A CRISE, A REAÇÃO À CRISE E A DISCUSSÃO NAS ELEIÇÕES ALEMÃS
O debate eleitoral alemão trouxe uma novidade interessante.
A oposição assumiu de uma forma clara uma divergência face à política de
austeridade que a liderança alemã impôs à Zona Euro (ZE), responsabilizando a
chanceler Merkel pelos maus resultados da política europeia em grande medida por
si ditada. Esta política lançou a ZE numa segunda recessão, abrindo um enorme
fosso entre o crescimento verificado nos EUA e na ZE. Situação que afectou fortemente
a Europa do Sul, mas que afectou também a Alemanha, França, Holanda e
Finlândia.
A resposta europeia nos primeiros anos da actual à crise foi
coordenada com os EUA, seguindo linhas semelhantes, com resultados também
semelhantes. A partir da crise Grega há uma inflexão de política na Zona Euro,
com reflexos nas medidas de austeridade tomadas em 2011 e reforçadas em 2012 e
2013. A alteração da linha de resposta à crise foi determinada pela liderança
alemã e francesa e aplaudida por muitas das lideranças conservadoras da ZE.
Diferenciou-se a partir daí da linha seguida pelos EUA. Os resultados em termos
de crescimento são visíveis no gráfico 1.
Entre 2004 e 2010, a linha de crescimento do PIB dos EUA e
da Zona Euro confundem-se. Partindo de uma base 100 em 2004, divergem em média
menos de um ponto percentual até 2010. A divergência tem início em 2011, em que
a Zona Euro se apresenta já 1,2% abaixo dos EUA. A inflexão de política em 2011
e a persistência de políticas de austeridade em 2012 e 2013, revela-se de forma
mais acentuada em 2012 e 2013, com a diferença entre o crescimento dos EUA e o
da Zona Euro a abrir um fosso de 4 pontos percentuais, em 2012, que se deverá
alargar para os 7 pontos percentuais, em 2013, e continuar crescer em 2014, de
acordo com as previsões da União Europeia.
Este fosso significa que, em 2013, a Economia dos EUA estará
já 5% acima do nível de produção anterior à crise, enquanto a Zona Euro estará
ainda cerca de 2,5% abaixo do valor que registava em 2008. Um fosso que se
reflecte no desemprego, que sendo semelhante
nos dois blocos em 2010, desceu já até para 7,4% nos EUA e continua a subir na
Zona Euro, em que está já acima dos 12%. As escolhas políticas têm consequências.
A queda do PIB afectou de forma mais acentuada os países do
sul da Europa, deixando a ideia de que estes foram os únicos países
prejudicados pelas opções políticas tomadas. Internamente a chanceler alemã
conseguiu durante muito tempo vender a ideia de que tinha conseguido isolar a
Alemanha das consequências da tempestade na Europa.
No entanto, os dados desmentem esta tese, sugerindo que os
países do centro da Europa também estão a ser afectados. Nos dois últimos anos houve
uma forte redução nas taxas de crescimento não só dos países do Sul da Europa, mas
também da Alemanha, França, Holanda e vários outros países do Norte da Europa.
A oposição alemã tem razão em criticar o legado da Chanceler
Merkel. A Alemanha também está a pagar, em perda de crescimento, o preço da
austeridade que impôs à Zona Euro. O peso do seu sector exportador e a redução
de juros que conseguiu atenuaram estes efeitos, face ao Sul da Europa, mas no
fim uma verdade simples impôs-se: O que é mau para a Europa não pode ser bom
para a Alemanha.
O fosso de crescimento entre os EUA e a ZE deverá manter-se
em 2014. No final de 2014 a Zona Euro deverá ter uma diferença de PIB, face à
que teria se tivesse uma evolução semelhante à dos EUA, de 6 a 7%. No caso da
Alemanha, o diferencial será de apenas 3 a 4 pontos, e no da França deverá ser de
5 pontos percentuais. Estes valores traduzem-se em perdas de PIB acumuladas ao
longo de 3 anos de 1400 mil milhões em toda a Zona Euro (mais de 8 vezes o PIB
português e mais do dobro da divida conjunta da Grécia, Portugal, Irlanda e
Chipre). Destes, mais de 200 mil milhões perdas de PIB da Alemanha e 250 mil
milhões na França. Perdas de PIB que decorrem da diminuição da procura e do
desperdício causado por milhões de trabalhadores parados no desemprego.
Não defendo que a Zona Euro devia ter seguido a mesma
política dos EUA. Deveria ter seguido uma política mais moderada. Mas entre o
8, do exagero de austeridade europeia, e o 80 do expansionismo dos EUA, havia
soluções mais equilibradas que teriam evitado uma parte importante das perdas e
teriam contribuído para uma mais rápida reconquista da confiança nos países da
Zona Euro.
Angela Merkel deverá ser reeleita no próximo dia 22. Mas a
realidade dos números e o legado de divisão que criou na União Europeia já não
podem ser escondidos e estão hoje a ser criticados dentro da própria Alemanha.
A Alemanha é um país com responsabilidades nos períodos mais negros da história
recente da Europa. Mas é também um país que, com justiça, se pode orgulhar do
papel que teve na construção europeia, e de ter conseguido aproveitar o apoio
que teve a seguir à segunda guerra mundial para se desenvolver e tornar na
maior economia do continente. É esta Alemanha com orgulho no seu papel e nas
suas responsabilidades europeias que muitos gostariam de ver voltar a emergir depois
destas eleições.
Artigo publicado antes das eleições alemãs no Jornal de Negócios
Manuel Caldeira Cabral – Departamento de Economia -
Universidade do Minho
Gráfico 1 – Fosso entre crescimento na Zona Euro e EUA
Evolução do PIB na Zona Euro e nos EUA. Base 2004 = 100.
Gráfico 2 – França e Alemanha também foram afectadas pela austeridade
Taxas médias de crescimento do PIB em cada período.
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