17. Pediu-lhe encarecidamente que deixasse. Que desse autorização. Que permitisse. Muito lhe rogou. Ofereceu-lhe os seus préstimos durante os próximos cinquenta anos, sem arrependimento nem interrupção.
Levou-lhe o cura, para que intercedesse. O magistrado. O banqueiro. A professora primária. Em último e desesperado recurso, prometeu-lhe dinheiro. Mas nada. Considerou desistir, agora que lhe faltavam meios. Mas descobriu, submerso na sua banheira, que havia um recurso ainda mais último do que o suborno venal da vontade. Ia assombrá-la. Não seria preciso recorrer a truques, tal era o aspecto emaciado e exausto que a tentativa de convencê-la lhe dera. Estava quase transparente, e leve como uma pena. Facilmente seria confundido com uma aparição das profundezas, e conseguiria o seu fito pelo medo. Ou então como um mensageiro do Altíssimo, e venceria pela devoção. Para começar, experimentaria um parente falecido. Teria que se informar bem acerca deste, e dirigiu-se ao registo, para escolher um. Escolhido o morto, inteirou-se das datas em que tinha nascido e em que se tinha finado. Saiu do edifício do registo repetindo para si próprio os números. E procurou mais uma vez o cura, fonte ideal de informação sobre aqueles a quem baptizava e de quem ouvia o estertor derradeiro. O afortunado a quem daria oportunidade de ressurreição mostrou ser um indivíduo excêntrico. Usara em vivo um chapéu com um laço e umas meias verdes. Praticara culturismo, sempre sem tirar o chapéu, mas tendo morrido tuberculoso não seria preciso arranjar músculos para encarná-lo. Como nunca tirava o chapéu, não se lhe conhecia a cor do cabelo, mas o cura tinha a memória de um tufo de cabelo ruivo adornando o topo do crânio do infante aquando do baptismo. Era assim meticuloso na preparação do fantasma, já que não seria necessário tomar providências em relação ao cabelo quando o outro usava sempre chapéu. Só era preciso usar chapéu, e não esquecer de não o tirar da cabeça. Ia custar-lhe, porque fora educado para tirar o chapéu às senhoras. Mas não estava para além das suas forças consegui-lo e por isso não desanimou. Planeou cuidadosamente a aparição. Seria no topo da escada, já depois da meia-noite, uma vez estragados os fusíveis. Havia uma escada para subir, assegurou-se, e um hábito de subi-la depois da meia noite, garantiu-lhe um vizinho dela que sofria de insónia. E lá foi, numa sexta-feira tormentosa de raios e trovões, de bátegas de chuva batendo como chicotes nas janelas. Sem a luz das lâmpadas, subia ela a escada com uma vela, quando ele, fazendo uma voz cava, disse ao que vinha, imperioso. Só que ela à ordem do espírito respondeu desta maneira. Isso é que era bom.
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