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sexta-feira, 8 de abril de 2016
História gótica
33. "Ah, os gritos!"
A mulher do vestido prateado e capa cor de vinho brincava com o medalhão que tinha ao pescoço. "Como me sabe bem ouvir os gritos." Estava sentada numa cadeira trabalhada de espaldar alto e braços decorados com garras de bronze. No topo do espaldar, a cabeça de um animal indistinto mas feroz, de mandíbulas abertas e grandes dentes, olhava quem se aproximasse com olhos de pedras vermelhas faiscantes. "Está quase pronto o novo", informou o homem coxo. "Só falta ...". "Sim. Chame o Gavril, Confessor. Diga-lhe que prepare a galeria." A Condessa de Ecsed semicerrou os olhos, antecipando o gozo que iria seguir-se. O Confessor puxou três vezes um cordão de veludo, certamente uma campainha com que chamava o criado, e esperou em silêncio. "Hoje quero fazer isto sozinha", disse a Condessa. "Acho que vai ser a minha obra-prima. Não quero ser perturbada por aquela gente ávida. Depois faremos a apresentação a todos." O Confessor aquiesceu baixando a cabeça. Alguns minutos passados, Gavril entrou no salão e, com uma vénia, fez saber que a galeria estava aberta e iluminada. Enquanto isto se passava, os gritos que tanto prazer davam à Condessa continuavam a ecoar pelas paredes do castelo, constantes e assustadores como os silvos das rajadas de um tufão. Eram gritos de que só seriam capazes os torturados à beira do colapso, os supliciados no touro de bronze, os macerados no cavalete, os seviciados pela gota tártara. Ou aqueles condenados a uma fogueira de troncos verdes e húmidos, que ardem devagar e prolongam o tormento dos queimados, primeiro os pés desfeitos pelas chamas baixas, depois as pernas, o tronco, mas se fossem caridosos os elementos, se o castigo fosse aplicado num dia sem vento que o afastasse, o fumo teria já asfixiado as vítimas. Ou aqueles desfeitos na roda alta, deitados no chão, nus e com os pés e as mãos fixados em anéis de ferro, com robustos pedaços de madeira colocados sob os ombros, os cotovelos, os joelhos, os tornozelos, de que todas as juntas seriam esmagadas, todos os ossos despedaçados, mas sem que fossem mortalmente feridos os desgraçados, os corpos depois dobrados sobre si próprios, postos na roda de carroça que os desfizera, sobre uma estaca, e ali deixados por vários dias até morrer. Ou aqueles sujeitos ao serrote, à forquilha do herege, ao empalador invertido, à manivela de intestinos, à morte chinesa dos mil cortes. A Condessa, com um sorriso terrível, dirigiu-se à galeria. Os passos solenes tornavam os seus olhos verdes mais impiedosos ainda. "Gavril!", chamou. "Vadim já está lá?" "Sim, Senhora!" Gavril aprendera há muito que abrir a galeria implicava avisar o corcunda. Fazia-o sempre com relutância e de olhos fechados, abrindo-os apenas para não tropeçar em degraus e esbarrar contra móveis e paredes. Descerrava a galeria, cujos batentes conhecia de cor, também sem olhar. Assim que acendia as tochas lá dentro, recuava, correndo quase e recusando-se a levantar os olhos para ver o que ela albergava. Seguida pelo Confessor, a Condessa transpôs as portas largas da galeria, um corredor comprido e sem janelas ao longo de cujas paredes se podia ver uma série de pedestais em pedra. Estes pedestais seguravam cabeças humanas. Não bustos de pedra, mas cabeças decepadas, cabeças de carne e osso. A Condessa avançou pela galeria considerando cuidadosamente cada uma delas, demorando-se mais numas, passando mais rapidamente por outras. Parecia conhecer bem a sua colecção, ou saber bem o que queria. "Esta. É perfeita."
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