“Um
homem jovem, casado, pai de família, branco, urbano, do Norte, heterossexual,
protestante, de educação universitária, bem empregado, de bom aspecto, bom
peso, boa altura e com um sucesso recente nos desportos.” Segundo
Erving Goffman (1922-1982), este era o único tipo de homem na América dos anos
60 que não tinha nada que o pudesse envergonhar.
Partindo do pressuposto que são
poucos os que pertencem àquele tipo de homem, Goffmann conclui que todos nós
carregamos um estigma. Estigma é uma palavra inventada pelos gregos, para se
referirem a sinais corporais com os quais se procurava sinalizar alguma coisa
de extraordinário ou de mau sobre o status moral de quem os carregava. Os
sinais eram feitos com cortes ou fogo no corpo e avisavam que o portador era um
escravo, um criminoso ou um traidor. Mais tarde, foram acrescentados mais níveis
de metáfora ao termo original. Goffman considera três tipos de estigma: (1) as
deformações físicas; (2) as culpas de carácter individual (vontade fraca,
paixões tirânicas, crenças falsas e rígidas, desonestidade, sendo estas inferidas
a partir de comportamentos de distúrbio mental, prisão, alcoolismo, homossexualidade,
desemprego, tentativas de suicídio, comportamentos políticos radicais); (3) estigmas
de raça, nação e religião.
Em
todos estes três tipos de estigma – incluindo os que os gregos tinham em mente –
verifica-se o mesmo problema: um indivíduo que poderia ter sido
facilmente integrado e recebido nas relações sociais quotidianas possui um
traço que pode impor-se à atenção dos outros e afastá-los, destruindo as
possibilidades de atenção para outros atributos do “estigmatizado”.
Como
resultado, quando o estigma não é notório e há a possibilidade (mesmo que
remota) de o esconder, os estigmatizados esforçam-se por esconde-lo e
encobri-lo sempre que estão na presença dos “normais”. Os normais podem ser
estranhos ou pessoas próximas, como no caso do homossexual
que esconde as suas preferências sexuais da família e amigos.
O surdo, o cego,
o ex-doente mental, o ex-presidiário, o judeu, etc. fazem muitas vezes esforços
descomunais para parecer “normais” e serem reconhecidos como tal e,
assim, evitarem o isolamento ou o desprezo dos normais. Isto, como é evidente,
leva a que vivam num clima de permanente tensão, com o medo de a qualquer
momento serem apanhados em falso. E quase todos, repito, temos algures um estigma
qualquer que nos persegue – curiosamente, diz Goffman, muitas vezes os que se sentem estigmatizados numa coisa são ainda mais implacáveis com os estigmas dos
outros.
A
relação entre os estigmatizados e os “normais” nunca é fácil. Ninguém está à
vontade nas situações de contacto. A experiência mostra, todavia, uma coisa
positiva. Esse embaraço recíproco tende a diminuir. Com o tempo, ambos,
estigmatizados e normais, acabam por se acostumar com a situação e deixam de se
sentir tão incomodados com a presença e as diferenças do outro.
Não discordo da reflexão, mas atrevo-me a considerar: Será que há alguém efectivamente "normal"? Náo teremos todos os nossos estigmas e complexos, tentando escondê-los em nós, mas procurando-os nos outros? Como se precisassemos de uma validação "vês, até os outros têm as suas falhas"
ResponderEliminarÉ exactamente isso, Catarina. A falha é minhnão expliquei bem, mas "normal" e "estigmatizado" não são pessoas concretas em Goffman, são tipos ou categorias. Todos nós temos, de facto, um estigma qualquer e a tendência é escondê-lo para sermos aceites pelos outros. Isto levanta muitas questões. É melhor assumi-lo esse estigma? Devemos juntar-nos aos "nossos" ou aproximarmo-nos dos "normais", com o risco de sermos depois desprezados pelos nosso? A gestão e manipulação (como lhe chama Goffman) não é fácil, nem evidente, nem há consensos sobre isso. A única coisa boa é que o contacto regular entre normais e estigmatizados tende a diminuir o embaraço recíproco. Por exemplo, este sociólogo esteve vários meses a estudar os comportamentos em hospitais psiquiátricos e percebeu que com o tempo as pessoas "normais" tendem a saber lidar com mais naturalidade com os doentes, não apenas os médicos e enfermeiros, mas também as pessoas da comunidade ou cidade onde estava localizado o hospital.
Eliminarhttps://www.mathsisfun.com/data/images/normal-distrubution-large.gif
ResponderEliminarSim, se calhar essa é a melhor definição de "normalidade". Goffman apenas diz que são um conjunto de normas comummente aceites por uma sociedade, comunidade ou grupo e os "normais" são os que não se afastam ou desviam muito dessas normas. Somos todos normais e estigmatizados ao mesmo tempo, dependendo dos atributos em questão e, por isso, "normais" e "estigmatizados" mais do que pessoas concretas são tipos.
EliminarZé Carlos, eu não sei o que tomaste hoje, mas espero que tenhas muito mais na despensa. Gostei muito de te ler...
ResponderEliminarÉ uma interpretação muito interessante do funcionamento social e, se bem entendi os conceitos de estigma e normalidade em Erving Goffman, algo que vai mudando, abatendo estigmas e criando estigmas novos como o que, muito recentemente, foi descrito por uma advogada americana que decidiu mudar de vida e dar a sua visão sobre algumas mudanças no seu país, entre os fundadores e a actualidade, bem como nela mesma. Não é ciência, é apenas, e não pouco, uma descrição sublime da introspecção e da extroversão à la Jung.
ResponderEliminarSusan Cain - O poder dos introvertidos - TED Talk/Fev.º 2012
vídeo (19 minutos)
https://www.ted.com/talks/susan_cain_the_power_of_introverts?language=pt
Trancrição (2.979 palavras)
https://www.ted.com/talks/susan_cain_the_power_of_introverts/transcript?language=pt
Obrigado pelas suas sugestões, muito interessantes
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