Um blogue de tip@s que percebem montes de Economia, Estatística, História, Filosofia, Cinema, Roupa Interior Feminina, Literatura, Laser Alexandrite, Religião, Pontes, Educação, Direito e Constituições. Numa palavra, holísticos.
terça-feira, 29 de janeiro de 2013
Os três Reis Magos
Retirado de um pacote de açúcar. O desenho é de Francisco Oliveira -- Escola EB 2,3 Guilherme Stephens.
segunda-feira, 28 de janeiro de 2013
A grande ilusão
Em, 1911, o
economista britânico Norman Angell publicou um livro intitulado "A grande ilusão", que se tornaria um grande
êxito, com edições sucessivas, publicadas antes da I Guerra Mundial, traduzidas
para várias línguas, ultrapassando um milhão de exemplares vendidos em todo o
mundo. Angell resume a opinião dos meios dirigentes da época: “ As finanças
internacionais estão hoje a tal ponto interdependentes e ligadas ao comércio e
à indústria que o poder militar e político não pode na realidade fazer nada.”
Uma afirmação demasiado peremptória. Passado pouco tempo, o título do livro
tornar-se-ia involuntariamente irónico. No fatídico dia 28 de Junho de 1914, o
arquiduque Francisco Fernando, herdeiro dos Habsburgos, e a sua mulher foram
assassinados em Sarajevo (capital da Bósnia), por um jovem sérvio de 20 anos, de
seu nome Gavrilo Princi, membro da “Mão Negra”, organização terrorista sérvia –
a província da Bósnia-Herzegovina havia sido anexada à Áustria em 1878 e era
reivindicada pela Sérvia.
Os
dois tiros de pistola em Sarajevo arrastaram inadvertidamente a Europa para a
mais terrível das guerras: nove milhões de mortos, a revolução russa em 1917
(por causa da guerra o czar Nicolau II viu-se obrigado a abdicar em março), a
extinção do Império Austro-Húngaro, da Alemanha imperial e do império Otomano e
o completo desmembramento da Europa Central. Tudo isto trazia o embrião da
guerra seguinte, ainda mais catastrófica do que a precedente.
No
mundo de 1911, quando Norman Angell publicou o seu famoso livro, nada parecia
anunciar os terríveis acontecimentos posteriores. Penso que se podem tirar,
pelo menos, duas conclusões daqui. Primeira, o mundo de 2013 também não anuncia
aquele em que viverão os netos e os bisnetos dos europeus de hoje - o erro de
toda a prospectiva é imaginar o futuro como um prolongamento do presente;
segunda, devemos, todavia, prestar atenção aos sinais – afinal de contas, dois
tiros de pistola podem ser o detonador de um cataclismo.
sexta-feira, 25 de janeiro de 2013
Falta de legitimidade para reformar o Estado
Anda na moda dizer que o actual governo carece de legitimidade democrática para levar por diante a reforma de Estado, ou, melhor dizendo, cortar 4000 milhões de despesas anuais correntes do Estado. O argumento principal é simples, o governo não foi eleito para fazer isto. Vai daí e apela-se a Cavaco que intervenha.
Por acaso, eu tinha a ideia de que esta reforma do Estado era algo que Passos Coelho nunca tinha escondido e que era perfeitamente claro no seu programa. Lembrei-me então de que a seguir às eleições Daniel Oliveira tinha um entendimento semelhante. Transcrevo:
[N]estas eleições houve uma novidade: não há forma dos eleitores dizerem que foram enganados. Desta vez o voto contra quem está não podia ignorar o conteúdo do programa de quem vinha aí. Nunca um candidato a primeiro-ministro foi tão claro nos seus propósitos.
A descapitalização da segurança social, através da drástica redução da taxa social única; o provável aumento do IVA; a privatização parcial do Serviço Nacional de Saúde e da Escola Publica; a privatização das Águas de Portugal e de muitas empresas e serviços públicos; a liberalização dos despedimentos; e a redução das prestações sociais foram sufragadas nas urnas. Ninguém poderá dizer que Passos prometeu uma coisa e fez outra. Não foi assim com Durão Barroso. Não foi assim com José Sócrates. Mas Passos, honra lhe seja feita, foi claro. (…)
[F]ico-me por isto: o programa mais liberal da história da política nacional foi aprovado pelo povo. Vai doer. Mas dói com legitimidade democrática.
Daniel Oliveira, Arrastão, 6 de Junho de 2011Isto é independente de concordar com a reforma do Estado ou não. Até porque, até agora, nada de concreto foi proposto. De momento, continuo a ler atentamente o relatório do FMI sobre possíveis cortes de despesa. Com umas coisas concordo, com outras não. Portanto, até ver as opções escolhidas, reservo a minha opinião. Se não se concordar com as propostas, atacam-se as propostas, como se fez com a alteração da TSU. Mas pôr em causa a legitimidade democrática do governo?
domingo, 20 de janeiro de 2013
As minhas circunstâncias
A minha geração cresceu no pós-25 de Abril, isto é, num dos períodos de maior transformação e desenvolvimento da história de Portugal. Hoje, quando o desemprego jovem atinge valores estratosféricos e tantos têm de deixar o país, penso muitas vezes nas oportunidades que Portugal me proporcionou.
Nasci em 1972 na Gafanha da Nazaré, mas vivi, a partir de 1976, na Praia de Quiaios, uma pequena povoação, situada a 12km da Figueira da Foz, na bela encosta Norte da Serra da Boa Viagem, que se resumia na altura a alguns ‘palheiros’ e a meia dúzia de casas de férias. Fiz a escola primária na aldeia da Murtinheira com professoras que faltavam muito e que davam aulas em simultâneo aos cerca de 20 alunos que frequentavam as quatro classes. As ruas eram de terra batida, a eletricidade faltava frequentemente, a televisão via-se com muitas interferências, não existiam infraestruturas de saneamento e para a distribuição de água. No final da década de 1970 iniciou-se a construção de novas habitações, que ao longo dos anos seguintes completariam os rectângulos que organizaram o crescimento de um dos locais de veraneio da classe média de cidades próximas como Coimbra e Viseu. De facto, a Praia de Quiaios cresceu com o crescimento da classe média.
Frequentei a Telescola de Quiaios (a cerca de 3km da Praia de Quiaios), que para a generalidade dos meus colegas foi o momento que antecedeu a entrada no mercado de trabalho, em Portugal ou no estrangeiro – apenas uma colega minha do 6º ano concluiria o ensino superior. Entre o 7º e o 12º anos estudei na Escola Dr. Joaquim de Carvalho na Figueira da Foz. A biblioteca foi o que na altura mais me impressionou – a biblioteca ambulante da Gulbenkian chegava a Quiaios quase sem livros – e, nos primeiros anos, era lá que passava a maior parte dos intervalos e dos chamados ‘feriados’, que eram muitos.
A partir de meados da década de 1980 vieram as placas azuis da CEE a anunciar o saneamento, a rede de água e alguns melhoramentos (e também alguns desarranjos) urbanísticos. Apareceram também vários cafés e restaurantes, onde, com muitos dos meus amigos, trabalhei desde as férias de Verão de 1986 até terminar a licenciatura em 1995. Neste período passei de cavaquista entusiasta a cavaquista desiludido e acabei a votar em António Guterres.
Em 1990, tal como o meu irmão mais velho dois anos antes, entrei no curso de Economia da Universidade de Coimbra. O objectivo de vida dos meus pais, que têm a 4ª classe, seria cumprido uns anos mais tarde quando também os meus dois irmãos mais novos concluíram um curso superior. Foi o investimento da vida dos meus pais. Apesar do meu irmão mais novo ter emigrado recentemente para Angola e o outro andar também a ponderar seguir esse ou outro caminho que o leve para fora de Portugal, o investimento dos meus pais teve ainda assim um bom retorno.
Quando terminei o curso em 1995 fui selecionado para trabalhar na SONAE, com um salário inicial de 150 contos (750 euros) – valor não corrigido para as taxas de inflação. No entanto, a perspectiva, que se confirmou, de uma bolsa da então JNICT para realizar o mestrado levou-me a optar por continuar a estudar. No ano seguinte, concorri a uma de seis posições para assistente no Departamento de Economia da Universidade do Minho – diziam-me que estavam a fazer aí um forte investimento e que a Universidade tinha grande potencial. Mais uma vez, as expectativas se cumpriram. Em boa hora entrei na carreira universitária: para além dos aumentos salariais anuais, nessa altura generosos, beneficiei ainda de um aumento salarial de 25%, distribuído por vários anos, resultante do acordo estabelecido em 1995 entre os sindicatos e a então Ministra da Educação Manuela Ferreira Leite. E continuo, como no início, todos os dias motivado para trabalhar nos projectos da Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho.
Acabei o mestrado em 1998 e, em Setembro de 1999, parti para Londres para fazer o doutoramento, onde fiquei durante 3 anos e meio, sem ter de dar aulas e com o salário pago na íntegra pela Universidade do Minho, a que se somava um suplemento de bolsa da Fundação para a Ciência e Tecnologia. Já nessa altura tinha consciência das condições excepcionais que Portugal me proporcionava.
Em 2003 regressei à Universidade do Minho, na categoria de professor auxiliar, a que correspondia um salário bruto superior a 3000 euros e líquido de cerca de 2000 euros. Hoje, passados quase dez anos, mesmo tendo entretanto sido promovido a professor associado, continuo a auferir um salário muito semelhante, mas que me continua a colocar no topo da distribuição salarial em Portugal e que não compara mal com o salário recebido pelos meus colegas europeus. E tenho um contrato que me garante emprego para o resto da vida.
Olhando em perspectiva, quando hoje observo as circunstâncias dos meus alunos, em particular as que enfrentam no mercado de trabalho, não consigo deixar de pensar que eu e a minha geração fomos, apesar de tudo, afortunados: nunca tantos tinham tido tantas oportunidades em Portugal.