segunda-feira, 21 de março de 2016

A ditadura do politicamente (in)correcto

Não devo andar longe da verdade se disser que gosto de todas, ou de quase todas, as entradas do Zé Carlos. Mas, metade das vezes, não concordo com elas. Esta sua última entrada sobre a ditadura do politicamente correcto parece-me coxa. Concordo com praticamente tudo o que lá está escrito, mas penso que só vê uma das ditaduras. Diz o Zé Carlos: 
(...) as brigadas do politicamente correcto, espalhadas pelo espaço público, vergastam o menor desvio em relação ao que elas entendem ser o correto.
É fácil encontrar exemplos em que isto é verdade. Mas também é fácil encontrar exemplos do contrário. Que eu me lembre as últimas duas polémicas politicamente (in)correctas foram com o uso do "portugueses e portuguesas" e sobre o "happy meal" da McDonald's.

Peguemos no primeiro exemplo. Há uns políticos que gostam de se dirigir aos "portugueses" e outros que falam em "portugueses e portuguesas". Que me lembre, o primeiro a usar esta expressão foi Carlos Carvalhas, quando foi candidato a presidente no início dos anos 90. Nunca houve polémica sobre o assunto. Que eu tenha dado conta, nunca ninguém reclamou até que... surgiu um artigo de Miguel Esteves Cardoso com o sugestivo e imperativo título: "Calem-se!". Fala em estupidez, em machismo ignorante e por aí fora. Afinal, quem é que anda a dar vergastadas?

Nesta linha também são interessantes as reacções absolutamente histéricas à decisão da McDonald's. O clamor que se levantou neste país, de Norte a Sul passando pelo Centro, do Expresso ao Observador passando pelo Público e pelo i e, naturalmente, incluindo todas as plataformas das redes sociais. Ameaças de boicote, acusações de terrorismo, insultos, acrimónia desnecessária, etc.

Ou seja, eu não acho que o Zé Carlos não tenha razão. Pelo contrário, acho que tem muita. Ainda no ano passado um Prémio Nobel viu a sua carreira destruída por uma piada falhada sobre mulheres no laboratório. Apenas diria que vejo esse desejo pela ditadura de ambos os lados. Aquilo que hoje chamamos politicamente incorrecto, mais não é do que o politicamente correcto de direita ou, se preferirem, uns tipos armados em "enfant terribles".

13 comentários:

  1. O que me parece é que tanto os hetero-proclamados "politicamente corretos" como os auto-proclamados "politicamente incorretos" vêem-se a si mesmos como rebeldes contestatários em luta contra convenções sociais opressivas (ao contrário das guerras culturais de há umas décadas ou séculos, em que pelo menos um dos lados se via como o defensor dos valores estabelecidos)

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    1. Miguel, o problema é que não se trata apenas de contestar "convenções sociais opressivas". No último post, num comentário, disse que o politicamente correcto em parte foi nutrido pela negligência dos valores de valores culturais e históricos, pela ignorância do contributo das minorias. O problema é que acabou numa tirania intelectual, numa forma de intimidação, num travesti de argumentação responsável.

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    2. Mas o meu ponto é que os chamados "politicamente corretos" se vêem a si mesmos como estando a contestar convenções sociais opressivas; se o estão ou não é irrelevante (isto é, é irrelevante em relação ao meu comentário; não estou a dizer que seja irrelevante de uma forma geral).

      Talvez a grande vitória da "esquerda cultural" seja ter se criado um mundo em que toda a gente quer ser um rebelde anti-sistema (mesmo que na realidade esteja mais que por dentro do sistema).

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    3. Sim caro Miguel Madeira, (mesmo que na realidade esteja mais que por dentro do sistema). Já o Debord profetizava que a mais brilhante e insidiosa construção da ideologia do mercantilismo avançada seria a de criar a convicção de resistência ao mercantilismo avançado, na mercantilização de comportamentos ritualizados e de mundos até aí intocados pelo mercantilismo. Uma espécie de profanação do sagrado que até então apenas havia seduzido os resistentes ao mercantilismo. Perdoai-lhes se souberem o que fazem. Mas não haverá perdão possível se, não sabendo o que fazem, o continuarem a fazer!!

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    4. Vivemos num "mundo em que toda a gente quer ser um rebelde anti-sistema" quando na realidade está "mais que por dentro do sistema".

      É isso mesmo Miguel.

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    5. Eu estou em crer que o caríssimo José Carlos Alexandre vem de uma corrente de pensamento do liberalismo que não dispensava a metafísica dos costumes e o poder integrador e justificador da tradição. Uma senda que vai desde Aristótels a Burke, passando por Kant, Tocqueville, entre muitos outros.
      Há, contudo, um campo do liberalismo que está mais próximo culturalmente dos pós marxistas e desta feita essa contra cultura será de esquerda e de direita. Houve um tempo em que esses fenómenos representavam a resistência política a instituições opressoras que teimavam em não explicitar o seu discurso justificador e legitimador, como se se revelassem da natureza das coisas, apenas. Contudo, hoje esses fenómenos, "fracturantes" não passam, mais das vezes, de estridentes manifestações contra as mais elementares revelações do direito natural.
      Ora, como sabemos da história, o positivismo racionalista quando liberto dos constrangimentos do direito natural tem soluções extraordinárias para os problemas que vai racionalmente criando!!
      Um bem haja a todos;

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    6. Caro Justiniano, é sempre um enorme prazer lê-lo, e, sim, admiro todos os autores que referiu, e tenho um carinho especial pelo Tocqueville, um homem cheio de intuições fortíssimas e reveladoras, que escrevia maravilhosamente, sem aquele jargão que se usa agora, um político falhado.

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    7. Mui grato pela simpatia! Retribuo com as mesmas palavras, caro José Carlos Alexandre!

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  2. Peço desculpa, caro Luís Aguiar-Conraria mas é muito mais do que uma questão de enfant terrible ou até de direitas e esquerdas. É querer-se poder viver com normalidade, sem complexos, sem preocupações espúrias com ofender este, aquele e o outro cujo corolário, por fim, é ou ficar calado ou dizer algo totalmente desvirtuado e pouco assertivo, diferente do que se pretende efectivamente dizer. É poder agir e governar a vida, as empresas e as sociedades de acordo com o que é efectivamente no melhor interesse das entidades governadas sem a obrigação de ter em conta inutilidades fantasiosas que dificultam ainda mais o que já de si não é fácil. É a ciência poder existir e evoluir livremente, dentro das suas balizas científicas e unicamente científicas, sem ter que pensar se as suas conclusões ofendem alguém. Conhecimento é conhecimento e é na esmagadora maioria dos casos positivo. Ajuda a melhorar a vida das pessoas e das sociedades. Não é por não poder estudar-se devido a pruridos com isto e aquilo que um dado fenómeno deixa de existir. A diferença é que estudando-se, compreende-se, percebe-se o que é, porque é, como é, como pode potenciar-se ou reprimir-se consoante o caso, o que acontece com estas ou aquelas alterações aqui e ali. Nada disto é possivel sem o fenómeno ser avaliado. Mas ele continua a existir.

    Em suma, caro Luís, tem mais a ver com liberdade das pessoas e das sociedades do que com expressão livre apenas das direitas ou das esquerdas.

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    1. "Peço desculpa, caro Luís Aguiar-Conraria"

      Ora essa, caro Zuricher, está desculpado.

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    2. Do meu ponto de vista, existe uma ditadura que sujeita globalmente, qualquer liberdade. A ditadura da alta finança.
      Num cenário de globalidade (insisto) esta ditadura atravessa e sujeita todas as sociedades mesmo as mais evoluídas e defensoras de direitos humanos.
      Democracia é algo que se acha na base de todas as discuções políticas e sociais mas que verdadeiramente, não existe; é como que uma metáfora de algo que foi sonhado mas que efectivamente, nunca foi colocado em prática... porque a ditadura do poder, fundamentada no poder económico e financeiro, se lhe sobrepuseram.
      Nesta ótica, qualquer posição "politicamente correta/incorreta" se acha sujeita a um poder superior... aquele que realmente decide e impõe, independente de tudo o resto.

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  3. Estou a gostar muito desta discussão.

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