O LA-C escreveu hoje no Observador que a
escolaridade obrigatória é ”uma
posição que de liberal (pelo menos em sentido estrito) tem muito pouco”.
Não concordo com este argumento, se entendermos que, na sua definição
genérica, o liberalismo postula que o indivíduo aspira a uma autonomia o mais
ampla possível. E, neste sentido, a escolaridade obrigatória não pode chocar
nenhum liberal. Outra questão é até quando deve ir essa obrigatoriedade. Até ao 4.º, 6.º, 9.º, 12.º ano? Uma vez mais, essa opção deve ter em conta os costumes, necessidades
e possibilidades de cada país. Não há nenhuma regra universal, nem podia haver.
Mas nem era disto que eu queria falar. Convém sublinhar que a escolaridade
obrigatória também não foi nenhuma invenção da dita esquerda. Foi Napoleão que
lançou a ideia (a menos que considerem este tirano um esquerdista,
claro) e, sobretudo, foi o conservador Bismarck que a implementou na Alemanha.
Talvez alguns não saibam, mas essa obrigatoriedade, na sua origem, não
tinha nada a ver com a igualdade de oportunidades, o desenvolvimento económico e
outros desideratos que lhe são hoje normalmente associados. O objectivo era mais prosaico,
digamos assim. Doutrinar, através das escolas estatais, os jovens cérebros em
formação, incutindo-lhes certos ideais, como o de pátria.
"E, neste sentido, a escolaridade obrigatória não pode chocar nenhum liberal."
ResponderEliminarFalando como não-liberal mas que até leu algumas coisas de liberais, imagino que a escolaridade obrigatória possa perfeitamente chocar alguns liberais (e não chocar outros).
Creio que isto se resume a 2 questões:
1 - A partir de que idade um ser humano passa a ter direito à liberdade pessoal?
2 - No caso da resposta à questão anterior for maior que 0 dias, qual deve ser o balanço entre a autoridade centralizada do Estado e a autoridade descentralizada da família sobre essas pessoas?
Imagino que haja logo duas maneiras de um liberal ser contra a escolaridade obrigatória - ou considerar que as crianças já têm o mesmo direito à liberdade que os adultos (eventualmente considerando a autoridade familiar como um simples contrato voluntário, revogável por qualquer das partes, em que se troca obediência por comida e proteção); ou considerar que, enquanto as crianças não atingirem a idade em que têm direito à liberdade, a autoridade sobre elas deve ser esssencialmente exercida pela família.
"Talvez alguns não saibam, mas essa obrigatoriedade, na sua origem, não tinha nada a ver com a igualdade de oportunidades, o desenvolvimento económico e outros desideratos que lhe são hoje normalmente associados. O objectivo era mais prosaico, digamos assim. Doutrinar, através das escolas estatais, os jovens cérebros em formação, incutindo-lhes certos ideais, como o de pátria."
ResponderEliminarAhem.
Sim, Isabel, o objectivo do Bismarck com a escolaridade obrigatória não era o desenvolvimento económico da Alemanha, nem eram preocupações sociais, era incutir nos jovens a ideia de Alemanha como nação, pátria. E, já agora, os países comunistas, sempre tão elogiados pelas suas preocupações com a educação, também viam a escola como uma excelente forma de fazer lavagens aos cérebros dos jovens - se calhar foi por isso que atingiram os níveis de desenvolvimento e riqueza que sabemos.
EliminarNo entanto John Stuart Mill defendia a escolaridade obrigatória de forma a garantir que cada individuo pudesse ser preparado para ser capaz de fazer as escolhas pessoais (politicas e civis) - o que me parece mais liberal.
Eliminarde acordo, é um liberalismo mais de esquerda, que se centra menos na questão de garantir as liberdades negativas.
EliminarLuís, é engraçado, gostas tanto do Stuart Mill e depois vais buscar uma frase do Rodrigo Adão Fonseca para justificar a tua afirmação no Observador - quando muito, podias dizer, como o Miguel Madeira, que a escolaridade obrigatória não é consensual entre os liberais, embora nem o Rodrigo a rejeite, tolera-a. O Stuart Mill que te perdoe.
EliminarCinco coisas.
Eliminar1º Não acho nada de extraordinário que um liberal defenda uma ideia em concreto que é pouco liberal. Dando um exemplo ao contrário, é como pegar no Manifesto Comunista do Marx, que tanto elogia os empresários e a sua capacidade de iniciativa, e daí concluir que os comunistas são a favor da iniciativa privada.
2º Desde o início que estou a caracterizar os liberais de direita. Raramente os vês a citar Stuart Mill. Nosick será mais adequado.
3º Quando disso que era uma posição pouco liberal, acrescentei que era em sentido estrito. O que quer implica que estou a dizer que em sentidos mais abrangentes é perfeitamente acomodável. Aliás, tu deves ter-te apercebido disso, porque à minha afirmação de que estava a falar em sentido estrito tu contrapuseste uma definição genérica (palavras tuas).
4º Não consigo perceber a relevância sequer do assunto. Simplesmente estava a dar um exemplo de como é perfeitamente razoável um liberal defender uma coisa muito concreta que não fosse liberal. Podia dar outro exemplo. Por exemplo, a maioria dos liberais são contra a liberalização das rogas duras. qualquer exemplo servia. Poderia ter usado esse exemplo. Como haverá outros também. O único objectivo deste exemplo (que podia ter sido outro qualquer) foi mostrar que o ser liberal não corresponde a nenhuma forma de superioridade moral (dado que tanta gente no primeiro artigo me acusou de fazer equivaler as duas coisas).
5º Stuart Mill perdoa.
Também gosto do Stuart Mill e, concordo, também acho que ele perdoa, era um homem bastante tolerante, com uma grande capacidade em ouvir as opiniões dos outros, um verdadeiro liberal.
EliminarLuís, como já referi num comentário a outro artigo, há posições libertárias que muita gente confunde com posições liberais. A legalização das drogas duras é um bom exemplo disso.
EliminarEu sou daqueles que consideram o libertanismo uma forma extrema de liberalismo. Basicamente, levam-no até às últimas consequências.Um subconjunto, portanto.
EliminarÉ discutível, Luís, se o libertarismo é uma forma extrema de liberalismo: também há o socialismo libertário e o geo-libertarismo, por exemplo.
EliminarAcho que também há aqui muitos problemas de tradução há mistura - nas línguas latinas, "libertário" era largamente um eufemismo (até para contornar proibições legais) para "anarquista"; em american english, "libertarian" foi um termo criado para substituir "liberal", a partir do momento em que "liberal" passou a estar associado a posições social-democratas (ou seja, no contexto americano, "libertarian" é suposta ser a mesma coisa que "liberal" no contexto europeu - mas como o espectro politico norte-americano é muito mais anti-estatista que o europeu, os "libertarians" acabam por ser também mais radicais que os "liberais" europeus).
EliminarPara complicar ainda mais, dá-me a ideia que muitas vezes (nomeadamente nos críticos do "libertarianismo") se mistura os dois significados (o europeu, libertário=anarquista, e o americano, libertário=liberal), e se considera libertário como sinónimo de anarco-capitalista (e o facto de o anarco-capitalista Murray Rothbard ter sido provavelmente o autor mais prolifuco a usar o nome "libertarian" provavelmente também ajuda).
Em parte, penso que tem razão, Miguel. Mas repare que os libertários até são uma franja mais radical - essencialmente em termos económicos, mas não só - dos conservadores americanos, e estes, economicamente falando, são os liberais da América.
EliminarPenso que grande (provavelmente a maior) parte dos libertários não se consideram uma franja dos conservadores - creio que muitos se autodefinem de acordo com alguma das variantes do "Gráfico Nolan" (algo do género "conservador - liberdade económica mas não pessoal;liberal - liberdade pessoal mas não económica;libertário - liberdade económica e pessoal; autoritário - liberdade em nada"), colocando-se mais ou menos como o equivalente americano daquilo que o LA-C andava à procura na semana passada.
EliminarDito, convirá distinguir entre os libertários mais próximos do Libertarian Party, do Cato Institute e/ou da revista Reason dos ligados ao Mises Institute e à família Paul - os segundos estão provavelmente mais próximos dos conservadores do que os primeiros, e sobretudo nas "causas fraturantes" valorizam mais a liberdade local (cada estado e cidade ter as suas próprias leis - frequentemente contra o intervencionismo federal "liberal") do que propriamente a individual (em compensação, em política externa e defesa, sendo radicalmente anti-militaristas, estão para aí a uns 180º do que tem sido a posição conservadora habitual).
De facto, os libertários não se considerarão uma franja dos conservadores, mas é assim que muitos deles são vistos, até pela adesão de muitos deles ao Partido Republicano, nomeadamente os Paul, por si referidos.
EliminarQuanto à política externa e de defesa, eles estarão, realmente, a uns 180º do "neo-cons", mas não do "mainstream" conservador, representado, por exemplo, pelo "realismo Nixon-Kissinger", do qual não distarão mais que uns 90º ;-).
A Bismarck também é atribuída a paternidade do Welfare State (por mais que isto desagrade ao British Labour Party) ou, como ele diria, o Wohlfahrtsstaat.
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