No seu “The Power Elite”,
publicado em 1956, C. W. Mills conta-nos que, nessa época, nos EUA, apenas 9%
dos muitos ricos tinham origem em famílias de classes inferiores - em famílias
com dinheiro suficiente apenas para atender às necessidades essenciais e, por
vezes, pequenos confortos. A contribuição da classe média para os muito ricos manteve-se
estável desde os finais do século XIX. Na geração de 1900, forneceu dois nomes
em dez; em 1925, três; em 1950, novamente dois. Mas as contribuições das
classes superior e inferior inverteram-se acentuadamente.
Em meados do século XX,
nos EUA, tornava-se cada vez mais difícil ganhar e acumular dinheiro suficiente
para conseguir chegar ao topo. Não era comum, e não foi nunca um facto
predominante, acumular prudentemente até chegar ao topo, num arrastar-se lento,
burocrático. Era difícil subir ao alto, e muitos dos que tentavam caiam a meio
do caminho. É muito mais fácil e mais seguro nascer no alto, dizia Mills.
Mesmo no final do
século XIX, em que se alimentou o mito do self-made-man,
39% dos muitos ricos provinham da classe superior - em percentagem igual à classe
inferior. Na geração de 1925, a percentagem da classe inferior reduziu-se para
12% e em 1950 para 9%. As classes superiores, por outro lado, contribuíram com
56% em 1925 e com 68% em 1950. A realidade e a tendência são de que o
recrutamento se faça na classe superior, concluía Mills.
Segundo Mills, a
carreira económica dos muito ricos não foi nem "empreendedora" nem
"burocrática". "Empreendedor" e "burocrata" são
palavras da classe média, tendo conotações de classe média. O burguês sóbrio,
fundador de uma pequena empresa, a expansão gradual dos seus negócios sob
cuidadosa vigilância até se tornar uma grande empresa americana, não
proporcionava, segundo Mills, um quadro real dos fundadores de fortunas nos altos níveis.
O empreendedor, na
imagem clássica, deveria correr riscos, não apenas com o seu dinheiro,
como com a sua própria carreira; mas dado o “grande salto”, habitualmente não
precisa de correr sérios riscos, pois começa a desfrutar da "acumulação de
vantagens" que levam à grande fortuna. Se houver algum risco, são os outros que
o correm. Por exemplo, quanto mais se tem, maior o crédito - as oportunidades de
usar o dinheiro dos outros - e portanto menor o risco necessário para acumular
mais e mais dinheiro.
A manipulação de
títulos e um jogo legal bastante rápido são as principais chaves do êxito
desses “saltos empreendedores”. Graças a tais recursos, alguns indivíduos atingiram
posições que representam uma acumulação de vantagens - mesmo os que aparentemente se elevaram lentamente
na hierarquia das empresas, raramente subiram graças ao seu talento
na administração de negócios; regra geral, o talento que revelaram foi o de
advogado ou - mais raramente - de inventor industrial.
O principal facto
económico sobre os muito ricos é essa acumulação de vantagens: os que tem
grande riqueza ocupam uma série de posições estratégicas para fazê-la render
ainda mais. A acumulação de
vantagens, no seu auge, é paralela ao círculo vicioso da pobreza, no fim da
escala. Uma série de êxitos estimula a ambição enérgica; pequenos fracassos
sucessivos abatem o ânimo da vontade de vencer.
Estas conclusões são de meados dos anos 1950. Hoje, nos EUA, é de
certeza ainda mais difícil, no espaço de uma vida, fazer uma fortuna vindo de
baixo. É por isso que não posso deixar de ver com um certo asco o discurso sobre os “vencedores”
e os “empreendedores” (a tal palavra que a classe média gosta tanto, como dizia
Mills há 60 anos) de Donald Trump, um homem que herdou uma fortuna de 200
milhões. Como diz um velho ditado, o mais difícil é ganhar o primeiro milhão.
Eu gosto do Trump essencialmente por um motivo: é um espelho onde o pior da América se pode rever. O Partido Republicano tem de ser confrontado com os valores que tem defendido. Se o Trump é o instrumento que vai fazer isso, "so be it!"
ResponderEliminarCaro JCA,
ResponderEliminarNem mais e parece-me evidente se se pensar um pouco. Um miúdo filho de um pai rico, que resolva começar um negócio, tem sempre inúmeras vantagens face à "concorrência" e não estou a falar de dinheiro. Vamos admitir que o pai não lhe empresta dinheiro e não avaliza (ou avaliza de forma limitada) empréstimos de terceiros:
- A empresa tem "à partida" uma rede de contactos e conhecimentos que as outras não têm. Seja por amizade (do próprio ou dos pais) ou família, é-lhe fácil entrar nas empresas de maior porte e capital (e, em consequência, mais dispostas a "experimentalismos") por cima.
- Os bancos, mesmo sem avais formais, apostam na capacidade da família socorrer o "empreendedor" em caso de desaire. Sentem-se igualmente forçados a dar melhores condições, não vá isso afectar os negócios mais chorudos que têm com a restante família.
- Em caso de entraves burocráticos, o acesso ao poder político é mais facilitado e daí a rapidez de resposta dos serviços públicos. E estou a falar de procedimentos absolutamente legais.
- Finalmente (e sem alongar muito a lista), o nome pesa. Como há 500 anos, ser "filho d'algo", ter o nome na empresa (uma espécie de brasão democrático) inspira admiração e confiança. E as pessoas gostam muito de afagar o ego e dizer que fazem negócios com gente importante (ou filhos destes...)
Caro Carlos Duarte
EliminarA tal "acumulação de vantagens" de que falava C. W. Mills são exactamente do tipo das que o Carlos descreve. O post estava a ficar grande e por isso não as descrevi, mas ainda bem que o fez, porque o texto ficou assim mais completo e claro - percebi isso depois de ter relido o post.