A man who wants to marry should know either everything or nothing, é o aviso de Lady Bracknell ao pretendente a casar com a sua filha única, no The Importance of Being Earnest. E que bom aviso é. Alguém que se queira casar deveria já saber tudo da vida, ou então é bom que não saiba absolutamente nada. Aviso que parcialmente explica porque é que estou solteiro.
E o que é que sabem os britânicos que votarão em junho no referendo? Não se pode dizer que não saibam nada – sabem os termos do acordo que Cameron obteve em Bruxelas, que serão válidos se forem, eventualmente, aprovados pelos estados-membros. Mas certamente não sabem tudo – para começar, não sabem se o acordo será aprovado pelos estados-membros. Além disso, não sabem o que acontecerá se o “out” ganhar, porque, nas palavras de Cameron, não há um plano B – não há uma ideia concreta, aliás, sequer abstrata, para os termos da ligação que o Reino Unido manterá com a Europa. Ou seja, existe informação sobre o melhor caso possível para a permanência, e pouco mais. Se Lady Bracknell estiver certa, os britânicos não estarão preparados para tomar uma decisão irreversível – e , das duas possíveis, a decisão de sair parece ser a mais irreversível.
A estratégia de não conceber um plano alternativo é naturalmente de Cameron, que, naturalmente também, quer ganhar o referendo. Também é dele a decisão de não permitir que os ministros que farão campanha pela saída tenha acesso a informação privilegiada. No poker, isto chama-se um all in.
O motivo pelo qual Cameron convocou (e tem de ganhar) este referendo pode ser visto de uma maneira benelovente. Este motivo é, resumidamente, a necessidade de travar o crescimento do UKIP, o partido que defende a saída do RU da UE, e que tem caputado um número crescente de deputados e figuras de proa dos Conservadores. Ao ganhar o referendo, Cameron pensará que destrói a única razão de ser do UKIP. É uma estratégia arriscadíssima.
Por um lado, se Cameron perder o referendo, é perfeitamente legítimo alegar que o partido melhor preparado para gerir o cenário pós-saída é o único que defende a saída. Por outro lado, não estou convencido que a derrota no referendo aniquile o UKIP. A verdade é que os partidos mono-temáticos muito raramente são mono-temáticos. São os partidos sopa da pedra: a pedra serve apenas para justificar todos os outros ingredientes de uma misturada que , no caso do UKIP, é, no topo e em parte, um tratado de Direita nacionalista. E a existência da pedra é fundamental para a promoção desta agenda política. Se o RU sair da UE, vai-se o grande motor de penetração do partido na sociedade britânica (tal como acredito que, em Portugal, uma reforma bem sucedida da Justiça teria como uma das maiores derrotadas a agenda ultra-reaccionária do senhor Marinho Pinto - que, concedo, se derrota a si mesma por inépcia do seu dono). Estou assim em crer que uma vitória curta do "in" no referendo, longe de afastar o UKIP da vida política, provavelmente tornaria a sua agenda mais forte que nunca.
Vamos ver.
Boa leitura.
ResponderEliminarO UKIP, contudo, não afecta apenas o Partido Conservador: também teve ganhos assinaláveis (em votos, que não em deputados, devido ao sistema eleitoral britânico) em tradicionais baluartes trabalhistas do Norte de Inglaterra. E não tem capturado assim tanto deputado e figura de proa conservadores: antes das eleições do ano passado, dois deputados conservadores passaram para o UKIP e só um deles foi reeleito (o único deputado do UKIP, de um total de 650 em Westminster, diga-se).
Mas concordo parcialmente com a tua análise acerca dos motivos do Cameron para a renegociação de alguns termos da relação do UK com a UE. Efectivamente, ela ter-se-á destinado a amortecer o impacto do UKIP, mas não só: o Partido Conservador tem, ele próprio, uma grande quantidaee de eurocépticos, e já os tinha ainda nem o UKIP existia.
A verdade é que só há um partido declaradamente europeísta em Inglaterra (e digo Inglaterra de propósito: o SNP também o é): os Liberais Democratas, reduzidos actualmente a 8 deputados. Mesmo o Labour é um bocado ambíguo na questão, e está quase silencioso no tema do referendo.
Obrigado, Alexandre.
EliminarÉ uma nota importante, essa de que o norte desindustrializado viu-se traído pelo Labour. Mas não me parece menor esta alteração profunda na liderança. É alguém que é muito mais próximo a esse norte inglês. Acho que o UKIP, neste momento, é uma grande ameaça sobretudo para os Conservadores. E acho que não é tanto pelo número de pessoas que se passaram para o UKIP; é também pelas que ameaçam passar, e pelas que radicalizam o discurso quanto à Europa.
Estamos de acordo quanto à análise dos LibDem serem o grande, provavelmente o único, partido europeísta.
Mais uma coisa: eu acho que o campo do "In" vai ganhar, devido ao conservadorismo dos ingleses, o que não deixará de ser paradoxal. Ou seja, os ingleses desconfiam instintivamente da mudança, e isso levará muitos deles a apoiarem o "in".
ResponderEliminarHá anos vi uma reportagem num canal francês acerca dos ingleses e a monarquia. A reporter ia pela rua perguntando aos transeuntes se eram monárquicos. Uma das respostas de que me lembro foi esta: "Isso é uma boa pergunta! A verdade é que nunca pensei nisso". Cofiando a barba, o entrevistado reflectiu e disse: "Sabe uma coisa? O que eu não sou é republicano! Why change??"
Estamos de acordo que o "in" vai, provavelmente, ganhar. Mas não é um facto menor que Cameron esteja visivelmente mais nervoso do que em qualquer outro período da carreira política dele. Este impedimento de ministros que farão campanha pelo "out" terem acesso a informação dos serviços é demonstrativa de que a vitória, se existir, será por margem mínima. Mas vamos ver!
EliminarGostei muito do artigo (e do anterior). Não será demasiado cedo delinear o UKIP no pós-referendo?
ResponderEliminarMuito obrigado, Isidro. É sem dúvida demasiado cedo. É só um exercício de pura especulação :)
EliminarO principal "risco" para Cameron no referendo é a saída da Escócia e a "ameaça" do Sinn Fein de ressuscitar o nacionalismo na Irlanda do Norte. A saída do Reino Unido da UE, por medos do seu desaparecimento num "federalismo" europeu pode levar, pelo outro lado, à desagregação do Reino Unido. Toda esta situação é muito lose-lose para os Conservadores.
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