Esta teoria peca por várias razões, sendo a mais óbvia que, mesmo se as universidades portuguesas conseguissem o milagre de formar pessoas com este tipo de qualificações leves, Portugal não tem empregos suficientes para absorver todos os jovens que se formam, logo necessariamente tem de haver aumento do desemprego ou subemprego ou saída desses jovens para outros países. Uma segunda razão é que, a meu ver, as universidades portuguesas fazem um bom trabalho a formar os jovens e a dotá-los de boas qualificações técnicas e a maneira de ser portuguesa dá-nos características que até são muito boas. Frequentemente, se vê anúncios de empresas estrangeiras que vêm a Portugal recrutar jovens porque têm características muito empregáveis: treinam-se facilmente, aprendem outras línguas com facilidade, são esforçados, não causam problemas, etc. Todas estas características são qualificações leves que são valorizadas pelos empregadores estrangeiros. Aos empregadores estrangeiros não lhes interessa que os jovens tenham a capacidade de entrar na empresa e ser como o Nescafé--instantâneos,--interessa sim que sejam como um bom pedaço de mármore bruto, que tenham o potencial de ser esculpidos de acordo com as necessidades da empresa.
Independentemente da nossa inteligência ou capacidade inata ou adquirida, todos nós que temos emprego começámos exactamente da mesma forma quando entrámos no mercado de trabalho: indivíduos sem experiência. Até Richard Feynman, que muitos consideram um dos homens mais inteligentes que já existiu, conta, num episódio entitulado "Monster Minds", no seu livro "Surely You're Joking, Mr. Feynman", da sua inexperiência e de como se sentiu quando apresentou um seminário, durante os seus tempos de "graduate student" em Princeton, a cientistas conceituados. Nesse relato, ele diz:
"I went back to Wheeler and named all the big, famous people who were coming to the talk he got me to give, and told him I was uneasy about it. [...] So I prepared the talk, and when the day came, I went in and did something that young men who have had no experience in giving talks often do—I put too many equations up on the blackboard. You see, a young fella doesn’t know how to say, “Of course, that varies inversely, and this goes this way … because everybody listening already knows; they can see it. But he doesn’t know. He can only make it come out by actually doing the algebra—and therefore the reams of equations. [...] Then the time came to give the talk, and here are these monster minds in front of me, waiting! My first technical talk—and I have this audience! I mean they would put me through the wringer! I remember very clearly seeing my hands shaking as they were pulling out my notes from a brown envelope."
Ou seja, não é uma característica exclusiva dos jovens portugueses não terem experiência quando terminam a sua formação escolar. Isto acontece em todo o lado (um à parte: este livro de Richard Feynman é um livro óptimo para os jovens lerem, especialmente os que estão à procura de emprego). Há, no entanto, algumas formas de se tentar atenuar este efeito. A este propósito, vale a pena ler este texto da Mary Alice McCarthy, em que se fala dos EUA e da Alemanha.
Nos EUA, é normal para qualquer jovem começar a trabalhar aos 16 anos em regime part-time. Isto já dá ao jovem alguma formação no sentido de trabalhar em equipa, ser organizado, ser assíduo, saber atender clientes, ter responsabilidades para com outrem, que não os membros da sua família, etc. Aqui há uns anos, ouvi Ben Bernanke, num dos seus discursos enquanto Presidente da Reserva Federal americana, falar do desemprego jovem. A preocupação dele era que os jovens americanos não estavam a adquirir formação que mais tarde seria necessária para terem sucesso no mercado de trabalho e para as empresas americanas serem competitivas. Mas, mesmo tendo empregos part-time, é muito raro que os jovens americanos tenham essa formação na área que mais tarde vão adoptar para se especializar profissionalmente. Ou seja, terminam o curso e o normal é não terem a experiência exacta para os empregos aos quais se candidatam.
Uma outra maneira de tentar minimizar o efeito da falta de experiência inicial é o modelo seguido na Alemanha, onde as empresas colaboram com as escolas e os jovens fazem estágios e módulos de aprendizagem que os preparam para empregos nessas companhias. O modelo alemão é frequentemente empregue na área de manufactura, e é uma das ideias que se sugeriu para diminuir o desemprego jovem em Portugal. Na minha opinião, estamos a iludir-nos: sem a criação de mais empregos pelas companhias portuguesas, i.e., crescimento do sector privado português, não adianta muito que os jovens portugueses sejam qualificados na maneira alemã. Adiantará mais para a Alemanha, que terá uma reserva maior de portugueses qualificados para ir trabalhar para lá. Este modelo também é usado em alguns sectores americanos, por exemplo, as empresas de Wall Street, que todos os anos vão às melhores universidades americanas à procura de estagiários e que, mais tarde, seleccionam os melhores estagiários para seguirem carreiras nas suas empresas. Quem não ouviu as histórias de Michael Lewis, acerca deste tópico? Ainda há menos de um mês atrás, ele escreveu uma peça de opinião na Bloomberg onde atacava este comportamento das grandes companhias de Wall Street. Escrevia ele, jocosamente,
"Wall Street will take the resources it once hurled at Harvard and Yale universities, to recruit their students, and invest in America's leading retirement communities, to recruit their swelling population of elderly women, most of whom are currently wasting valuable trading hours."
Uma das coisas que mais aprecio na sociedade norte-americana é o contacto intergeracional. A figura do mentor é extremamente importante nos EUA e, quando estamos a estabelecer-nos profissionalmente, é normal perguntar nas nossas entrevistas para emprego se a empresa/universidade/etc. facilita o contacto com um mentor para nos integrarmos melhor e mais rapidamente na organização. Como curiosidade, na área dos mentores, um projecto engraçado, nas Ciências Matemáticas, é o Número de Erdös, em que os matemáticos calculam quantas pessoas os separam de Paul Erdös, um matemático famoso. Ter alguém experiente ao nosso lado que nos apoia, estimula, cultiva a auto-confiança, dá permissão para explorarmos o que somos profissionalmente, é essencial para o nosso desenvolvimento profissional. Eu reconheço isso por experiência própria. Eu não me criei sozinha; parafraseando Sir Isaac Newton, o progresso profissional que eu fiz e faço depende dos que vieram antes de mim e me carregaram nos ombros para eu ver e ir mais além. Hoje em dia, é meu dever e privilégio fazer isso por outras pessoas.
Isto tudo para quê? Isto tudo para vos dizer que, quando eu ouço uma pessoa com experiência profissional avançar a ideia de que os jovens portugueses não sabem trabalhar ou não têm experiência, o que eu ouço é uma admissão por parte dessa pessoa de que não está disponível para aclimatizar os jovens ao mercado de trabalho. E note-se que quem tem experiência pode apoiar jovens que não são colegas. Há muito jovem desempregado que beneficiaria do apoio de alguém com mais experiência para o ajudar com o CV, com dicas sobre entrevistas de emprego, conselhos, histórias de problemas que enfrentaram, cultivar a auto-estima, etc. No entanto, talvez a situação de Portugal não seja assim tão má. Também já ouvi uma história de um português que mencionou o nome de outro colega mais velho e disse o quão importante esse colega foi para o seu desenvolvimento profissional.
Na verdade, nos últimos anos, tem havido uma grande aposta das universidades portuguesas nos "soft skills". Aqui na escola de economia da UMinho, esse investimento começou há há alguns anos.
ResponderEliminarEu, pessoalmente, duvidava um pouco da utilidade dessa formação, mas a verdade é que parece estar a produzir resultados.
Eu acho que sim, há uma grande complementaridade com as qualificações técnicas que tradicionalmente se adquirem na universidade.
ResponderEliminarUm dos problemas que hoje enfrentamos com a emigração de jovens é que esta se pode estar a tornar um problema mais sério e mais grave do que era há dois ou três anos. Parece ter-se mudado de um paradigma em que os jovens que não encontravam emprego durante algum tempo consideravam emigrar e alargavam as geografias para as quais concorriam, para uma situação em que muitos jovens já no segundo ano do curso estão a pensar em emigrar. Uma situação reconhecida pelos empregadores estrangeiros que passaram a recrutar directamente em Portugal. A diferença entre as duas situações é que na primeira os melhores tenderiam a ficar em Portugal (pois eram os com maior probabilidade de conseguir empregos), enquanto na segunda poderemos cair numa situação em que os melhores começam logo por concorrer para ir para o estrangeiro. Em termos pessoais eu penso que a experiência de viver e trabalhar no estrangeiro é muito interessante e muito positiva, mesmo sem crise. Mas em termos económicos, a generalização desta atitude pode ser muito má para a economia portuguesa. Quanto aos soft skills, penso que não é um problema especifico dos jovens portugueses. Pode ser um problema de algumas instituições e empresas portuguesas que, ao contrário de muitas empresas estrangeiras, não têm previstas formas de lidar com o publico, e de treinar as pessoas nestes soft skills.
ResponderEliminarManuel Cabral, concordo em absoluto com o seu diagnóstico de mudança de paradigma, e até fiquei muito surpresa pois quando fui a Portugal em Setembro de 2014, pois vários jovens, filhos dos meus amigos, conversaram comigo e já têm planos ou pensamentos de sair de Portugal. Estamos a falar de crianças com 13, 16, e 17 anos, todos bons alunos, e de famílias com bons backgrounds. A forma como falavam de Portugal era, para mim, completamente surreal e eu sei o que é decidir sair, mas nunca tive uma impressão assim tão derrotista de Portugal como estas crianças já têm. Portugal está num grande sarilho.
EliminarSe esses jovens, que vão para o estrangeiro, conseguirem arranjar lá emprego, penso que isso refutará a ideia que tal se deverá a alguma deficiência da sua formação - afinal, se fosse esse o problema também se verificaria lá fora (a menos que, neste caso especifico, os sectores dominantes na economia portuguesa requeressem mais soft skills do que nos outros países, o que até pode não ser totalmente descabido).
ResponderEliminarDe qualquer maneira, não sei se o defeito português até não será soft skills a mais e hard skills a menos em vez de o oposto; mesmo os estereótipos populares (que valem o que valem) indicam nessa direção. Veja-se, p.ex.:
- a imagem do "português simpático", em contraste com tanto com a do "nórdico frio" como com a do "mediterrânico pronto a sacar da navalha"
- a aparente inclinação dos portugueses para o comércio (uma atividade muito dependente da facilidade de relacionamento)
- mesmo o famoso "desenrascanço", expressão que acho que costuma ser usada sobretudo como sinónimo de "à vontade em qualquer situação social" (e não tanto no sentido de capacidade de improvisação técnica, estilo McGyver)
Eu confesso que, de todos os povos, tenho menos experiência com os europeus do norte, mas a pouca que tive foi negativa. Por exemplo, trabalhei com uma pessoa alemã, que demonstrou ter falta de ética e ser profissionalmente incompetente. Sim, trabalhava depressa, mas o trabalho estava cheio de erros.
EliminarQuando fiz intercâmbio na universidade com uma universidade americana, um dos meus colegas no programa era austríaco. Estava sempre a faltar às aulas e a cravar-me os apontamentos. A única vez que eu lhe pedi apontamentos porque eu fiquei doente e faltei, ele não mos emprestou. Disse para eu ler o livro. No meu livro, isso chama-se falta de ética.
Há uns dois anos, colaborei com uma empresa holandesa que tinha uma app para fazer telefonemas e pediram-me a opinião de como penetrar nos EUA. Eu disse-lhes muito especificamente que o melhor mercado era o dos estudantes universitários internacionais. Disse-lhes como as universidades americanas funcionavam, como contactar esses estudantes, até fiz umas perguntas ao gestor do gabinete de relações internacionais de uma universidade com uma população estudantil internacional grande e dei-lhes as respostas. Dei instruções claras de como lidar com americanos--o americanos não gostam de perder tempo. Se a pessoa escreve um email longo, ainda por cima com a informação mais importante ao fundo, ninguém lê. A empresa não ouviu e claro que não está a expandir-se nos EUA.
Ter sensibilidade para outras culturas não me parece ser o forte dos europeus do norte.
Miguel Madeira, esqueci-me de dizer que o teu primeiro parágrafo é pensamento de econometrista: como é que se arranja uma maneira de testar a hipótese de que os jovens portugueses não têm soft skills. O teste é, realmente, que, se eles fossem assim tão "desqualificados" como algumas pessoas nos querem fazer crer, eles não conseguiriam arranjar emprego no estrangeiro. Pode-se contra-argumentar que há um enviesamento de selecção ("selection bias"), pois muitos desses jovens auto-seleccionam-se para ir para o estrangeiro, logo pode ser que tenham um espírito aventureiro e gostem do desconhecido e não sejam representativos dos que escolhem ficar em Portugal; mas, mesmo assim, as empresas estrangeiras também vêm a Portugal recrutar jovens que estão cá dentro, o que diminui o efeito do aventureiro, e conseguem encontrar pessoal qualificado.
EliminarAcho que, a haver falta de alguém, seria mais para o lado da maneira como as empresas nacionais são geridas e da enorme burocracia e carga fiscal impostas pelo estado português, do que da qualificação dos jovens. Mas, como eu indiquei, o problema é que nós precisamos que as empresas criem mais empregos. Formar mais jovens não aumenta o número de empregos disponíveis. O nosso problema é mesmo um de criação de empregos; não é de falta de empregados.