"Quando vejo o estado em que está a nossa floresta e vejo os proprietários e os autarcas das zonas de pinhal interior a queixarem-se de falta de mão-de-obra para a manutenção do pinhal, [e vejo que] está aqui tanta população habituada a trabalho agrícola, tanta população com capacidade de trabalhar nesta floresta, [pergunto:] Porque é que não criamos aqui uma grande oportunidade de recuperar um património que temos abandonado, uma nova oportunidade de vida para estas pessoas?"
Imediatamente, caiu o Carmo e a Trindade em cima do homem. Mas achei curiosa a maneira como caiu. Pelo que li no Facebook e pela forma como os jornais portugueses apresentaram a notícia, depreendi que trabalhar na agricultura, nomeadamente na limpeza de florestas, é um trabalho inferior, quiçá o equivalente à escravatura. Os refugiados merecem mais do que isso, dizem-me.
Como eu gosto de agricultura e respeito as pessoas que se dedicam a essa actividade, não levei muito a mal que ele tenha sugerido a ideia; levei mais a mal a reacção à ideia. O mais interessante de tudo isto até é o que não foi dito e no qual eu me entretive a pensar nos últimos dias.
O Bom
António Costa tem razão. Se vamos aceitar refugiados, o povo português tem de comprometer-se a ter um plano de vida digno para estas pessoas. Acharia extremamente insensível aceitá-los e depois ostracizá-los ou condená-los a viverem de esmolas. É lógico que Portugal, da forma como é actualmente gerido, não tem recursos suficientes para absorver o custo dos refugiados sem ter contrapartidas em troca. Para além disso, as contrapartidas também permitiriam a Portugal ajudar mais pessoas refugiadas. Uma situação em que tanto os portugueses, como os refugiados, ganhassem seria o ideal.
O Mau
Costa também tem razão ao dizer que as florestas precisam de ser cuidadas e são um recurso mal gerido; mas quem se interessa pelo tópico da agricultura deve saber que a má gestão das florestas tem também uma componente institucional e o PS, que é um dos partidos que esteve mais tempo no poder, tem responsabilidade parcial pelo problema.
Num país com taxa de desemprego alta, especialmente de jovens, faz sentido haver áreas da economia com falta de mão-de-obra? Numa economia de mercado, presumindo mobilidade laboral, isto só acontece se as qualificações da mão-de-obra disponível não são adequadas aos sectores onde há necessidade de mão-de-obra. Pergunto-me porque é que há desempregados que não querem trabalhar na manutenção de florestas? Será que é preciso ter uma qualificação tão elevada que ninguém lá consiga trabalhar? Ou será porque é um trabalho duro? Mas trabalhar na construção civil também é duro e Portugal tem facilidade em desenvolver políticas que incentivam a construção de prédios e obras para os quais não há um mercado. Se bem me recordo, essas políticas de incentivo à construção civil até são um dos pontos que António Costa quer implementar quando, e se, for Primeiro-Ministro.
Quando eu penso na Síria, não penso em agricultura, logo não entendo muito bem como é que António Costa deduz que os refugiados sírios são craques na área. Achei, no entanto, curioso que ele não tivesse sugerido que os sírios que tenham formação em medicina, por exemplo, fossem encaminhados para zonas do país que tivessem falta de médicos, depois de devidamente acreditados, claro está. Ou será essa omissão uma admissão implícita de que os sindicatos nunca permitiriam tal coisa?
O Costa
António Costa, que iria ser um líder seguro (sim, o meu trocadilho é propositado) do PS, revela o pior que o PS tem. Em primeiro lugar, exibe uma completa falta de noção da proporção do problema. Ajudar refugiados é tirar uma gota de um balde que transborda debaixo de uma torneira aberta.
Depois, esta coisa de delinear uma estratégia de governação através de medidas avulsas--isto é mais uma medida avulsa a juntar às outras 67 que já nos ofereceram--, sem sequer pensar no rumo que se quer dar ao país, é incompreensível. Eu compreenderia que se dissesse uma coisa deste tipo numa sessão de brainstorming, onde se atiram ideias ao calhas e depois se delineiam estratégias mais estruturadas, essas, sim, apresentáveis ao eleitorado.
Mas não é isso que se pede de um líder: a um líder pede-se que nos mostre o caminho que vamos seguir; não se pede que identifique a próxima pedra que vamos pisar. Um líder a sério teria dito qualquer coisa como:
"Portugal terá muito gosto em receber refugiados e a ajudá-los a construir uma vida digna; no entanto, só na Síria, há mais de 12 milhões de pessoas a necessitar auxílio. É impossível resolver o problema apenas oferecendo o estatuto de refugiado a alguns sortudos. A solução principal, e a mais promissora, tem de ser diplomática para que possa abranger o maior número de pessoas. O PS, como partido da oposição, compromete-se a trabalhar com o governo para que a UE tome medidas que contribuam para a resolução do conflito na Síria, ou pelo menos para a mitigação do sofrimento humano, e os cidadãos sírios tenham a oportunidade de regressar ao seu país."
Os tudologos, que vivem a volta do umbigo, só acham razoavel empregos em escritorios!! Temos que lhes dar um grande desconto
ResponderEliminarTrabalhar na floresta é, por regra, um trabalho pesado. Mas a floresta também ocupa pessoas em trabalhos leves, alguns até muito exigentes, do ponto de vista técnico.
ResponderEliminarUma coisa é certa, trabalhar na floresta com meios modernos, exige preparação profissional cuidada - basta pensar na grande variedade de equipamentos/máquinas que utiliza, algumas de grandes dimensões. mas serás sempre uma actividade de elevado valor económico, mesmo que se limite a fazer unicamente a limpeza das florestas, sem quaisquer aproveitamento do material lenhoso e apenas como forma de prevenção de incêndios.
Aproveito para lhe dizer que gostei deste seu post.