11. Gregório de Tours, bispo, começa a sua História dos Francos de forma memorável e rigorosa, dizendo, estão sempre a acontecer muitas coisas, algumas delas boas, outras más.
Que melhor maneira de começar, quando aquilo que se vai descrever faz correr tanto sangue. Anuncia que, entre confrontos reais e batalhas eclesiásticas de variada, mas sempre generosa, violência, haverá alívios optimistas, e que nem todos os corpos chegarão estropiados aos céus. Desde logo, escreve categoricamente que, depois de mortos, os corpos dos santos recusam apodrecer e exalam um doce perfume. Mas, desconfiemos, ainda que não cheguem podres às alturas, os corpos dos santos não se livram de chegar desfeitos, a julgar pelos martírios minuciosos da época. Desde que não cheirem mal, nem lhes sejam cortados curtos os cabelos compridos. E posta a confusão entre ser santo e possuir um estandarte, não há a certa altura quem distinga martírios de homicídios, e também estes, sendo aqueles, não podem ser afinal coisas más. Lutas ferozes entre reis, rainhas, bispos e abadessas, de nomes romanos barbarizados e nomes bárbaros sem romanidade especial, Desiderius, Mummolus, Fredegardo, Guntrão, Leudegesil, Égila, Gundoaldo, Gildeberto, Chariberto, Brunegilde, Fredegunda, atiram-se uns aos outros de precipícios e torreões, torturam-se, fazem-se despedaçar por cavalos selvagens e estraçalhar por cães, cortam-se mãos, orelhas e narizes, asfixiam-se até saltarem olhos das órbitas e línguas das bocas e os dentes que ainda lhes restarem. Clóvis tinha por hábito cortar pessoas a meio com o seu machado quando elas menos esperavam. Nos conventos estalavam revoltas lideradas por princesas francas, e não se pense que empregavam nelas cânticos e fios de ovos. As duquesas partem os pescoços às filhas que lhes lembram as origens humildes. As baronesas são exibidas sobre camelos pelo meio das casernas. Até os santos exercem as suas vinganças póstumas. Coisas boas e coisas más, não se pode dizer de Gregório que não cumpre o que promete, nem dos factos também. Estão sempre a acontecer muitas coisas.
Muito bom.
ResponderEliminarMuito muito bom
ResponderEliminarMuitíssimo obrigada!
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