segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Da urgência da "fraternidade" - "Rouge" (1994)

Genebra, 1992. O último filme da trilogia das cores do realizador polaco Krzysztof Kieślowski e que, na verdade, foi a sua última produção (o cineasta morreria em 1996) é, na sequência do revisitar das três cores da bandeira francesa, às quais se associa o ideal também tríptico da Revolução de 1789, o que se exprime sobre a “fraternidade”.

Os laços humanos nesta sociedade pós-moderna são o mote para uma intensa trama psicológica em que a proximidade física e existencial entre pessoas, objectos e animais é, “malgré tout”, exaltada. Tal como o é o destino, essa “faída” entrelaçada e em que as histórias pessoais dos personagens se entrecruzam numa fotografia irrepreensível, com uma Irène Jacob deslumbrante em emoções e em capacidade quase camaleónica de se fundir nos espaços mais iluminados ou mais soturnos.

“Rouge” é uma reflexão pungente sobre a solidão, o “voyeurismo”, o conceito de verdade, as relações que perduram para a vida mesmo quando uma das partes decide não mais com ela prosseguir. Em todo este ciclo de Kieślowski somos nós que nos encontramos connosco mesmos, nas grandezas e fraquezas humanas. Nesta última parte, é a Amizade e não o Amor que nos salva de uma vida indigna, porque infeliz. 

E no desastre do ferry, em que os protagonistas de “Azul”, “Branco” e “Vermelho” se salvam, é a humanidade que vai condensada nesse mesmo salvamento, como que pretendendo mostrar a actualidade da liberdade, igualdade e fraternidade, o que não deixa de ser particularmente hodierno depois dos atentados em Paris e da esperada escalada da extrema-direita.

Mais de 20 anos depois, a mensagem do cineasta permanece actualíssima. Não podia ser de outro modo: a mole humana é a mesma, a solidariedade permanece, ainda que em tímidos acessos de quase loucura, a igualdade está por construir e a liberdade, essa, permanece como uma útil construção social.

O ciclo do realizador polaco devia integrar qualquer licenciatura. Aprende-se mais nele e com ele que em muitos manuais e “powerpoints”. E com as maravilhosas bandas sonoras de cada um dos filmes que o integram.

1 comentário:

  1. Vi o trailer e as imagens evocam uma influência de David Lynch, não sei se permanece no filme.

    ResponderEliminar

Não são permitidos comentários anónimos.