terça-feira, 27 de novembro de 2012

Pasto fértil para ditadores

Existem ocasiões que assinalam o ponto de ruptura de um sistema político, em que os políticos deixam de ser capazes de comunicar, em que já não conseguem compreender a linguagem do povo que, por desígnio, deviam representar. Os políticos da República de Weimar encontravam-se todos a caminho de chegar a esse ponto em 1930. O crash de Wall Street em 24 de outubro de 1929 (a chamada quinta-feira negra) agravou tendências que já existiam antes.
Os 2,6 % obtidos pelo partido nazi na eleição para o Reichstag (parlamento alemão), a 20 de Maio de 1928, pareciam confirmar a exactidão dos comentadores e políticos alemães que há muito tinham vindo a anunciar o fim do movimento de Hitler. As coisas mudariam rápida e assombrosamente.
Ao brincar com o fogo, muitos políticos acabariam consumidos pelas chamas do nacional-socialismo. Sem a autodestruição do Estado democrático, sem o desejo de minar a democracia por parte dos que, em princípio, deviam salvaguardá-la, Hitler, por maiores que fossem os seus talentos oratórios e de agitador de massas, nunca teria chegado perto do poder.
27 de março de 1930 assinalou o princípio do fim da República de Weimar. A pretexto de um aumento da contribuição da entidade patronal para o fundo de desemprego de 3,5 para 4% dos salários brutos, a coligação desafinada entre o SPD e o DVP, que com a crise económica se havia deslocado para a direita, desintegrou-se. O chanceler Hermann Müller apresentou a demissão. Sucedeu-lhe Heinrich Brüning, líder parlamentar do Zentrum. As dificuldades não tardariam a manifestar-se. Na sequência de uma moção dos partidos da oposição contra o seu plano de cortes drásticos na despesa pública e de aumento de impostos, Brüning procurou, e conseguiu, a 18 de Julho de 1930, a dissolução pelo Presidente do Reich do Reichstag. A dissolução do Reichstag constitui uma irresponsabilidade absolutamente assombrosa. O objectivo de Brüning era passar por cima de um governo parlamentar, criando um sistema mais autoritário, em que a governação se faria por decreto presidencial. Brüning subestimou, e muito, a quantidade de raiva e frustração que grassavam pelo país. Os nazis nem queriam acreditar na sua sorte. Os resultados eleitorais do NSDAP subiriam vertiginosamente: 18,3% nas eleições de 14 de Setembro de 1930; 37,4% em 31 de Julho de 1932, passando a ser o partido mais votado; 33,1% em 6 de Novembro de 1932.
Os intelectuais também têm a sua quota-parte de responsabilidade pela tragédia que se viria a abater sobre a Alemanha. Muitos ajudaram a abrir caminho para o Terceiro Reich. As esperanças há muito acalentadas da chegada de um grande líder embotaram a capacidade crítica de muitos, cegando-os perante os evidentes ataques à liberdade de pensamento que eles até viam com bons olhos.
Hitler tinha a vantagem de não estar conotado com um governo impopular e sabia usar um tipo de linguagem que era compreendida por um número crescente de alemães, a linguagem do protesto acrimonioso contra um sistema desacreditado, a linguagem do renascimento e da renovação nacionais. Aqueles que não se encontravam fortemente arreigados a uma ideologia política, milieu social, ou subcultura alternativas achavam essa linguagem cada vez mais inebriante.
O presidente do Reich, o velho marechal Paul von Hindenburg, acabaria, contrariado, por nomear Hitler Chanceler a 30 de Janeiro de 1933.

5 comentários:

  1. A história nunca se repete nos seus exactos termos, mas as constantes essas sim dão-nos a resposta para a reacção ou consequência de determinadas políticas. Hoje, fins de 2012, estamos como muito bem diz a preparar terreno, e fazêmo-lo alegremente(!), para o aparecimento em força de matrizes não democráticas como o paradigma de uma suposta purificação política. Tempos complicados aproximam-se.

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  2. Caro Tiago Cabral
    Concordo consigo. Aliás, este texto ocorreu-me na sequência de uma série de episódios recentes na vida política nacional: o tremer da coligação a partir da história da TSU, os apelos à demissão do governo, os desejos por um «Monti», passando por cima do actual governo eleito, a revolta contra a classe política, a Ferreira Leite a afirmar que, «na prática», em domocracia não conseguimos resolver os problemas estruturais, enfim, está-se a criar irresponsavelmente pasto fértil para demagogos e populistas

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  3. No entanto, no caso da Alemanha de Weimar, convém lembrar que os partidos pró-regime (os social-democratas, o Zentrum e os liberais "de esquerda" do DDP; creio que os liberais de direita do DVP estiveram sempre com um pé dentro e outro fora) foram minoritários durante grande parte da sua história. Ou seja, não é exactamente um caso de uma democracia "estável" de repente resvalar.

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  4. «Ou seja, não é exactamente um caso de uma democracia "estável" de repente resvalar.»
    É verdade. A República de Weimar foi sempre instável. A hiperinflação dos anos 1920 e as elevadas taxas de desemprego muito contribuíram para esse estado de coisas. A Revolução de Novembro de 1918, que acabou com a Monarquia e instaurou a república, e os subsequentes acordos assinados pelo SPD com os adversários da Alemanha (o kaiser Guilherme II tinha-se pirado antes) foram sempre apresentados, sobretudo pelos partidos da extrema-direita, como uma capitulação covarde e humilhante – aliás, esse foi o grande leitmotiv da carreira política de Hitler. Ou seja, Hitler e os nazis não seriam de facto possíveis sem esse ambiente de crise e permanente conflitualidade social – em muito contribuiu para isso por exemplo a tomada de poder, ainda que por pouco tempo, da ala bolchevique do SPD, que de certa forma depois legitimou a violência dos nazis aos olhos da população, vista como uma defesa legítima em relação aos comunistas. De qualquer maneira, com o meu post quis sublinhar que os erros crassos dos políticos de Weimar foram determinantes na ascensão de Hitler; no fundo, ao demonstrarem pouco fé na solução dos graves problemas económicos – entretanto agravados pelo crash de 1929- através do sistema democrático, ao considerarem a “suspensão da democracia” um mal necessário, contribuíram para a subida ao poder dos nazis. Os historiadores estão convencidos que se avançaria de qualquer maneira, com ou sem Hitler, para um sistema autoritário, não obviamente com a violência e o horror dos nazis, impensável então para toda a classe política – apesar de Hitler nunca ter escondido ao que vinha, estava lá tudo no mein kampf, era só ler.

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  5. Muito interessante esta recordação do fim de Weimar para lembrar do que podia/poderá acontecer aqui e agora, mas temos um exemplo mais próximo, tanto geografica como culturalmente: o fim da I República. Uma sucessão de governos julgados incompetentes e corruptos, os escândalos dos poucos que faziam muitas negociatas, a dívida externa sufocante,a miséria... os paralelos são muitos. Há, contudo, duas diferenças - porque a História nunca se repete, apenas se copia: não temos a violência nas ruas que havia em 1926, e somos tutelados (à falta de melhor palavra) por uma Europa que não vê com bons olhos golpes militares.

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