A
popularidade de Karl Marx foi um acidente histórico. Não fora I Guerra Mundial, o
consequente colapso do czarismo, os posteriores incidentes, acasos, pura sorte
e golpes de génio de Lenine que conduziram os bolcheviques ao poder em 1917, e Marx
seria hoje, provavelmente, um obscuro autor do século XIX, conhecido apenas por
alguns eruditos. Em vez disso, carradas de intelectuais espremeram os miolos a decifrar o que o homem escreveu, tentando fornecer coerência e “fundamentos
científicos” à obra do autor do Capital. Por causa da actual crise, alguns
pensadores, onde pontificam Alain Badiou e Slavoj
Žižek, têm tentado reabilitá-lo. O resultado desses esforços é previsível: Marx
compreendeu algumas características fundamentais do capitalismo do início do
século XIX, mas estas não têm nada a ver com as do capitalismo do início do
século XXI.
De
qualquer maneira, há uma frase de Marx que li há uns anos, numa passagem do Manifesto
Comunista, que me ficou gravada: “Tudo o que é sólido dissolve-se no ar”. Não
estarei a exagerar se disser que Marx foi o primeiro a perceber que as
mudanças provocadas pelos mercados não se confinam à economia, ao invés, transformam
toda a ordem social, não deixando pedra sob pedra. A religião e o nacionalismo
não morreram tal como ele havia previsto (nem há sinais da sua morte para
breve), mas, ao perceber a forma como capitalismo estava a alterar a velha
ordem social, Marx tocou num ponto essencial. Talvez por isso me pareçam
fantasiosas e incoerentes as posições da direita conservadora - onde em
Portugal se destacam João César das Neves e João Carlos Espada -, que acredita,
por um lado, nas virtudes do mercado e, por outro, gostaria de manter ou
restaurar a “família” e uma certa ordem social. Se Marx não se enganou neste
particular, isso é o mesmo que pedir sol na eira e chuva no nabal.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Não são permitidos comentários anónimos.