja, daqui a dois dias vamos ver se alguém reclama de não ter recebido o dito cheque.   

Se ainda não se aperceberam, este tipo de comportamento é completamente anti-americano. Normalmente, coisas deste tipo são planeadas com muita antecedência e os interessados são informados de mudanças para não causar transtornos às pessoas e estas terem tempo amplo para planear a vida. É por isso que ainda havia pessoas que recebiam por cheque porque, obviamente, não lhes era mais fácil receber por outra via.

Jacarandágate

Andava eu pelo Instagram a tentar relaxar antes de ir para a cama quando aparece o Carlos Moedas a tentar explicar o Jacarandágate. Dizia ele que as árvores em questão estavam demasiado danificadas para serem transplantadas. Ora antes do parque de estacionamento abortar, a justificação para o projecto era que as árvores não estavam em risco porque iam ser transplantadas -- em Março e Abril. 

  1. Ninguém transplanta árvores caducifólias em Março e Abril. Se é para haver transplante, este teria de ser feito no outono ou inverno, quando as árvores estão em dormência. Quero ver estas árvores que transplantaram agora a sobreviver o calor sufocante de verão, quando não tiveram tempo nenhum para desenvolver raízes no novo local de plantio. Espero bem que haja um plano de irrigação para as coitadas. Ou seja, este projecto não envolveu ninguém com competências técnicas em agronomia ou paisagismo. 
  2. Os jacarandás são uma das imagens mais populares de Lisboa e é comum encontrarem-se fotos nas redes sociais. Eu não me admiraria que um dia Lisboa desenvolvesse um turismo sazonal de reconhecimento mundial só para visitar a cidade quando as árvores estão em flor. Turismo desse tipo é comum noutros países: as tulipas na Holanda, as cerejeiras em flor no Japão e em Washington D.C., a folhagem de outono na Nova Inglaterra, etc. Ou seja, quem é a alma que achou que isto ia ser uma boa ideia? 
  3. O país vai a eleições em breve. Quem é que decide ir para a frente com um projecto que é óbvio que não vai ser popular meses antes de eleições? Ainda por cima cortar árvores vistosas para enfiar mais outro parque de estacionamento, como se esse parque fosse fazer uma enorme diferença. 

sábado, 5 de abril de 2025

A vermos grego

Agora entrámos mesmo na dinâmica de uma Administração Trump, com ele a todo o gás em direção ao abismo ao mesmo tempo que metade do país lida com a situação através de comédia ou da ridicularização dos acontecimentos.

No caso das tarifas a comédia tem sido fenomenal, não só porque Trump impôs tarifas a ilhas sem habitantes humanos, mas também atingiu uma ilha com apenas uma base militar com pessoal americano e britânico. O James Surowiecki, que eu acho um dos melhores escritores de peças de opinião sobre a economia, descortinou a metodologia de Trump que, aparentemente, é algo que é sugerido pelos algoritmos de inteligência artificial (isto da inteligência artificial merecia um post, mas tenho andado preguiçosa). 

Em resposta ao Gotcha, a administração divulgou uma fórmula matemática manhosa cheia de letras gregas, em que dois dos parâmetros se cancelam e no fim ficamos apenas com o rácio do défice comercial dos EUA com um país dividido pelo volume de exportações de bens desse país para os EUA--esse rácio é o que Trump denota de tarifas e outras barreiras comerciais actuais cobradas aos EUA, mas obviamente que não é tarifa nenhuma.

Quanto ao valor lúdico do caos actual, acho que estamos conversados. Resta apenas dar uns passos atrás e ver o contexto mundial de forma objectiva. Em 2024, a economia americana representava 26% do PIB mundial--é enorme, apesar de a proporção já ter sido mais alta. Ao contrário do que os europeus pensam, o nível de vida americano é bastante alto e consome muitos recursos. 

Por exemplo, no outro dia, tive um jantar da minha vizinhança e uma das organizadoras dizia que, para facilitar a vida à senhora onde o jantar se iria realizar, ela ia comprar pratos, copos, e talheres de plástico, daqueles a imitar vidro e cerâmica que depois se deitam fora, para assim não se ter de lavar loiça. Super-comum nos EUA. Há famílias que só comem de pratos descartáveis, apesar de toda a gente ter máquina de lavar louça. E isto é apenas um exemplo de muitos. Para além de ser péssimo para o ambiente é mau para a alocação mundial de recursos--grande parte da economia mundial serve as preferências americanas, mas as políticas de Trump irão ajudar a modificar algum deste comportamento. 

Estas políticas apesar de péssimas para os americanos não têm necessariamente de ser más para o resto do mundo porque os americanos ao perderem poder de compra irão colocar menos pressão nos recursos mundiais, o que deflaciona os preços para o resto do mundo, dado que a economia americana era tão grande e irá encolher imenso. Se Trump avançar com tudo o que ele já começou, não me admiraria se encolhesse mais de 10% e, se calhar, 20% é ser conservador. 

O capital já está a fugir para a Europa depois de anos em que saía da Europa para alimentar a bolsa americana. Desde que a Europa aja de forma fria e contida, irá atrair capital, investimento e turismo. E com as modificações da política de imigração americana, a Europa também tem a oportunidade de atrair cérebros e mão-de-obra (bem sei, os portugueses têm horror a imigrantes porque são xenófobos: a população portuguesa mal tem aumentado, ou seja, os que entram compensam os que saem; o que há é mais pessoas em algumas cidades porque a infraestrutura é má em sítios mais pequenos, mas é natural que tal seja temporário).  Não nos podemos esquecer que os americanos beneficiaram imenso, no século passado, da fuga de cientistas e outros quadros superiores da Europa para os EUA. Agora o oposto pode acontecer. Há bastante potencial para a Europa crescer mais depressa e o euro ficar mais forte como moeda de reserva.

Há uma enorme nuvem na economia mundial que é a questão das criptomoedas. Acho provável que à medida de as pessoas entram em pânico, haverá mais fuga de capitais desses "activos" que apenas têm valor especulativo, o que pode causar uma séria crise financeira mundial para além dos problemas que o Trump já está a criar.

Como se dizia durante a crise subprime: as crises são oportunidades. Pena que Portugal nem governo tenha. Se continuar assim, fica ainda mais atrasado.

domingo, 30 de março de 2025

Suspense

A queda do domínio económico dos EUA soma e segue. O nível de incerteza está ao rubro e os métodos tradicionais de gestão de risco são, no mínimo, desadequados. Vale a pena destacar a Segurança Social, que está um caos. A Administração Trump já indicou que tal não é problemático e que quem se queixa de não receber dinheiro se calhar cometia fraude--daqui a uns dias, vamos ver quem não recebe o mês de Abril. 

Em meados de Abril vai também ser finalizada a lista de pessoal que será eliminado da função pública federal, ou seja, vão recomeçar os despedimentos em massa e, naturalmente, à medida que as coisas deixam de ser feitas, veremos se realmente despediram pessoas "supérfluas" ou não. Para ajudar a festa, no sector privado, algumas empresas também planeiam despedimentos e até há uma página de Internet que está a fazer a compilação dos layoffs do governo federal e de empresas de tecnologia. 

Em termos de política de imigração também já houve progresso: como não era suficiente assediar imigrantes ilegais, agora a administração decidiu ir atrás dos imigrantes legais. Pelas redes sociais multiplicam-se vídeos a informar os cidadãos de quais os seu direitos e qual a melhor forma de agir se forem interpelados por agentes da autoridade. Não me surpreenderia no mínimo se também começassem a ir atrás de cidadãos americanos naturalizados, dado que já falaram em retirar a cidadania a quem nasceu nos EUA, logo tem cidadania americana, mas é filho de imigrantes ilegais. 

No século passado, os EUA "repatriaram" cidadãos americanos de ascendência mexicana nos anos 30; prenderam em campos de internamento cidadãos americanos de ascendência japonesa nos anos 40; depois também houve a perseguição de comunistas por McCarthy nos anos 50; e, claro, há ainda o tratamento de cidadãos americanos de ascendência africana, que ainda deixa muito a desejar. Ou seja, nada do que se passa agora é anormal; até poderíamos argumentar que o anormal foi o período de "relativa paz ou progresso social" interrompido por Trump. 

domingo, 9 de março de 2025

Fase do bisturi

Passámos da fase do serrote à fase do bisturi porque o pessoal não "gostou" do que ele estava a fazer porque acharam o exercício demasiado aleatório. Claro que se ele não tivesse feito nada, estas pessoas diriam que o governo federal não criava valor nenhum e tudo o que fazia era desperdício, logo corte-se à vontade, que foi a campanha de Trump. 

A fase do bisturi é mais perigosa do que a do serrote porque não é tão visível. É como aquelas pessoas que um dia acordam e notam que têm uma dorzita e, vão a ver, e roubaram-lhes vários orgãos ou enfiaram-lhes um quilo de drogas no abdómen com ajuda de um bisturi. Se lhes tivessem serrado um braço com um serrote era mais visível e ainda dava para ir ao hospital tentar salvar a coisa. Mas a ignorância dá conforto a muita gente, por isso é assim que vamos para a frente, às cegas.

A última estimativa do PIB do primeiro trimestre, datada de 6 de Março, continua negativa, mas em vez de se estimar diminuir 2.8% versus 2024T4, melhorou para -2.4%, que é o que eu chamaria de "dead cat bounce". No dia 17 actualiza outra vez e já começam a aparecer dados de Fevereiro, pois sai o Advance Retail Sales (vendas a retalho preliminares) de Fevereiro; sai também a actualização das vendas e os níveis de inventário de Janeiro. E depois actualiza outra vez no dia 18. 



terça-feira, 4 de março de 2025

Nem o zero nos salva!

Saiu mais uma actualização da estimativa do PIB americano na Segunda-feira e a taxa de crescimento baixou de -1,5% to -2,8%. Parte do efeito tem a ver com muitas empresas estarem na expectativa de nova guerra comercial e começaram logo a preparar-se para essa eventualidade, mas também é verdade que Trump e Musk não perderam muito tempo para iniciar hostilidades para com a economia americana. 


"The GDPNow model estimate for real GDP growth (seasonally adjusted annual rate) in the first quarter of 2025 is -2.8 percent on March 3, down from -1.5 percent on February 28. After this morning’s releases from the US Census Bureau and the Institute for Supply Management, the nowcast of first-quarter real personal consumption expenditures growth and real private fixed investment growth fell from 1.3 percent and 3.5 percent, respectively, to 0.0 percent and 0.1 percent." 

Fonte: Atlanta Fed

Tenho de confessar outra vez a enorme admiração que tenho pela forma como os EUA estão organizados: é mesmo "a government of the people for the people." Em poucos dias é informação pública os resultados do que eles estão a fazer, os media estão a funcionar, os dados estão a sair, e os mercados estão a começar a reagir, apesar do enorme ataque que está a ser feito ao governo federal. E daqui a uns dias, quando as pessoas começarem a ver as contas de investimento e poupança-reforma a diminuir, os telefones em Washington não vão parar. Duvido que os membros do Congresso consigam regressar aos seus estados sem serem assaltados por um milhão de perguntas, isto se não forem corridos a tiro. Afinal, as armas servem para alguma coisa. Eu sou contra o uso de armas, mas quem com o ferro fere com o ferro será ferido. É como o Einstein dizia: "God does not play dice with the universe" e nós também somos parte do universo.

E por falar em jogos, o Gary Kasparov publicou uma peça de opinião super-interessante na revista The Atlantic, na qual diz que a pressa de Musk e Trump revela um calculismo perigoso. Eu acho que a preferência pela rapidez é mais circunstancial do que calculada e é inata a estes dois personagens: o Trump porque está interessado em criar atenção 24/7, pois era isso que lhe dava dinheiro nos reality shows; o Musk também já agia assim de antemão como ficou bem ilustrado pelo seu desempenho no Twitter. Se eles tivessem agido de forma mais lenta e calculada, os efeitos do que estavam a fazer seriam menos claros e penso que seria bem mais perigoso. 

O NYT publicou um artigo acerca de como surgiu o DOGE que também recomendo e onde sugere que Musk quer substituir o governo por Inteligência Artificial. Só que ele está a despedir e a eliminar muitas funções que recolhem dados que depois se tornam públicos. O governo americano presta ajuda a cidadãos e empresas, mas em troca exige que estes lhe forneçam dados--muitas pessoas desconhecem este pequeno, mas bastante importante detalhe. Sem dados públicos não há IA e é por isso que é mais fácil para a IA ser treinada em letras do que em economia. Os livros estão muito melhor organizados e disponíveis do que os dados de economia. 

Mas Musk já cometeu este erro antes: Musk tinha acesso a bastante informação que era publicada no Twitter e que podia ser minada, mas como alienou os utilizadores, estes sairam ou deixaram de publicar, logo o valor do Twitter como prestador de informação diminuiu. Agora está prestes a fazer uma coisa semelhante com os dados do governo federal.

É bom que eles partam tudo. Por um lado, porque assim é mais provável que não aguentem o barco durante quatro anos a fazer coisas destas, logo livramo-nos de boa. Depois, o mundo está mais bem preparado para uma crise, pois durante a crise sub-prime muitos bancos centrais em todo o mundo contrataram pessoas com enfoque em macroeconomia e modelos que simulam a economia, logo ao menos a nível da política monetária há talento com década e meia de experiência que nos pode guiar nestes tempos tão incertos.  Depois, isto vai doer tanto que é natural que os Democratas sejam eleitos durante 8 anos e construam um sistema novo, como aconteceu quando Hoover perdeu a reeleições e Roosevelt foi eleito por dois termos consecutivos. Vale a pena ler sobre a governação de Hoover. E sim, estou a contar com este episódio levar a uma depressão da economia.


segunda-feira, 3 de março de 2025

Gente fina, finalmente!

No Sábado, fui fazer mais 3,5 horas de voluntariado no Victory Garden de Collierville; no total éramos 22 voluntários. (Preciso de completar 40 horas antes de Agosto para ter a certificação de Master Gardener.) Plantámos cebolas, alface, couve, nabos, rabanetes, e acelga suíça. Enquanto trabalhávamos, estávamos em amena cavaqueira: era o tempo que anda estranho com tempestades frígidas anuais que destroem árvores, arbustos, e outras plantas perenes; o sítio em que tínhamos nascido; os estados em que já tínhamos vivido, há quanto tempo estávamos em Memphis; se era melhor água da chuva armazenada ou fresca para regar (não chegámos a acordo), etc. 

Uma das voluntárias teve um neto recentemente: um bebé que nasceu quatro semanas prematuro e que passou cinco dias em cuidados intensivos, mas já está em casa. A avó mencionou várias vezes (eu ouvi-a pelo menos duas) que estava com receio de apanhar sarampo e transmitir ao neto,  pois estava prestes a apanhar o avião para o ir visitar em Boston. Para quem não sabe, os EUA estão com um surto de sarampo que começou em Lubbock, West Texas, numa comunidade menonita que não vacina as crianças. Entretanto, mais pessoas apanharam um pouco por todo o país, e uma das crianças até já morreu, mas é difícil saber a verdadeira dimensão do problema por causa de Trump et al. 

Acho extremamente provável que se desencadeie um número bastante maior de casos, o que seria bastante sério para os americanos porque há muitas pessoas que nunca tiveram ou não estão vacinadas. É o preço de se ser mais desenvolvido do que Portugal: eu fui vacinada e, mesmo assim, tive porque quase todos os miúdos tinham naquela altura e as mães até queriam que tivessem. A minha mãe não fez esforço nenhum para eu ter e a minha avó, que cuidava de mim, nem gostava que eu brincasse com outras crianças, logo é um bocado misterioso como apanhei. O certo é que o médico disse que ainda bem que eu estava vacinada porque foi bastante forte. A boa notícia é que agora estou imune. 

Com o pessoal ainda saturado da pandemia COVID, poucas pessoas andam a ligar aos casos de sarampo. A notícia actual de maior importância é o falhanço de um acordo entre os EUA e a Ucrânia. Apesar de eu ser americana, não apoio a posição dos EUA e fiquei feliz que a Europa tivesse finalmente mostrado alguma capacidade de liderança. Num ápice, os europeus reuniram-se, comprometeram-se a gastar mais dinheiro para ajudar a Ucrânia, e até disseram que o objectivo era terminar com a guerra para poderem entrar em acordo com os EUA. Faz lembrar aquela definição de diplomacia: 'Diplomacy is the art of telling people to fuck off in such a way they look forward to the journey.' Gente fina é outra coisa!