Esta semana, numa newsletter americana conceituada, cuja audiência são os profissionais do sector financeiro, dizia-se que o Brexit fazia muito sentido porque os europeus não têm identidade nacional e os povos são todos muito diferentes, ao contrário de países a sério, como os Estados Unidos e o Reino Unido, onde há homogeneidade e identidade nacional. Tal asserção não é suportada pelos factos, pois ambos os países têm movimentos de secessão. Na Escócia e na Irlanda do Norte discute-se frequentemente sair do Reino Unido; mas nos EUA, o Texas também tem um movimento de secessão, com grupos como o Texas Nationalist Movement. A discussão acerca do Brexit e o resultado do referendo estão a ser usados como suporte para se sujeitar a independência do Texas ao seu próprio referendo. No Twitter, no dia do Brexit, as menções de #Texit quintuplicaram.
As pessoas vêem o Brexit e o resultado do referendo como provas de que a União Europeia é um projecto falhado, mas os acontecimentos pós-referendo no Reino Unido suportam exactamente o contrário: dentro da União Europeia, há pessoas que se identificam mais com a UE do que com o país onde residem. E essa identificação é tão forte que estão dispostas a fazer campanha para partir o seu próprio país em pedaços. Com esta reacção, o Brexit acabou por se tornar um sucesso para a UE, pois, pela primeira vez, temos prova de que há um nacionalismo europeu, uma identidade nacional dentro da UE.
Consegues concluir coisas curiosíssimas da questão Escocesa. A Irlandesa é muito mais complicada do que a Escocesa e, contrariamente ao que se passa na Escócia, na Irlanda todas as indicações são que em caso de referendo, os Irlandeses do Norte preferem manter-se no Reino Unido que ser unidos à República da Irlanda. De resto, até numericamente a tua argumentação não faz qualquer sentido. Estás a pretender que os 5,5 milhões de Escoceses valem mais do que os restantes 59 milhões de Britânicos e que como os 5,5 milhões de Escoceses se identificam mais com a UE do que com o RU a UE não é uma aposta falhada? Não faz muito sentido, não é?
ResponderEliminarA questão da identidade nacional nos EUA é óbvia e evidente, de resto. Ou só por alguns texanos (uma minoria pequena) falarem na secessão dos EUA isso significa que os EUA são um país falhado?
Por outro lado as pulsões secessionistas em vários pontos da Europa são muito anteriores à União Europeia. São algo que existe ancestralmente. Os Escoceses com o Reino Unido, os Catalães com Espanha (uma vez mais, os Bascos são assunto totalmente diferente), os Corsos com França, os Sardos com Itália, etc, etc, etc. De qualquer forma, esta gente, acima de tudo, identifica-se como o que é localmente e não especificamente com a UE. A UE é apenas uma muleta à qual tentam agarrar-se para fazer vingar os seus sentimentos nacionais.
Ao contrário do que voce escreveu, os americanos nao tem identidade. Precisam sempre buscar modelos de outras culturas, sobretudo da grandeza do Império Romano, sustentar a mentira de que foram os grandes responsáveis pelo fim da Segunda Guerra Mundial, e buscar construir uma história através da guerra, Saraievo, Vietna, Iraque.... Como diz o Godard naquele filme Elogio ao Amor, eles nao tem nem mesmo um nome. "Americano" ou "estado unidense" pode ser um brasileiro, canadense, mexicano, uruguaio, argentino, mas e eles? Sao o que? Um enorme vazio.
EliminarEstou perfeitamente de acordo.
ResponderEliminarComo sou uma fã incondicional da lei das consequências não intencionais (ahem, até me dei ao trabalho de googlar uma boa tradução), eu remeto para o programa Erasmus, há 30 anos a fabricar europeus. Mas o que não estava previsto, claro, é que dividisse os países ao meio entre os pré-erasmus e os pós-erasmus. Por outro lado, há muitos, muitos anos, um amigo meu belga que trabalhou muitos anos no Conselho da Europa e era de facto um espírito superior, já dizia que a Europa iria evoluir no sentido do infranacional e do supranacional...
Eis um bocado dum comentário no Naked Capitalism:
"I suspect that the under-35s are for Remain not for financial or tactical reasons but because a lot of people in that age-group are Europeans. I’m 51, but my emotional sense of self places me as a Londoner first (and my London is dying, increasingly hollowed out by neoliberalism), then European, then British for administrative reasons and English hardly at all, so I may be projecting my own sense of mourning on younger people, or I may be in a position to empathise with them, it’s difficult to say."
Outra consequência não pretendida, mas virtuosa, deste referendo poderá ser que os leitores jovens, notoriamente cus-de-chumbo em comparação com os eleitores velhos, se apercebam que talvez valha a pena votar (e no dia certo, dentro das horas estipuladas, não no dia seguinte). A ver lo que hacen nuestros hermanos hoy.
É lamentável que os jovens não votem em maior número quando é o seu futuro que está em causa, mas não deve ser esquecido que nas nossas sociedades os jovens são cada vez mais uma minoria.
EliminarLevantas uma questão muito relevante. Na minha opinião, o Brexit está a revelar-se particularmente interessante em 3 aspectos: 1. Revela o bluff da opção Leave, incoerente e baseada em falsas promessas, agora expostas, depois de anos de campanha nos tabloids. 2. A adesão da nova geração a identidades supranacionais, ficando menos permeável aos 'nacionalismos' por contraponto às classes menos instruídas, que se mostram atraídas pelos movimentos radicais. 2. alternativa / viabilização que o projecto europeu permite a afirmações regionais, para além das nações- estado tradicionais desde o sec XIX (incluindo a visão de cidades- estado). Tudo isto pode ser um sinal do futuro, permitido pelas novas tecnologias (internet, redes sociais, real time feeds, etc...) globalização, lw cost travel, bem como programas tipo Erasmus.
ResponderEliminarOs belgas sentir-se-ão porventura mais europeus do que belgas, sim.
ResponderEliminarQuanto ao UK, o problema é a instabilidade política que o Brexit está a causar. O Labour está um caos, com toda a gente a demitir-se da direcção. Os Tories também vão escolher outra liderança e agora vai surgir uma frente contra Boris Johnson. Se este se tornar Primeiro-ministro vai ser problemático, porque é desprezado por muitos sectores do UK, por não representar as pessoas comuns.
Já se fala que vai haver eleições parlamentares no Outuno, e a questão que se coloca é que se o Labour vencer as eleições será uma embrulhada ainda maior, porque como fica o resultado do referendo? O Labour não tem quase ninguém que queria o Brexit e assim teriam de negociar a saída. Deve ser um "petisco"...
Dá-me a ideia que o sistema não contava que ganhasse o Brexit e agora uns estão num impasse e outros, como Cameron, só querem saltar fora.