- violação dos direitos adquiridos dos trabalhadores;
- os portugueses não têm muitos feriados comparado com os outros países;
- celebrar feriados noutros dias que não os dias estabelecidos não tem jeito nenhum; e
- a eliminação de feriados religiosos tem de ser aprovada pela Igreja Católica.
Comparar Portugal com outros países é irrelevante, pois há países com mais e países com menos, logo também é uma razão arbitrária. A terceira razão é o resultado de preferências pessoais e, por isso, não tenho qualquer problema com ela. A bem dizer, a que mais me surpreendeu foi a quarta razão. O estado português é laico e fiquei surpresa por ver o estado e a Igreja às turras. Suponho que é uma coisa geracional, pois a minha geração não foi exposta a religião dentro de instituições públicas. Recordo-me de uma vez ter mostrado dinheiro americano a uma amiga minha que tem a mesma idade que eu e ela ficou muito espantada com o "In God We Trust", que aparece nas notas e moedas americanas.
Agora que o Ano Novo chegou, a questão dos feriados apareceu novamente nas notícias. O jornal Expresso decidiu fazer a contabilidade dos dias de lazer do novo ano. No universo dos feriados nacionais de 2015, dois feriados calham em sábados e dois calham em terça- e quinta-feiras e são, estes últimos, passíveis de pontes.
Como eu vivo fora de Portugal a minha contabilidade feriadística (sim, inventei a palavra) é ligeiramente diferente--é a contabilidade americana que é parecida com a proposta do reinado da Troika. Tenho reparado que ultimamente, em Portugal, se presta mais atenção ao feriados americanos, como o Dia de Acção de Graças, e por isso decidi abordar o tema. A preferência pela celebração de feriados à segunda-feira é o regime que prevalece nos EUA, onde os únicos feriados flutuantes nos dias da semana são o 1 de Janeiro (Ano Novo), 4 de Julho (independência dos EUA), 11 de Novembro (Armistício), e 25 de Dezembro (Natal). O dia de Acção de Graças, calha sempre na quarta quinta-feira de Novembro. No todo, os feriados federais americanos são os seguintes (mais ou menos, pois o governo federal não tem poder para os impor aos estados--eu apenas fiz a lista dos mais comuns; consultar a Wikipédia neste tópico):
- Janeiro, 1: Ano Novo
- Janeiro, terceira segunda-feira: aniversário de Martin Luther King, Jr., que nasceu em 15 de Janeiro de 1929;
- Fevereiro, terceira segunda-feira: Washington's Birthday, aniversário de George Washington, mas o Presidente Lincoln também nasceu em Fevereiro, logo há quem chame a este dia President's Day;
- Maio, última segunda-feira: Memorial Day, em memória dos soldados que pereceram durante a Guerra Civil americana;
- Julho, 4: Independência dos EUA;
- Setembro, primeira segunda-feira: Labor Day, reparem que é Dia do Trabalho--nos EUA não se comemora o Dia do Trabalhador de 1 de Maio, como no resto do mundo, pois o ataque de Haymarket deu-se a 4 de Maio de 1886 e o Presidente não queria que se confundisse com a celebração de um acto de violência;
- Outubro, segunda segunda-feira: Columbus Day, Dia do Cristóvão Colombo (nem todos os empregadores observam);
- Novembro, 11: Veteran's Day, internacionalmente é o Dia do Armistício da Primeira Grande Guerra Mundial (nem todos os empregadores observam);
- Novembro, quarta quinta-feira: Dia de Acção de Graças;
- Dezembro, 25: Natal.
Uma curiosidade: o Memorial Day é considerado a abertura da época de férias; já o Labor Day é considerado o regresso ao trabalho e à escola depois das férias e é de muito mau tom usar roupa branca depois do Labor Day. Hoje em dia, há escolas que iniciam as aulas antes, pois o trabalho na agricultura não está tão dependente da ajuda familiar.
Julgo ser evidente que o sistema americano acaba por ter mais dias de folga para os trabalhadores assalariados do que o sistema português. Só que, como o tempo de lazer é concentrado em fins-de-semana e é espaçado durante o ano, acaba por não interromper tanto a semana e o ritmo de trabalho e tem o benefício de dar ao trabalhador oportunidade para descansar durante um tempo mais prolongado, mais frequentemente. (Note-se também que nos EUA, os trabalhadores assalariados têm menos tempo de férias do que nos países europeus, logo estes feriados acabam por mitigar, de alguma forma, o efeito das férias mais curtas). A preferência por um sistema ou outro varia de pessoa para pessoa; mas, pela minha parte, não acho este sistema tão mau quanto isso.
Bom Ano Novo a todos!
Curiosamente, já desde 2003 que o Código do Trabalho (primeiro no art. 208º do CT 2003 e depois no 234º do CT 2009) , previa a possibilidade de determinados feriados obrigatórios serem gozados na 2ª Feira subsequente.
ResponderEliminarA intenção era exactamente a de permitir que determinadas semanas de trabalho não fossem afectadas por pontes, salvaguardando-se as datas "óbvias" como, por exemplo, o 1º de Janeiro, 1º de Maio e o Natal. Havia depois a questão dos feriados políticos, mas o que é certo é que nem discussão nem decisões foram tomadas e depois descambou-se na decisão absurda de 2011, já que o corte absoluto de algumas das datas, pelo seu simbolismo, é no mínimo uma amputação de memória.
O que é certo é que o regime continua consagrado na lei e bastaria aprovar legislação que movesse alguns desses dias para se chegar a uma solução de compromisso partindo da actual situação. Mas para isso é preciso saber o que se quer. E essa é toda uma outra questão...
Bom Ano Novo
"A oposição a esta medida assentava mais ou menos nos seguintes pressupostos: 1 (...); 2 (...); 3 (...) e 4 (...)"
ResponderEliminarA ideia que tenho é que a oposição era sobretudo com base nos pressupostos 3 e 4; acho que o 1 e o 2 eram usados sobretudo para contrariar a ideia de reduzir feriados, não a de os mover (embora como as dois assuntos foram discutidos ao mesmo tempo, não tenha havido uma distinção clara entre argumentos sobre uma coisa e argumentos sobre outra).
Os argumentos 1 e 2 acho que nem seriam muito relevantes para este assunto especifico, já que a mobilidade dos feriados em nada afetaria o total de dias de descanso dos trabalhadores (creio mesmo que nem sequer impediria quem quisesse mesmo gozar uma "ponte" de 4 dias de o fazer - seria só, em vez gozar o feriado à 5ª e meter um dia de férias à 6ª, fazer ao contrário)
O número total de dias de folga não é o único determinante da qualidade de descanso; a duração do tempo de folga afecta a qualidade do descanso. Três dias de folga seguidos proporciona um descanso mais profundo do que dois dias mais um.
EliminarRelativamente às pontes, concordo com a observação, no entanto, há diferenças de comportamento, pois é muito mais provável o trabalhador pedir uma folga à sexta- porque o feriado calha numa quinta- do que pedir uma folga à quinta- porque o feriado calha numa sexta-feira. Julgo que foi por isto que esta razão era invocada para passar a medida.
Outra possibilidade de justificação é a produtividade: um trabalhador pode ser menos produtivo numa segunda- ou sexta-feira que estão entre feriado e fim-de-semana, do que na terça-feira após e na quinta-feira que antecede um feriado.
EliminarUma coisa que me parece também por vezes confundir esta questão é que há duas "narrativas" paralelas (embora não totalmente independentes) sobre o problemas das "pontes":
Eliminar- uma vê o problema sobretudo em termos de dias de trabalho perdidos por causa das pessoas gozarem "pontes": as noticias na comunicação social costumam incidir neste ponto, e por vezes chegam a aparecer noticias dizendo "este ano vai haver 22 dias de férias, X feriados, Z pontes e Y sábados e domingos, ou seja 22+X+Z+Y dias de descanso", como se uma "ponte" não fosse simplesmente um dia de férias gozado numa data específica em vez de noutra; ao que se junta a lenda que corre entre os trabalhadores do sector privado de que os funcionários públicos têm "tolerância de ponto" nos dias de "ponte" (suspeito que a semelhança - ou mesmo, nalgumas regiões do pais, indistiguibilidade - fonética entre "ponte" e "ponto" contribui para isso; e efetivamente, num dos anos do governo Guterres, foram atribuidas várias "tolerâncias de ponto" nas dias de "ponte")
- outra vê o problema sobretudo em termos da baixa produtividade real das pessoas que NÃO gozam "pontes", seja porque num dia de trabalho entalado entre períodos de descanso não dá para entrar em "velocidade de cruzeiro", seja porque uma pessoa a trabalhar sem a presença de grande parte das pessoas com que ele era suposto interagir acaba por também não fazer muito
Dá-me a ideia que a segunda versão é mais relevante (e a alteração do CT foi de acordo a isso), mas grande parte da discussão sobre as "pontes" pareceu-me muito mais centrada no primeiro ponto (talvez porque se presta mais a posturas "moralistas" - de ambos os lados - do que o segundo); dizendo de outra maneira, o facto de a flexibilidade dos feriados ter sido apresentada, não num tom de "vamos organizar-nos para sermos aos mesmo tempo mais produtivos e descansarmos melhor; toda a gente vai ficar a ganhar" mas muitas vezes mais num tom de "temos que deixar de ser uns preguiçoes mandriões e começarmos a trabalhar a sério" (estou a exagerar, mas era fácil muitas vezes detetactar um subtexto nesta direção) pode ter contribuido para gerar resistências à ideia.
Já agora, eu tenho a ideia que efetivamente se mexeu nessa questão, já que o Código do Trabalho foi alterado no sentido de as empresas puderem obrigar os trabalhadores a fazer "ponte" (o que realmente resolve o problema da paragem do ritmo de trabalho) - confesso que não sei se essa alteração ainda se encontra em vigor.
ResponderEliminarAinda se encontra.
ResponderEliminarA alteração foi em 2012 e no Art. 242º, nº2 b) que passou a permitir essa possibilidade: "O empregador pode encerrar a empresa ou o estabelecimento, total ou parcialmente, para férias dos trabalhadores: um dia que esteja entre um feriado que ocorra à terça-feira ou quinta-feira e um dia de descanso semanal (...)".
Esta solução conjugada com os feriados móveis (e o agravamento da punição das faltas em vésperas de fins-de-semana e feriados, também constante do CT), permitem, de facto, transformar em falsa questão os feriados e pontes enquanto inevitáveis quebras de produtividade. E a juntar a isto ainda há acordos colectivos aplicáveis a vários sectores com regras que também vão nesse sentido.
No entanto, muitas vezes os empresários nem sabem (ou não se informam ou nem são informados) destas possibilidades, nem muitas vezes os trabalhadores as querem. O que é certo é que sabendo que as férias são marcadas por acordo e na ausência de acordo, cabe ao empregador, bastaria olhar para o mapa do ano seguinte e gerir o calendário da melhor forma. Se se juntar a questão dos feriados móveis, que podia muito bem ser discutida quando se decidir restaurar os feriados, criar-se-ia um regime bastante mais lógico e "saudável".
Pois eu (para variar!) tenho uma posição de princípio. Um feriado é, para mim, uma data destinada a comemorar algo. E, como tal, vejo-o como "intransmissível". Ou seja, subscrevo totalmente o argumento 3.
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