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quarta-feira, 27 de abril de 2016
História gótica
45. Eu sei contar a história de Nergüi.
O seu pai foi Ganbaatar, o herói de aço. Estava-lhe destinado o nome de Batbayar, fortíssima alegria, mas a esta cópia desbotada que são os planos dos homens sobrepôs-se o destino verdadeiro, e Nergüi nunca chegou a ser Batbayar. Não pode chamar-se Batbayar aquele que nasceu matando, e para nascer Nergüi teve que matar a mãe. Não pode ser uma fortíssima alegria aquele que nasceu entre lamentos, e longas noites chorou o pai de Nergüi a morte da esposa. Só nasce desta maneira aquele que os espíritos escolheram para os seus propósitos nefastos. Oyunchimeg, a sua avó, escondeu-o de Gaanbatar, para que a infelicidade deste não se tornasse em ódio. Deu-lhe o nome, Nergüi, aquele que não tem nome. Esperava assim escondê-lo também dos espíritos, sem nome eles não poderiam chamá-lo, não poderiam mesmo distingui-lo, não poderiam sequer saber que existia. Mas ter um nome que é um não-nome é ter um nome, e os espíritos não se deixam enganar tão facilmente. Oyunchimeg contou-lhe todas as histórias que um nómada precisa de conhecer, a história da lua que foge da luxúria do sol, a história do pássaro que procura na barriga dos animais terrestres os filhos desaparecidos, a história do deserto que já foi um lago e da montanha que já foi um palácio. A história dos gigantes antepassados dos nómadas, mortos pela astúcia dos povos pigmeus que até hoje os nómadas perseguem pelos planaltos, porque eles disfarçam-se de águias e são difíceis de apanhar, enlouquecem os cavalos e copulam com as mulheres viúvas sempre que estas se esquecem de sonhar com os maridos mortos. A história de Naransteteg, a mais bela jovem de todas as tribos nómadas, por causa de quem tantos guerreiros morreram, por causa de quem tantas famílias se enfrentaram, Narantseteg que preferiu um espírito ao herói sobrevivente dos combates e é hoje a estrela que se vê nos céus mesmo nas noites com nuvens, uma estrela ao mesmo tempo sedutora e desdenhosa. A avó ensinou-lhe também as receitas para tratar a tosse ou a insónia. Disse-lhe que nem todas as receitas que há curam aquilo que prometem curar, e quando o cabelo de um guerreiro desaparece da sua cabeça nada há a fazer senão trazê-la sempre coberta. Riam-se muito os dois de Besud, que nunca tirava o seu barrete de peles, mesmo quando mergulhava nu nas correntes fortes do degelo. Mas Besud nunca se zangava, e foi com ele que Nergüi aprendeu a construir armadilhas e domar cavalos. Nergüi cresceu sabendo quem era seu pai mas sabendo que não podia esperar dele reconhecimento. Mas este veio quando Nergüi completou quinze anos e o pai, dirigindo-se-lhe pela primeira vez, lhe pôs nas mãos o freio de um cavalo imponente. "És meu filho", dissera Gaanbatar, "monta o teu cavalo e mostra que és digno dos teus avós." Foi pouco depois desta ocasião que Gaanbatar enviou o seu filho Nergüi na sua viagem solitária. A Nergüi nem ocorreu pensar que não devia obediência àquele homem frio que nunca lhe dera nada. Para um nómada, o pai não deve nada ao filho, tal como o chefe não deve nada a quem o segue. Mas o seguidor deve tudo ao chefe, e o filho deve tudo ao pai. Porque o pai não é aquele corpo triste e transitório de que contamos os defeitos, é uma essência fixada desde o princípio dos tempos. E o chefe não é aquele fanfarrão cruel capaz de destruir tudo à sua passagem, é uma substância de que os homens se vão ungindo quando chega a sua vez, se chegar a sua vez. Ao obedecer ao pai, Nergüi respondia ao chamamento de uma natureza maior do que tudo o que ele conhecia. Mas também, não pode negar-se, o movia o desejo de vir a dessedentar-se na água imortal do poder.
Baçus, mulher de Ali, pastora de camelas,
ResponderEliminarviu de noite, ao fulgor das rútilas estrelas,
Vail, chefe minaz de bárbara pujança,
matar-lhe um animal. Baçus jurou vingança;
corre, célere voa, entra na tenda e conta
a um hóspede de Ali a grave e inulta afronta.
- "Baçus!" - disse, tranquilo, o hóspede gentil -
"Vingar-te-ei com meu braço: eu matarei Vail".
Disse e cumpriu.
Foi esta a causa verdadeira
da guerra pertinaz, horrível, carniceira,
que as tribos dividiu. Na luta fratricida,
Omar, filho de Anru, perdera o alento e a vida.
Anru, que lanças mil aos rudes prélios leva
e que em sangue inimigo, irado, os ódios ceva,
incansável procura, e é sempre embalde, o vil
matador de seu filho, o tredo Mualhil.
Uma noite, na tenda, a um moço prisioneiro,
recém-colhido em campo, o indómito guerreiro
falou severo assim:
- "Escravo, atende e escuta:
Aponta-me a região, o monte, o plaino, a gruta
em que vive o traidor Mualhil; dize a verdade;
dá-me que o alcance vivo, e é tua a liberdade!"
E o moço perguntou:
- "É por Alá que o juras?"
- "Juro!" - o chefe tornou.
- "Sou o homem que procuras!
Mualhil é o meu nome: eu fui que despedacei
a lança de teu filho e aos pés o subjuguei!"
E, intrépido, fitava o atónito inimigo.
Anru volveu:
- "És livre! Alá seja contigo!"
(Gonçalves Crespo)
Os pastores têm demasiado tempo livre.
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