domingo, 23 de junho de 2013

A sombra de Malthus

O estudo da população é uma ciência de pouca exactidão. Por exemplo, ninguém previu o colapso demográfico da Rússia pós-soviética ou a descida da taxa de fertilidade que se regista um pouco por todo o lado. De qualquer maneira, de acordo com alguns especialistas, a actual população mundial, cifrada em 6 000 milhões de pessoas, deverá atingir os 7 200 milhões em 2050. Pode o planeta suportar tanta gente? A história diz-nos que não. Uma população humana próxima dos 8000 milhões só seria mantida por meio de uma devastação da terra. Convém sublinhar que a destruição do meio natural não é o resultado do capitalismo global, da industrialização, da “civilização ocidental” ou de qualquer outra invenção humana. É o resultado do êxito de uma espécie excepcionalmente predatória, a espécie humana. Os avanços da engenharia genética poderão permitir rendimentos crescentes de solos cada vez mais deteriorados e, em última análise, restará sobre a Terra pouco mais do que o Homo sapiens e o meio-ambiente protésico que o manterá vivo. Um cenário aterrador. Alguns autores, como Reg Morrison, têm notado que os seres humanos reagem ao stress da mesma forma que os outros animais: ante a escassez de recursos e a sobrepopulação reduzem o impulso reprodutivo. Dito de outro modo, a “praga humana”, tal como as pragas de outros animais, só poderá ser de curta duração. Não por acaso, a fertilidade encontra-se em queda em boa parte do mundo.
No virar do século XIX, Thomas Malthus indicava a guerra e as fomes recorrentes como meios de manter o equilíbrio entre a população e os recursos. Hoje, a guerra, as alterações climáticas, as novas doenças, a queda da fertilidade, ou a combinação destas, poderão interromper o actual pico de seres humanos. Num sistema caótico, não se pode prever com rigor a escala da transformação já em marcha. Ainda assim, Reg Morrison prevê que a população mundial por volta de 2150 se situará algures entre os 500 e os 1000 milhões – a título de curiosidade, em 1600, a população do planeta rondava os 500 milhões.
Durante décadas Malthus foi ridicularizado. O progresso tecnológico, que ele não antecipou, tem iludido os resultados da sua célebre Lei dos Rendimentos Decrescentes. Até quando? Talvez não seja má ideia voltar a ler o seu “Ensaio sobre o Princípio da População” de 1798.

4 comentários:

  1. "Alguns autores, como Reg Morrison, têm notado que os seres humanos reagem ao stress da mesma forma que os outros animais: ante a escassez de recursos e a sobrepopulação reduzem o impulso reprodutivo. Dito de outro modo, a “praga humana”, tal como as pragas de outros animais, só poderá ser de curta duração. Não por acaso, a fertilidade encontra-se em queda em boa parte do mundo."

    A queda da fertilidade é tanto maior quanto maior a abundância de recursos. Que eu saiba não há propriamente história de redução da fertilidade em locais/épocas com escassez.

    Resumindo, sejam as teorias Malthusianas originais, seja esta revisitação, continuam a ser lindas teorias, mas a realidade não as acompanha.

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  2. "Resumindo, sejam as teorias Malthusianas originais, seja esta revisitação, continuam a ser lindas teorias, mas a realidade não as acompanha."

    Podemos dizer que nas últimas décadas a taxa de natalidade já estava a descer enquanto a economia estava crescer, negando assim as previsões de Malthus. Aliás, muitas das críticas a Malthus passaram por essa constatação. Mas a questão, neste momento, é: a taxa de natalidade continua ou não em queda um pouco por todo o mundo? Ou seja, se é verdade que o crecimento económico foi acompanhado de uma quebra da taxa de natalidade, nada indica que com a actual crise as coisas se invertam - muito pelo contrário. Daí a questão colocada: não estarão os humanos a reagir como qualquer outra espécie ante uma situação de escassez e de sobrepopulação, reduzindo, por uma questão de sobrevivência, as taxas de natalidade? Honestamente, não me parece nada absurda esta perspectiva.

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  3. Só para alimentar um pouco a discussão Malthusiana.
    1. - A população Mundial, desde Outubro de 2011, que ultrapassou os 7 mil milhões.
    E isto aguenta. Como diria o nosso Ulrich. Aguenta.
    2. - O Malthus não previa a diminuição da natalidade como uma resposta natural. Defendia que se promovesse esta (por exemplo através do adiar do casamento), porque a alternativa de controle populacional seria a Guerra, a fome, ou as doenças.
    3 - É importante notar que o aumento do número de pessoas (que foi exponencial quando houve aumento de recurso, como Malthus previa, mas que, com a quebra da natalidade deixou de ser) foi acompanhado pelo aumento da produção quer pela melhoria da tecnologia, quer pela expansão da terra arável. Ainda há muito potencial por explorar por ambas as formas. Austrália, Nova Zelândia, América do Sul ou África têm vastas áreas com potencial agrícola por explorar. A tecnologia tem muito por onde evoluir (nomeadamente com a bio-tecnologia), mas tem muito a melhorar a produção também porque as tecnologia usadas em metade do mundo são ainda arcaicas (esta é a realidade em muito da Asia, Africa e América do Sul).
    4- A distribuição tem perdas brutais - nos países desenvolvidos 30 a 50% dos alimentos morrem na prateleira. Há aqui potencial para poupar - principalmente se a escassez se fizer sentir no preço.

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  4. 5 - Ficou de fora a questão do Reg Morrison, de que os seres humanos reagem ao stress da mesma forma que os outros animais: ante a escassez de recursos e a sobrepopulação reduzem o impulso reprodutivo. Dito de outro modo, a “praga humana”, tal como as pragas de outros animais, só poderá ser de curta duração. Não por acaso, a fertilidade encontra-se em queda em boa parte do mundo.
    Acho que a evidência aqui é bastante contrária ao Reg Morrison.
    a) - A redução de natalidade nos humanos aconteceu em sociedades em crescimento onde há abundância. Os países com menos natalidade são os onde há maior obesidade, especialmente entre os mais pobres.
    b) a nível mundial os países onde a natalidade mais caiu na ultima década foram países de médio desenvolvimento em forte crescimento (como o Brasil, México, e alguns países asiáticos).
    c) África é dos poucos continentes onde a natalidade permanece muito elevada, e é onde há maior proporção de população em níveis de pobreza e escassez alimentar extrema.
    d) Por ultimo há alguma evidência de que as mulheres de países mais desenvolvidos, com uma alimentação mais rica se tornam ferteis ligeiramente mais tarde. Essa não é uma causa relevante para a diminuição da natalidade, mas sugere um mecanismo contrário ao sugerido pelo Reg Morrison.
    6 - A Natalidade desceu muito com a deslocação para cidades, a utilização de métodos contraceptivos, a maior autonomia das mulheres e as mudanças no seu envolvimento no trabalho.
    7. - No fim temos o contrário do que previa Malthus. Um mundo com muito mais população, em simultâneo com a menor proporção de mal alimentados e com a menor proporção de mortes violentas. Não é um mundo perfeito. Mas também não é o mundo Malthusiano, e ainda bem que o homem errou por tanto.

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