quinta-feira, 9 de abril de 2015

A propósito dos "doutorados descamisados"

Há tempos o Nuno Jerónimo enviou-me este artigo de "The Economist": The disposable academics: why doing a PhD is often a waste of time.
Os “doutorados descamisados” não são nenhum exclusivo nacional. Bem pelo contrário. A seguir à II Guerra Mundial, os EUA começaram a formar grandes quantidades de doutorados. A Europa não tardou a seguir-lhe o exemplo. Com o tempo, gerou-se um excesso de oferta. Por exemplo, entre 2005 e 2009, os EUA formaram 100 mil doutorados, mas apenas foram criadas 16 mil vagas nas universidades para professores a tempo inteiro. Em 2007, para o Canadá, esses valores foram, respectivamente,  4800 e 2616. Neste momento, apenas os países em vias de desenvolvimento ou emergentes, como o Brasil e a China, têm mais procura do que oferta de doutorados.
Na investigação, a história é semelhante. No Canadá, 80% dos pós-docs ganha menos do que um empregado de construção civil.
Mas o problema não começou ontem. Nos anos 1960, com a corrida ao espaço, muita gente nos EUA achou que era bom investimento fazer um doutoramento em física. Veio, entretanto, a crise no início dos anos 1970. Resultado? Os EUA, de repente, tinham 5 mil doutorados em física “a mais”. Muitos acabaram a trabalhar em áreas que nada tinham a ver com a sua formação. Muitas “mentes brilhantes” tornam-se assim um desperdício por mudanças bruscas e inesperadas das circunstâncias ou das modas.
Na verdade, às universidades interessa manter este exército de doutorandos e pós-docs. São baratos, bastante motivados, descartáveis e permitem-lhes aumentar substancialmente a investigação.
Muitos argumentam que, mesmo assim, mesmo com este excesso de oferta, vale sempre a pena continuar a formar doutores a grande ritmo. Dizem eles que muitos podem encontrar trabalho nas empresas, em investigação industrial, por exemplo. Isto é verdade. Mas as taxas de desistência sugerem que muitos doutorandos desanimam e desesperam pelo caminho. Nos EUA, apenas 57% acaba o doutoramento 10 anos após a sua primeira inscrição. Nas humanidades, em que regra geral os estudantes assumem a totalidade das despesas, esse valor desce para os 49%. Estudos mostram que os que acabam o doutoramento não são mais inteligentes do que os que desistem – maus orientadores, más perspectivas de emprego e falta de dinheiro são as principais causas de desistência.
Mas os doutorados que arranjam emprego também podem não se safar assim tão bem. Um estudo da OCDE mostra que, cinco anos após o fim do seu doutoramento, mais de 60% dos doutorados da Eslováquia e mais de 45% na Bélgica, República Checa, Alemanha e Espanha continuam com contratos a prazo. Muitos eram pós-docs. 
Verdade que uma percentagem significativa dos estudantes de doutoramento diz que estuda apenas pelo prazer de estudar em si. Mas também é verdade que as pessoas com qualificações a mais para o seu emprego têm maior probabilidade de se sentir frustradas, tornando-se, em consequência, menos produtivas.
Há quem diga, nomeadamente académicos, que este aumento drástico de doutorados é sempre bom para a sociedade. O conhecimento  gerado pelas universidades alastra à sociedade, tornando-a mais produtiva e saudável. Isto até pode ser verdade, mas fazer um doutoramento nem sempre é uma boa opção individual, e é importante que as pessoas tenham consciência disso. 

5 comentários:

  1. Eu concordo contigo. Ter um doutoramento reduz significativamente o número de empregos para os quais nos consideram. E, a maior parte das vezes, o aumento de salário não compensa do custo adicional de tempo e dinheiro. É estranho, mas a sociedade pensa que, tirando um doutoramento, ficamos especializados demais e acabamos por ser menos úteis do que quem tem uma licenciatura ou um mestrado. Em vez de ficarmos melhor, emburrecemos.

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    1. E a sociedade não terá razão nessa afirmação? Para mim, ter um Doutoramento é principalmente a prova de que não sendo completamente estupido uma pessoa pode focar-se durante vários anos apenas num assunto e avançar um pouco nesse estudo. Não me parece que fora da universidade existam muitas aplicações diretas para essa capacidade, e durante o tempo em que o aluno está envolvido nesse trabalho não só não aprende capacidades mais "vendáveis" como integrar-se em grupos, como se tiver essas capacidades provavelmente vai ter mais dificuldade em se tornar o maior perito mundial numa micro-área (o que é, convenhamos, o principal objetivo de um doutoramento).

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    2. Não concordo inteiramente. Depende muito da área em que a pessoa escolhe fazer o doutoramento. E o que é vendável muda de ano para ano...

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  2. doutores descamisados da cunha

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  3. Na minha opinião, possuir um douturamento vale tanto como uma "sande de nada com molho de coisa nenhuma". A maioria dos individuos com um douturamento são gajos sem coragem para contribuir para a sociedade. Uma coisa é não sair da zona de conforto e continuar a contribuir para o engrossamento dos manuais (com chouriça), outra é ter tomates para contribuir realmente para o bem-estar geral das pessoas.
    Livros mais grossos não geram crescimento económico, nem tiram as pessoas da miséria.

    PS: O Rui Quinta também tem um douturamento.
    PS2: Ele foi despedido passado alguns meses.

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