Há coisa de duas semanas, uma amiga minha americana, que vive em Oakland, na Califórnia, postou no Facebook que tinha comprado umas botas feitas em Portugal. Eu congratulei-a e disse-lhe que o calçado português tinha boa qualidade. Ela disse que o vendedor tinha mencionado muitas vezes que eram portuguesas para a convencer a comprá-las; mal sabia ele que ela tinha uma amiga portuguesa e que, ao mencionar o país de origem das botas, a fez pensar em mim. O preço original das botas era $180, mas estavam em promoção e ela só pagou $90 + imposto, logo à volta de $100.
Como mencionei no post sobre a ignorância da Catarina Martins, a indústria do calçado português recusou-se a seguir as indicações da Troika e não baixou os salários; em vez disso apostaram em exportar calçado cada vez mais caro. O preço de venda médio dos sapatos portugueses exportados era de €22, mas o objectivo é ultrapassar os italianos que tinham um preço médio de €37,5/par. A indústria segue uma estratégia delineada até 2020, baseada na qualidade, design, e reputação. (Ler mais neste artigo do Público de 2013.)
Quase todos os produtos portugueses que eu encontro nos EUA estão em lojas de classe média/média-alta e, em muitas lojas, realça-se que o produto é feito em Portugal. É esse o nosso nicho, pois temos qualidade e reputação para isso. Mas também temos de desenvolver outras áreas de exportação, nomeadamente em serviços. Precisamos de uma classe política com um mínimo de cultura geral. Qualquer político que ache que Portugal será condenado à pobreza exportando, por causa de ter de competir com os custos de mão-de-obra da China, não sabe do que fala. Até porque as companhias de baixo custo já estão a sair da China e a ir para o Bangladesh e o Vietnam, por exemplo, pois os salários na China já estão a aumentar.
E temos de ter práticas de trabalho que nos salvaguardem no mercado global. Por exemplo, quando uma empresa de consulting é contactada por um cliente estrangeiro, a empresa portuguesa tem de fazer uma proposta de trabalho para o cliente onde diz o que vai fazer, quanto vai custar, e quando o pagamento é esperado. Tudo isso tem de estar documentado por escrito e assinado por ambas as partes antes de se começar a fazer o trabalho. Quando o trabalho é entregue, a empresa portuguesa envia uma nota a pedir pagamento. Já soube de casos em que empresas portuguesas não foram pagas porque ficaram à espera que o cliente estrangeiro lhes pagasse voluntariamente.
Nâo deixa de ser curioso, contudo, que muitos detractores da moeda nacional acolham favoravelmente a descida de cotação do euro. Se fosse o escudo, isso já seria considerado factor de inflação, desvalorização das poupanças, etc.
ResponderEliminarEu não sei se a troika mandou baixar os salários. O que entendo é a preocupação deles com a competitividade da nossa indústria, seja ela de baixos ou de altos salários (e também deve levar-se em linha de conta, aqui, o ser ou não "labour-intensive"). Porque, mesmo com produtos de "nicho" , a concorrência existirá sempre - e daí a preocupação da distinta autora deste artigo com a não durabilidade do euro baixo.