quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

A fantasia varoufakiana

Os gregos sabiam que a polis, com a sua ênfase na acção e no discurso, só poderia sobreviver se o número de cidadãos permanecesse restrito. Um grande número de indivíduos, agrupados numa multidão, desenvolveria uma tendência quase irresistível para o despotismo, seja o despotismo pessoal ou o do governo da maioria. Até ao século XVIII, a democracia era apenas concebível em termos de uma cidade-estado. Entretanto, no século XIX, com o nascimento do Estado-nação, passou a associar-se democracia e nação. Mas os gregos não estavam enganados. A democracia pode resvalar facilmente para a demagogia e o despotismo e os grandes números aumentam esse risco.
No século XIX, já havia quem clamasse pelos Estados Unidos da Europa – por exemplo, o escritor francês Vitor Hugo. Esta ideia foi fazendo o seu caminho e levou-nos à actual União Europeia. Muitos queixam-se, com razão, das propensões antidemocráticas dos burocratas iluminados de Bruxelas. A desconfiança em relação a esta nomenclatura vai alastrando por essa Europa fora, e, como é evidente, acelera em situações de crise, quando “não há dinheiro”.
Solução? Varoufakis, na linha do filósofo alemão Habermas (um dos grandes gurus da esquerda), apareceu agora com um movimento pan-europeu que pretende lutar por uma maior democratização da Europa, seja lá o que isso for. Teoricamente, a ideia faz sentido. Na prática, é uma fantasia, eventualmente perigosa. Por um motivo simples: não existe um "povo europeu", ansioso pela democratização e disposto a lutar pelos “amanhãs que cantam”.

18 comentários:

  1. E entre a democratização e a desagregação, haverá a prazo outra alternativa?

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  2. Parece-me um pouco absurdo assumir que as sociedades europeias devem ser cosmopolitas e aceitadoras das diferenças (quando não mesmo multiculturais) e depois dizer que não pode existir uma polis europeia.

    Essa polis existe, mesmo que não seja homogénea, como não são homogéneas a maior parte das sociedades europeias (nem o é a sociedade americana).

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  3. Um amigo meu, um homem muito inteligente que trabalhou na administração belga, no Conselho da Europa, etc, disse-me um dia já lá vão mais de 20 anos: o caminho da Europa será o infra-nacional e o supra-nacional.

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  4. Porque diz que não há esse povo europeu? No Reino Unido poderá não existir mas no continente a maioria é pró europeia.

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    1. A mim parece-me evidente que não há, e é pena, um "demos europeu" e sem "demos" não há "demos-cracia". Ninguém se imagina europeu (fora, talvez, uma minoria cosmopolita que viaja pela Europa), mas sim português, francês, holandês, etc.. Não por acaso se fala tanto em "egoísmos nacionais", falta de solidariedade europeia, etc.. Há, desde logo, o problema da língua e, por exemplo, o programa Erasmus (uma boa ideia) falha um bocado por causa disso. A Europa não se pode comparar com os EUA, como faz o iv. A Europa tem uma história de séculos, de guerras, rivalidades, culturas, línguas diferentes e não se pode fazer tábua rasa de tudo isso e começar do zero como começaram os EUA há duzentos e poucos anos. Imaginemos um simples problema prático: Avançávamos para uma federação tipo EUA e elegíamos um presidente dos Estados Unidos da Europa. Em que língua se fazia a campanha eleitoral? Como é que um sueco fazia campanha em Portugal, por exemplo?

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    2. Será muito mais dificil do que, p.ex., um marata fazer campanha em Tamil Nadu?

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    3. Claro que para o meu exemplo, dava jeito que a Europa tivesse sido ocupada por um potência não-europeia e tivessem travado uma campanha comum pela independência (e que mesmo depois disso a Europa católica e a Europa protestante tivessem criado países separados, eventualmente com um estado protestante independente na Hungria oriental criado com o apoio de uma intervenção militar da Europa católica contra o resto da Europa protestante).

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  5. Para ajudar à discussão:

    http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2393298

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    1. O mais parecido que temos é o Império Austro-Húngaro que terminou com a I Guerra Mundial - aliás, foi também aí que começou a guerra. Havia várias nacionalidades e penso que sete línguas oficiais (atenção, não tenho a certeza deste valor, e não me apetece ir agora confirmá-lo). Mas era um império.

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    2. E a India? É verdade que os indianos se consideram todos indianos, mas falam línguas diferentes (e de diferentes famílias linguisticas - as línguas do norte da India são provavelmente mais próximas do português do que das línguas do sul) e por vezes têm motins étnicos (estilo maratas vs. gujaratis; e atenção que eu não estou a falar dos motins religiosos de hindus vs. muçulmanos, que é um caso diferente), o que é mais ou menos a mesma coisa que terem várias nacionalidade (é verdade que têm a tal história recente partilhada - incluindo o que é talvez o principal: inimigos comuns - que falo ali acima)

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    3. Qualquer dos grandes impérios da antiguidade clássica foi multi-étnico e multi-linguístico. Até ao Sec XX, para além do Império Austro-Húngaro tinhamos o Império Otomano. Mesmo actualmente, para além da Índia (e do Bangladesh), a Indonésia é um país com mais de 700 línguas e etnias. Se sairmos das democracias liberais, encontramos diversas culturas/linguas na China e na Russia.

      E mesmo na Europa temos diversos países multi-étnicos (mesmo a capital da UE está num país destes). É verdade que em qualquer destes o número de etnias é mais limitado ou existe uma etnia, ou no máximo 2, em posição significativamente dominante, o que não existe na UE como um todo.

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    4. De acordo iv. Mas qual desses impérios da antiguidade era uma democracia? E a Rússia, hoje, só é uma democracia em termos formais, mais nada - e provavelmente é a única maneira de manter unido um país com aquele tamanho. O caso da India que o Miguel invoca parece-me interessante, mas, infelizmente, sei muito pouco sobre o assunto para poder aprofundar essa questão. De qualquer maneira, a India (ainda) não é um caso de sucesso ou modelo a imitar.

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    5. Entretando lembrei-me de um caso muito mais perto e melhor sucedido do que a Indía, no que é, se não uma das democracias mais antigas do mundo, pelo menos uma das repúblicas mais antigas do mundo: a Suiça.

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    6. Eu acho que neste assunto (um grupo de pessoas verem-se ou não como uma nação) tendem a haver factores psicológicos difíceis de formalizar - os berberes da Argélia tendem a recusar a identidade árabe e a apoiar movimentos regionalistas; mas em Marrocos não há nenhum nacionalismo berbere e a população que fala berbere não tem nenhum problema em se considerar árabe; há um movimento nacionalismo escocês face ao Reino Unido (apesar de terem a mesma língua e quase a mesma religião), mas não há (que eu saiba) nenhum nacionalismo (pelo menos significativo) das Terras Altas da Escócia face ao resto da Escócia (apesar de até há pouco tempo terem falado uma língua diferente do resto dos escoceses e dos ingleses); há uns cem anos atrás duvido que alguém (a começar pelos próprios) fizesse distinção entre "búlgaros" e "macedónios", ou entre "romenos" e "moldavos"; os descendentes dos súbditos de língua alemã do Império Austro-Hungaro são "austríacos" se ficaram na Áustria, mas "alemães" se ficaram na Itália ou na Roménia, etc, etc.

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    7. Já agora, além da India, há um exemplo ainda mais perto (e mais bem sucedido) de uma democracia multiétnica: a Suiça.

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    8. Mas a Suiça é um país muito pequeno, em que se fala quatro línguas oficiais, é certo, mas que tem uma longa história. O tamanho é uma variável importante, como perceberam os gregos, os da Antiguidade. É verdade que as tecnologias, a imprensa, os caminhos de ferro, a internet alteraram completamente as coisas - não é por acaso que a democracia e o Estado-nação nasceram junto com essas tecnologias do século XIX. Mas, apesar disso, os grandes números, a variedade étnica, etc. continuam a ser variáveis importantes.

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