A gestão ruinosa do sector bancário ocupa um lugar central na explicação da crise que afecta a economia portuguesa desde 2001. A estratégia de desenvolvimento do país das últimas décadas assentou na adesão ao euro, que garantiria o acesso aos mercados financeiros internacionais. O crédito que chegaria por essa via financiaria o investimento que transformaria a estrutura da economia portuguesa. O crédito chegou a rodos. A transformação estrutural, pelo menos a que se esperava, não.
O nosso sistema financeiro foi um eficaz intermediário na concessão de crédito às famílias, às empresas e ao Estado. Aquela eficácia permitiu que entre meados dos anos 90 e o início da crise financeira internacional - um período em que o crescimento do endividamento batia recordes em todo o mundo - a economia portuguesa tivesse uma das maiores taxas de crescimento do endividamento. Esse feito, de que todos beneficiámos numa determinada fase, levou-nos a considerar o nosso sector bancário como um dos melhores do mundo.
Mas se os bancos foram bem-sucedidos no seu papel de intermediação – canalizando as poupanças do exterior para a economia portuguesa – falharam rotundamente na afectação do crédito. O crédito foi direccionado na sua quase totalidade para os sectores não transaccionáveis, com a construção e o imobiliário à cabeça. Muito endividamento a financiar investimentos de baixo retorno conduziu à estagnação da economia portuguesa. Se os erros dos anos 90 podem ser compreendidos ou justificados, a persistência no erro até à intervenção da troika é mais difícil de explicar.
E só se consegue explicar pelas relações imbricadas entre o poder político, o sistema bancário e os grandes beneficiários do crédito. Estas relações têm a sua origem nas privatizações e na utilização que o Estado fez do maior banco do sistema: a Caixa Geral de Depósitos.
A falência do sistema bancário representa a falência da estratégia de desenvolvimento seguida pela economia portuguesa nas últimas décadas. Para sairmos deste buraco temos de perceber o que falhou.
Totalmente de acordo.
ResponderEliminar"Se os erros dos anos 90 podem ser compreendidos ou justificados, a persistência no erro até à intervenção da troika é mais difícil de explicar.
ResponderEliminarE só se consegue explicar pelas relações imbricadas entre o poder político, o sistema bancário e os grandes beneficiários do crédito."
Não poderá ser explicado de outra maneira? Simplesmente assumindo que o investimento nos sectores não-transacionáveis era mais lucrativo, e que os bancos emprestaram mais para esse sector por uma decisão racional (que pode ter sido má para a economia no seu toda, mas que era a mais correcta do ponto de vista do gestor de balcão que decidia os empréstimos) e não por quaisquer pressões obscuras?
Isso no fundo é uma variante de um assunto que já tenho falado (i.e., escrito) algumas vezes: a "não-transacionavelização" da economia portuguesa foi motivada pela oferta (como a banca a emprestar preferencialmente ao sector não-transacionável, ou as pessoas preferirem trabalhar nos serviços em vez de iram para a agricultura ou a indústria) ou pela procura? Creio que os preços nessa altura subiram mais no sector não-transácionavel que no transacionável, o que é um indício (com todas as objeções que se possam fazer ao uso dos preços como indicador válido em economias fortemente reguladas) que a pressão veio sobretudo da procura.
É verdade que no caso da banca e da construção civil, o efeito era duplo, já que a banca estimulava tanto a oferta (emprestando aos construtores) como a procura (emprestando aos compradores).
Completamente de acordo, Fernando. Aliás, um bom indicar é o PSI-20. Que empresas o integram?
ResponderEliminarCaro Miguel, penso que é fácil sustentar com factos a minha teoria: do crédito à habitação bonificado (o Estado a estimular a procura e a financiar a banca, que financiava a construção...) às PPPs. O problema da análise das causas da nossa longa estagnação é, como em muitos casos, o excesso de ideologia e a falta de atenção aos factos. Uns culpam o Estado e ignoram os erros dos privados. Outros culpam os privados e ignoram a responsabilidade do Estado. Ora, o que eu defendo há muito tempo é que o endividamento privado foi magnificado pelo endividamento público e pelas políticas económicas seguidas. Por exemplo, deve ter reparado que o endividamento da empresas dispara a seguir a 2006... Voltarei ao tema.
ResponderEliminarNum regime com instituições independentes, nenhuma estratégia governamental pode contrariar os efeitos nocivos de uma política monetária mal calculada pelos bancos centrais (ou uma arquitectura cambial que os deixe de mãos atadas).
ResponderEliminarNG - essa era mais uma boa razão para o Estado português, por vias muito diversas, não incentivar ainda mais o endividamento (dele próprio e o privado).
ResponderEliminarFA, Quem é que não se endivida com o dinheiro ao preço da chuva? Em que parte do mundo ou da história?
ResponderEliminarQuem não pode - isto das dívidas tem sempre dois intervenientes: devedor e credor. Um dos problemas desta crise é que aos credores que, irresponsavelmente, emprestaram dinheiro a países mais que endividados e esclerosados economicamente, não lhes aconteceu nada. Os respectivos Estados nacionalizaram as dívidas.
EliminarNG, como tenho dito, o nosso caso tem várias singularidades, mesmo entre os resgatados. Fomos dos países do mundo em que o endividamento mais cresceu, num período em que o endividamento cresceu como nunca tinha crescido em outra época, e deixámos de crescer em 2001. Apesar do percurso seguido, e seguindo a onda internacional (a que era praticamente impossível escapar), houve algumas vozes a avisar desde o ano 2000 para os riscos do endividamento. Mas de facto, como alguém me dizia no outro dia, noutros países desde a primeira hora que se procuraram tomar medidas e se enfrentou a crise de frente, em Portugal ainda andamos de volta da questão se a crise podia ter sido evitada. Uma questão que, apesar de tudo, interessa a muita gente...
ResponderEliminarEstimado FA, deixei-lhe esta pergunta num post antigo:
ResponderEliminar"Humilde pergunta de um leigo na matéria: Como se pode dizer que a economia do país não cresceu se o PIB, em 2000, era inferior a 120 mil milhões de dólares e ultrapassou 220 mil milhões de dólares em 2014? E como comparar esse período com os 40 anos anteriores, quando o PIB valia, em 1960, menos de 4 mil milhões de dólares?"
(fonte Banco Mundial, via Tradineconomics).
O LAC contestou com algumas estatísticas AMECO e com o efeito da inflação que não me deixaram esclarecido.
Tem fontes fidedignas que contrariam este gráfico? O que nele está errado?
http://cdn.tradingeconomics.com/charts/portugal-gdp.png?s=wgdpport&v=201511231000m&d1=20000101&d2=20090101
Ou o chavão "década perdida" é mais um soundbyte a servir uma retórica partidária de conveniência? Agradeço que me ajude a pensar que não é assim.
Sem prejuízo de achar que, na falta de ferramentas monetárias, medidas macroprudenciais tomadas pelo(s) Bancos Centrais(s) na altura devida teriam sido mais eficazes a pôr rédea no crédito do que qualquer iniciativa governamental. Só que quando deveriam ter sido adoptadas, essas políticas eram consideradas coisa de terceiro mundo. Foram aplicadas depois do mal estar feito; outra facada para alguns bancos sangrarem mais depressa.
Em vez de fazer em dólares, calcule o PIB de Portugal com a moeda do Perú, penso que se chama Novo Sol, ou um nome assim engraçado. Assim, o cálculo é igualmente inútil, mas ao menos é mais engraçado.
EliminarEscolha a moeda que quiser. O que é válido para o período 2000 - pico da crise financeira global é válido para dessa data até agora.
Eliminarhttp://www.pordata.pt/Portugal/PIB+e+PIB+per+capita+a+pre%C3%A7os+constantes+(base+2011)-2953
EliminarMuito bem. Utilizando o mesmo critério que serve à publicação de dados de diferentes países, no Pordata, pelo Sistema Europeu de Contas, verifica-se que Portugal cresceu a um ritmo muito superior à média dos países da zona Euro. Ou não?
EliminarNG se avaliar o PIB português meticais (moeda em forte perda de valor face ao euro) vai ver que ele está a aumentar ainda mais do que em dólares. Não me tinha apercebido que não tinha os conhecimentos de economia do leitor típico da Destreza. Mas não tenho tempo para ajudar a resolver esse problema. Hoje em dia há bons tutoriais na net.
ResponderEliminarFA, da falta de categoria intelectual e técnica para acompanhar o nível médio dos leitores deste blog eu avisei e, por isso, esperava alguma caridade. Mas não fiquei esclarecido. Moçambique não tem uma taxa de inflação comparável à dos EUA e da zona Euro. Porque é assim tão descabido comparar o crescimento de um país, com outros países e em diferentes períodos, na moeda que mais circula no mundo?
EliminarMas acho que nem avaliado em meticais o crescimento do PIB português na primeira década se distinguirá muito do observado nos restantes países do euro.
Eliminarhttp://cdn.tradingeconomics.com/charts/euro-area-gdp.png?s=wgdpeuro&v=201511231000m&d1=20000101&d2=20080101&url2=/portugal/gdp
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ResponderEliminarPORTUGAL
ResponderEliminarPIB 2001-2014 a preços 2011
(2.ª coluna)
PIB per capita (idem)
(3.ª coluna)
2001 169 934,1 16 398,6
2002 171 240,5 16 434,4
2003 169 640,8 16 219,9
2004 172 714,0 16 474,3
2005 174 038,3 16 569,8
2006 176 741,2 16 796,8
2007 181 145,6 17 181,7
2008 181 506,6 17 191,1
2009 176 101,2 16 663,2
2010 179 444,8 16 971,8
2011 176 166,6 16 686,3
2012 169 070,1 16 079,2
2013 167 159,4 15 985,0
2014 Pre 168 673,5 Pre 16 217,0
Fonte:
PORDATA e INE 16/Nov./2015
Há muitas estatísticas, Isidro
ResponderEliminarAnos
Produto Interno Bruto (Euro)
Euro - Milhões
PIB
Zona Euro (19 Países) Portugal
2000 7.032.387,6 128.466,3
2001 7.355.591,6 135.827,5
2002 7.608.871,3 142.631,4
2003 7.828.983,2 146.158,3
2004 8.163.461,3 152.371,6
2005 8.459.274,8 158.652,6
2006 8.903.916,5 166.248,7
2007 9.401.390,8 175.467,7
2008 9.634.224,9 178.872,6
2009 9.288.123,7 175.448,2
2010 9.544.572,1 179.929,8
Produto Interno Bruto (Euro)
Fontes de Dados: Eurostat | Institutos Nacionais de Estatística - Contas Nacionais Anuais
Fonte: PORDATA
Última actualização: 2015-12-11
PIB de acordo com o Sistema Europeu de Contas 2010.
"Há muitas estatísticas"
ResponderEliminar- Pois... As que eu mostrei, em sintonia com um postal pertinente e fundamentado, são comparáveis, a "preços constantes".
Certo. Agora, utilizando o mesmo critério, compare com a evolução do PIB da zona Euro, nesse período.
EliminarEstude... Se quiser!
EliminarEm que manual ou em que lugar encontro números a indicar de forma objectiva que o crescimento da economia portuguesa 2000 - 2008 não está alinhado com o observado no conjunto dos países da zona euro (ligeiramente superior no PIB nominal, ligeiramente inferior no PIB real)? Retórica a falar de década perdida arranjo-lhe quantos quiser.
ResponderEliminarNG (percebo porque não assina com nome verdadeiro...) na Universidade do Minho não estou habituado a lidar com alunos com tantas dificuldades de aprendizagem. Releia por favor o que lhe têm explicado aqui. Se não conseguir à segunda (que à primeira não deu), continue, continue, continue... Nem que seja ao fim de 500 vezes, tenho a certeza que há-de conseguir perceber.
ResponderEliminarFA, interessa-me mais o racional de um argumento do que o seu autor. A repetição ou os apelos à autoridade não favorecem a sua compreensão. Não estou habituado a lidar com tanta arrogância intelectual pelas universidades onde tenho passado. Quando encontro, normalmente, relaciono mais com presunção do que com abundância de conhecimentos. Mas sei de situações em que a genialidade se manifesta também pela arrogância. Certamente é este o caso. Pronto. Gastamos à tripa fôrra por culpa dos governos e não por culpa dos Bancos Centrais. A economia não cresceu (à nossa volta, todos os países cresceram muito). Não ganhamos uma infra-estrutura de primeiríssimo mundo na primeira década e os bancos não rebentaram por os cidadãos e empresas terem sido espremidos pelo exagero da ortodoxia que se lhe seguiu.
ResponderEliminarNota: Claro que houve exageros e asneiras. Trabalhei numa empresa que fechou porque, entre outras coisas, quando se dirigiu ao banco para reestruturar a sua dívida e reduzir os seus custos financeiros, lhe responderam que a sua prioridade era financiar auto-estradas e não PMEs.
"If you were not called "lazy" by at least one schoolteacher, you never got deep into anything."
ResponderEliminarNassim Nicholas Taleb