O anúncio da utilização de 1400 milhões de euros do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social para financiar a reabilitação urbana é a mais gravosa de todas as medidas até agora tomadas por este governo. Nenhuma medida como esta mostra que o governo não tem outro projecto que não seja regressar ao modelo económico (falhado) do passado.
A construção e o imobiliário foram um dos motores do crescimento económico nos anos 80 e 90. Estes sectores atingiram o pico no ano 2000. O Estado directamente, através da construção de obras públicas, e, indirectamente, através da bonificação do crédito à habitação (no final dos anos 90, 2 em cada três euros de crédito eram bonificados…) promoveu sempre o sector da construção. Depois da Expo 98, veio o Euro 2004 e as circulares à volta das cidades com estádios. O sistema financeiro, num contexto muito favorável à concessão de crédito, financiou o Estado, as empresas de construção e de imobiliário e a aquisição de habitação. O privilégio do crédito à construção e do imobiliário foi uma tendência que se observou em muitos países, com os bancos a procurarem garantias materiais.
Depois de 2004, com o fim das obras do Euro, foi preciso continuar a alimentar o sector. Como a pressão da Comissão Europeia para Portugal cumprir o PEC era cada vez maior, as PPPs rodoviárias surgiram como forma de esconder despesa pública, os fundos comunitários financiaram o programa Polis, e as Câmaras Municipais prosseguiam com as suas políticas de melhoramentos materiais. A crise financeira internacional abriu espaço para a festa da Parque Escolar, mais uma vez com acesso ao endividamento por aquela empresa.
Ou seja, desde o início do século XXI que o Estado, limitado nos seus recursos próprios, tem usado formas imaginativas de financiar o sector da construção. As razões que se apontaram para cada um daqueles projectos foram sempre as mesmas: a necessidade de mais melhoramentos, o desemprego muito elevado, em particular o desemprego de longa duração associado às baixas qualificações, a elevada incorporação de produção nacional.
Os resultados desta aposta no sector da construção estão à vista de todos: a economia estagnou desde 2001, o desemprego não parou de aumentar, e o endividamento, em parte induzido por esta estratégia, levou-nos ao 3º pedido de resgate.
Desde 2001, que há críticos desta estratégia. Eu acreditava que o 3º resgate mostraria à saciedade que este é um modelo estafado e que, havendo recursos, eles seriam colocados em projectos com maior retorno. Claro que investir na educação, investigação e inovação não tem um retorno imediato e visível. E esse é sempre um problema para os políticos, que pensam sempre com horizontes muito curtos, os das próximas eleições. E querem ter obra para mostrar.
Que agora essas obras, que obedecem a objectivos de curto prazo, sejam financiadas com o fundo que visa garantir a sustentabilidade da Segurança Social leva a criação do novo fundo para a reabilitação para o domínio da pura irresponsabilidade.
Porque eu acredito, apesar de tudo, na racionalidade dos agentes políticos, a questão que se coloca é: qual a origem do poder dos sectores da construção e do imobiliário? Sem que esta pergunta seja esclarecida, não vamos compreender a natureza da grave crise que se instalou na economia portuguesa desde o início do século XXI.
"um político que não queira investir devia ir preso"
ResponderEliminarhttp://observador.pt/especiais/portugal-pior-troca-governo-sempre-pouco-importa/
Acho que o NG não leu a entrevista toda--o economista disse que o investimento deveria ser em coisas que criassem valor. Como é que esta proposta de investimento do PS cria valor para a sociedade e retorno para o contribuinte de forma a que o contribuinte não perca este dinheiro?
EliminarCaro NG,
ResponderEliminarhá países onde até se pode justificar o investimento no imobiliário. Em POrtugal, já se pôs aí demasiado dinheiro e há áreas que a mim me parecem muito mais prioritárias.
Eu até acho que sim. Investir em modernização de refinarias, Energias Renováveis, Escolas, Hospitais, Tribunais, Prisões, Alqueva, Fábricas de Papel, rede viária moderna, uma linha de TGV de cento e poucos quilómetros para ligar a Capital à Europa, tunel do Marão,... foram áreas bem mais prioritárias. Mas esse investimento tem sido diabolizado nesta casa. E que tem teve essa visão e coragem de decisão é um proscrito desta sociedade hipócrita que delas beneficia.
EliminarNum país que tem problemas graves de sustentabilidade das reformas, investir em imobiliário quando este sector passa por uma crise grave e estrutural, não lembra a ninguém, a não ser que seja para favorecer amigos ou para mostrar obra.
ResponderEliminarÉ a política de esquerda, favorecer alguns (construtores?) à custa de todos, ou quase todos, usando dinheiro que devia guardado com o maior cuidado possível?