quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Eu vejo-me grega com os portugueses

Anda tudo excitado com o Syriza, mas eu raramente me excito com políticos sobre os quais eu ainda não sei praticamente nada. Há muita gente que vê os gregos como coitadinhos; pela minha parte, eu acho que foram mal tratados e acho que deviam ter sido ajudados de maneira diferente, mas os gregos não são coitadinhos.

Quando eu trabalhava na Universidade do Arkansas, conheci um estudante de mestrado da Grécia que estava a fazer um estágio lá, juntamente com uma estudante de doutoramento da Itália e uma post-doc de Espanha. Como eu tinha carro e eles não, frequentemente eu os levava pela cidade e era comum irmos jantar fora. Uma noite, o grego e a italiana entraram numa grande discussão. Ela achava que a Itália devia ser um país decente e as pessoas deviam exigir que o Sr. Berlusconi se portasse à altura. O grego achava que tanto a Itália como a Grécia eram corruptos e não tinha conserto. E disse ele que, na Grécia, era completamente normal e aceitável, um funcionário público chegar ao trabalho, pendurar o casaco, sair para fumar cigarros, depois regressava para apanhar o casaco para sair para o almoço, tirava um almoço prolongado e depois lá aparecia, quase a horas de ir para casa. Era normal, o funcionário fazer pouco ou nada e ninguém dizia nada. Um comportamento destes não é normal em Portugal.

Durante a crise financeira e as várias intervenções na Grécia, ouvi muitas vezes na rádio americana relatarem a maneira como o serviço de saúde grego funcionava. Vocês podem ler a descrição das práticas corruptas utilizadas, como exigir que um paciente pague um suborno para ter consulta, dar subornos para ver certos médicos ou para ter consulta mais depressa, etc. Por exemplo, custava €50 de suborno para ir a um hospital e €3.000 para ter uma cirurgia. Os subornos faziam parte da compensação da classe médica. Eu não conheço casos destes em Portugal; já sei que os médicos recebem prendas das farmacêuticas, etc., mas nenhum médico estende a mão como condição para ver o paciente.

E depois há forma como os políticos gregos se comportaram. A Grécia recebeu intervenção formal em Maio de 2010, depois de muitos meses de incerteza--eles já estavam na corda bamba antes do colapso financeiro de 2008,--em que o país podia ter iniciado uma mudança de comportamento. Escolheu não o fazer antes e também não o fez durante algum tempo depois da intervenção. Em vez disso mudou de governo praticamente de seis em seis meses, procurando criar o máximo de instabilidade política pois pensavam que a UE estava a fazer bluff. Não nos esqueçamos que a Grécia não só aldrabou todas as estatísticas para entrar no euro, ou seja, não fez esforço nenhum de ajustamento da economia, como contratou a Goldman-Sachs para os ajudar na fraude. (A UE sabia da situação e, mesmo assim, deixou entrar a Grécia no euro criando uma situação de profundo risco moral. Depois de adoptar o euro, a Grécia devia ter sido acompanhada cuidadosamente pela UE. Obviamente, que o grande problema nessa altura era que o polícia de serviço, a Alemanha, tinha perdido a autoridade moral para dar lições aos outros, pois foi um dos primeiros países a quebrar o acordo de Maastricht--mesmo hoje, a Alemanha está em violação do acordo.)

Só em 2012, é que a Grécia viu que as coisas eram mesmo sérias e iniciou "reformas", como oficialmente reduzir em metade o salário do Presidente da Grécia de $462.504 (recebia €23.122 de salário mais €6.240 de despesas por mês, mas note-se que o Presidente grego da altura teve o bom senso de prescindir do salário voluntariamente); como comparação, o Presidente dos EUA ganhava $400.000 por ano.

Hoje coloquei essa notícia antiga, cujo link incluí acima, no meu grupo de discussão de economia no Facebook. E, de repente, muitos membros dizem que Portugal é exactamente a mesma coisa, é tudo igual à Grécia!!! Em 2011, o vencimento do Presidente da República de Portugal era de €6.523, depois de já ter sido cortado em 2010 e, outra vez, nesse mesmo ano de 2011, e nós tivemos intervenção depois da Grécia. Como é que isto é "exactamente igual" à Grécia?

Nós não somos tão maus quanto a Grécia. Não sei a razão desta predilecção nacional pelo masoquismo. Penso que o masoquismo é bom nos livros das "Cinquenta Sombras de Grey", mas eu prefiro ler os Trópicos de Henry Miller.

6 comentários:

  1. Muito bem, Rita.

    Só uma nota: não é verdade que o Governo Grego tenha mudado de 6 em 6 meses a achar que a Troika estava a fazer "bluff". O que se passou foi mais complicado e teve muito a ver com o medo do Pasok (com Papandreou) de assumir os encargos da austeridade - com alguma razão, já que o que despoletou o resgate foram contas falsificadas pela Nova Democracia - e tentar "referendar" o resgate. Na consequência da confusão gerada acabou por se demitir e, entre governos interinos (à la Prodi) e eleições inconclusivas perderam imenso tempo até à coligação ND-Pasok com Samaras.

    Outra nota: alguém saber o que aconteceu à Goldman Sachs no meio disto tudo? Foi-lhes retirada a licença para operar na UE? (Que seria o mínimos dos mínimos como instigadores da crise) Pagaram alguma multa/indemnização? Não ouvi nada, assim de repente...

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    1. Obrigada pela clarificação e acho que tens razão, mas também acho que a minha teoria não pode ser totalmente eliminada porque existia risco moral por causa da forma como a Grécia tinha entrado no euro.

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    2. A entrada da Grécia no Euro foi uma fraude, perpretada pelo Governo grego (Pasok, à altura) com o sempre-disponível-contra-chorudas-comissões auxílio da Goldman Sachs. A segunda parte do meu comentário tem a ver com isso mesmo...

      Na política grega os mais "inocentes" no meio disto tudo é mesmo o Syriza que ainda não teve tempo para afundar o país (mas parece apostado em jogar roleta russa com isso, veremos no que dá).

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  2. Desde o início, desde a formação da CEE e no decorrer do processo que culminou no euro, achei impossível realizar o ideológico objectivo proposto. A ideia de juntar economias, políticas, caracteristicas e costumes, idiossincrasias tão díspares (embora compondo o mesmo continente) e esperar que em harmonia, garantissem a formação de uma economia una e forte, e um mutualismo que garantisse qualquer falibilidade. Uma coisa ao nível familiar, mas a uma escala universal. Ora, nem nas famílias de sangue, por muito bom senso e vontade que reine no seu sei, é possível atingir tão elevado grau de compromisso e fidelidade.

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    1. Sim e não. Não acho que "juntar" os países europeus seja uma tarefa impossível, mas acho que a forma como foram "juntados" tem deficiências graves.

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    2. Quando ponderamos naquilo que é, efetivamente, juntar países, colocamos em equação, não somente as diferentes dimensões e localizações geografias, os diferentes recursos de vária ordem e o clima. Colocamos sobretudo, as diferenças culturais, de formação cívica, académica e profissional. Colocamos também as diferentes aptências para produzir e contribuir para a obtenção da melhor qualidade de vida. E as populações de todos os países que compõem a UE diferem nestes aspectos.

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