41. D. Violante vestia sempre de preto. Sapatos pretos, meias pretas, saia preta, blusa e casaco pretos. Também pintava de preto os cabelos e segurava pela alça uma malinha preta onde guardava o porta-moedas preto e a única coisa branca que, ao que parece, usava, um lenço debruado com uma barra de crochet e dobrado em triângulo. Até o terço que também guardava na malinha tinha contas pretas. Quando era pequenina e ainda não precisava de pintar o cabelo e ainda era só Violante e todos lhe chamavam Lalá, vestia-se de branco da cabeça aos pés. Em dias especiais usava uma fita larga de cetim cor-de-rosa à cintura. Em dias ainda mais especiais, usava laços do mesmo cetim no cabelo. Lalá, cuidado com o vestido, ouvia assim que dava um passo mais rápido. Não havia então nada pior do que sujar com terra o vestido, ou com o verde da erva que custava tanto a tirar. Passou, por isso, grande parte desse tempo imóvel, em pé, e com um terror de entornar sobre a roupa o mel das torradas, ou de manchá-la com o chocolate do bolo. Foi das primeiras coisas a cortar da sua dieta, as sobremesas a transbordar de cremes que ameaçavam as rendas brancas das suas camisas. Quando chegou a altura em que já ficava estranha vestida toda de branco, passou a usar cinzento claro. As fitas dos dias especiais e muito especiais foram trocadas por pequenos raminhos de flores lilás presos na lapela da blusa. Também passou a ser a Menina Violante em vez da Lalá, e a passar grande parte do tempo sentada em vez de ficar de pé. Desistira, entretanto, dos molhos, já que o cinzento claro também era fácil de manchar, e comia pêssegos com o maior cuidado, partidos em cubos muito pequeninos, não fosse uma dentada fazer escorrer pelo queixo até à gola o sumo cheio de açúcar. A seu tempo desistira também da fruta, o mesmo tempo em que mudara para cinzento escuro as saias, as blusas, os vestidos e até mesmo os sapatos. Nos dias especiais e muito especiais usava um par de luvas cor de pérola que tinha que manter a salvo das manchas do chá e das nódoas da manteiga. Desistiu também destes alimentos e à medida que ia escurecendo o cinzento da roupa, ia ficando mais seco o pão que comia e mais insípida a água com que se bastava. No dia em que o vestido atingiu o negro mais retinto, pintou o cabelo e retirou da gaveta o terço de contas pretas. Mexia-se agora mais, porque todos os dias assistia a uma missa e visitava o cemitério nos dias especiais e muito especiais. Quando foram buscá-la porque chegara a sua hora de ocupar uma campa, acharam os carregadores a sua mortalha pesada. Mas não foi suficiente a curiosidade para se perguntarem porquê, nem para espreitarem dentro dos armários, das arcas, dos roupeiros e até debaixo da cama, onde D. Violante guardava bolas de Berlim, mousses, pastéis, pudins, tortas, bolos, tartes, chocolates, compotas, profiteroles, rebuçados, bombons, pastilhas de açúcar, em assombrosas quantidades e milagrosa variedade. É como se costuma dizer, o preto emagrece.
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