Não se pode pedir a um delicodoce
golfinho ou a um perigoso escorpião que contrariem a sua natureza. A milenar
sabedoria oriental, em especial a chinesa, têm teorizado muito sobre o assunto.
Numa palavra, quanto mais velhos ficamos, mais quimérica é a ideia de mudança
de personalidade.
Vem isto a propósito de
Marcelo Rebelo de Sousa e dos seus primeiros cerca de mês e meio de consulado.
Se se pretender um balanço global, a nota do Professor é elevada, talvez a
rondar os 16, 17 valores. Tem provado que quer ser um Presidente da República
(PR) abrangente, facilitador de diálogos, adepto da “descrispação” (palavra de
que usa e abusa, até a propósito de um gin
alentejano), um beijoqueiro de primeira, presente em tudo o que é evento, um
hiperactivo como sempre foi.
Em termos políticos,
Marcelo tem jogado pelo seguro: não dispensou a sua “lua-de-mel” com os
Portugueses e muito menos com o Governo. Tem sido uma espécie de porta-voz
oficioso de Costa, dando-lhe pancadinhas nas costas em todos – ou quase – os
assuntos em que o melindre das situações poderia causar engulhos. Assim sucedeu
no episódio do Colégio Militar, onde interpretou na perfeição as suas funções
de Chefe Supremo das Forças Armadas, do mesmo modo que se bateu pela desblindagem
dos estatutos das instituições de crédito, no que é, na prática, uma verdadeira
“lei-medida”. Soube preservar a esfera de competência exclusiva do Executivo no
caso das bofetadas de João Soares, e foi vê-lo dar um sentido abraço de
desagravo ao candidato a pugilista.
Linha de actuação
política? Aparentemente, a da proximidade e dos afectos. Nada tenho contra uma
e outra, mas é evidente que, mesmo mantendo ambas, é curto para uma função
presidencial. Em especial num sistema em que o órgão de soberania PR, tendo as
suas competências – como deve – balizadas na Constituição, é aquele que de modo
mais plástico se vai adaptando à realidade de cada momento e ao concreto
titular. Daí que Cavaco tenha sido, p. ex., o oposto de Marcelo, tanto quanto
Sampaio será recordado como o gentleman
de lágrima fácil e Soares como o Presidente com a concepção mais monárquica da
III República.
Há, pois, na facilidade
e no gosto do trato com o Povo, um grande paralelo com Soares. Simplesmente, é
de alto risco o plano de Marcelo. Não se lhe pode pedir que dispa o fato de
comentador político-social-desportivo, pois voltaríamos à história da natureza
do golfinho e do escorpião. Mas o tempo chegará em que Marcelo não poderá
apoiar Costa, seja por erro nas políticas, seja por tacticismo. E ninguém
duvida que o actual Presidente é um exímio jogador de xadrez político. Na
teoria, pelo menos, é o melhor. Na prática, terá agora a oportunidade da vida
para o demonstrar.
Excelente discurso nas
comemorações do 25 de Abril, com os deputados mais à esquerda a não conseguirem
impedir as mãos de aplaudirem um ex-Presidente do PSD. Os gestos involuntários
têm destas coisas, bem como a necessidade de cavalgar a onda de um PR que vem
sendo um dos Sísifos da “geringonça”.
E quando acabar a
“lua-de-mel” com o Governo, o que fará Marcelo? Como tudo no actual PR, nem os
astros sabem. Todavia, a História ensina-nos que o “namoro” de Cavaco e
Sócrates, p. ex., terminou com uma ruptura em que a “roupa suja” foi lavada nos
enfadonhos prefácios aos “Roteiros” cavaquistas.
Marcelo não precisa de
conselhos. Não obstante, com a humildade de um mero cidadão, era bom que não
comentasse tudo e mais alguma coisa, que se resguardasse mais. Já todos
entendemos a “política dos afectos” que, não enchendo barrigas, sempre ajuda a
aquecer o coração. Gostamos, mas não é só isso que se espera de um PR. Quando
os “puxões de orelhas” forem necessários – sobretudo em privado –, não há
espaço de manobra quando a imagem da Presidência se vai desenvolvendo na sombra
da do Governo. E Costa, inteligente como é, tem-no sabido aproveitar.
Estará Marcelo a cair
na teia “candidamente” urdida pelo Primeiro-Ministro, ou à primeira
oportunidade é o Presidente que demonstrará o seu lado “escorpiónico”? Entre
“marcelices” e “costices”, havemos de saber. E um agradecimento a estes dois
protagonistas que têm dado muito mais cor a uma política que estava morta com o
eixo Cavaco-Passos-Portas e agora é motivo para uma espreitadela ao “Estoril
Open” ou para uma visita à última ferrovia alentejana.
Muito bom. Com o bónus do prazer de não conseguir adivinhar quem escrevia sem espreitar a assinatura :-)
ResponderEliminarNo início, pensei que fosse o início de mais uma história da Alexandra e depois fiquei agradavelmente surpreendida. Não contava que o André voltasse a escrever aqui tão depressa.
EliminarPara mim, o actual PR é indomável e só obedece à sua consciência. E quando assim é podem acontecer: grandes e arriscadas decisões, inclusive a convocação de eleições antecipadas, se entender que o governo em funções não tem pernas para andar ou que só está a fazer asneiras. Nem será de excluir a hipótese de renunciar, se considerar que já não tem o apoio da maioria dos seus concidadãos. Aguardemos, pois, calmamente.
ResponderEliminarFoi elegante, substituindo o sapo da estória tradicional por um golfinho.
ResponderEliminarSe a troca ficou a dever-se a uma questão de elegância, podia o autor ter escolhido o polvo que, como se sabe, possui as faculdades de camuflagem e de adivinhação. Além de que, desloca-se como nenhum outro do reino submarino e esconde-se em qualquer buraquinho, por mais pequeno que seja, mas quando atacado, dispara um jacto de tinta que baralha por completo os predadores. Para ser sincero, prefiro-o a nadar num arrozinho malandro com bastante tomate à volta e umas ervinhas de cheiro. Mas, não o desdenho, se vier frito, envolto num pomo de ovo e farinha ou até grelhado na braza. Ah!!! Mas sempre, sempre bem acompanhado de um branco geladinho... de Bucelas, por exemplo.
Eliminar