Um artigo de hoje no Diário de Notícias, escrito pelo António Barreto, recordou-me uma tertúlia que tive há uns anos (não muitos, não muitos!). Eu era então uma adolescente a ter os primeiros laivos de consciência política e fui, com mais uns colegas, a casa da minha melhor amiga, ver um filme. Não sei qual - não me perguntem título, actores, realizador... nem sequer assunto. Do que não me esqueço é da conversa que tivemos depois com o pai dela, sobre o Estado Novo e o 25 de Abril e o PREC. No meio da narrativa na primeira pessoa, disse ele uma frase que me marcou: "Uma pessoa tem de estar confortável na vida para ser de Esquerda, porque só nos podemos preocupar com o bem-estar dos outros quando o nosso está assegurado."
Gosto de guardar essa frase como memória de um serão agradável, mas sobretudo como ideia romântica dos esquerdistas. Na vida adulta, sinto-me compelida a dar razão a António Barreto nas suas primeiras quatro frases de hoje. E a Esquerda que conheço fica muito bem sintetizada neste vídeo (minuto 1 e cinco segundos seguintes):
* Já que o Nuno Garoupa decidiu, neste blogue, arranjar a palavra "esquerdização", eu quis enriquecer essa família de palavras.
E é por isso que o LG me chama de reaccionária: antes de poder ajudar os outros, eu tenho plena consciência de que tenho de me ajudar a mim própria; o mesmo para o país. O meu discurso é consistente com esta visão. É muito giro ter estes discursos de que as pessoas têm direitos, mas o que não há falta neste mundo é pessoas que nascem em sítios onde não têm direitos porque não há ninguém que os possa pagar.
ResponderEliminarSara:
ResponderEliminarÉ evidente que podemos apontar erros gravíssimos às elites que nos têm (des)governado desde há pelo menos 30 anos (entrada na CEE).
Elites de Esquerda e de Direita.
Mas de uma pessoa com a formação académica, a experiência política e de vida e os conhecimentos de Economia (apesar de ser formado em Sociologia na Suíça), como é António Barreto, esperava-se uma análise com outro fôlego além do que é habitual encontrar na análises das pessoas comuns: o senhor Vilela, um merceeiro da minhas vizinhanças onde compro alguns produtos cá para casa, não diria nem mais nem menos do que António Barreto disse.
Mas o senhor Vilela só conhece a sofisticação das duas colunas do Deve e do Haver do seu livro de registo dos movimentos da mercearia.
Quem quiser ter uma perspectiva um pouco mais substancial das razões porque somos obrigados a pedir dinheiro, pode ouvir com atenção este curto debate entre Jorge Braga de Macedo, Fernando Teixeira dos Santos e Ricardo Paes Mamede, moderado por António Perez Metelo, no programa «Os números do dinheiro», que se pode ver aqui: http://www.rtp.pt/play/p2241/numeros-do-dinheiro
O que acabo de dizer não serve para branquear as asneiras que as nossas elites que nos têm (des)governado têm feito, as quais, agravando os nossos problemas, não são o cerne desses problemas.
Se temos um cancro incurável que nos corrói lentamente as entranhas e só nos preocupamos com a dor da pequena artrose que não nos deixa dormir sossegados, estamos a confundir a nuvem com Juno.
É evidente que devemos tratar a artrose e nada fazer para a agravar, mas o cancro é que é o fundamental a atacar.
"Uma pessoa tem de estar confortável na vida para ser de Esquerda, porque só nos podemos preocupar com o bem-estar dos outros...".
ResponderEliminarEssa frase baseia-se numa premissa que acho discutível - que ser de Esquerda tem necessariamente alguma coisa a ver com preocupar-se com o bem-estar dos outros: alguém que esteja convencido que é uma vitima do sistema capitalista neo-liberal ou coisa do género, e que uma política de esquerda vai ser melhor para ele, pode perfeitamente ser de esquerda sem ter nenhuma preocupação por aí além com o bem-estar dos outros.
No fundo, essa conversa de que as pessoas de esquerda se preocupam com o bem-estar dos outros acaba por refletir uma visão elitista do que é a esquerda, em que no fundo apenas contam os intelectuais oriundos das classes privilegiadas (para os quais supostamente o "esquerdismo" implica por o interesse geral acerca do seu interesse particular) e é deixado de lado a vasta massa de operários, empregados, "excluídos", etc., que representam de certeza a maioria das pessoas de esquerda, mas que não precisam de nenhum preocupação com o "bem-estar dos outros" para serem de esquerda (já que supostamente eles próprios irão ser beneficiados com as políticas de esquerda).
É verdade que se pode discordar que as políticas de esquerda (ou uma categoria especifica de políticas de esquerda) beneficiem efetivamente os "desfavorecidos", mas aí já é uma questão "positiva" (o que eu quero dizer é que, para quem aceite o pressuposto "positivo" que as políticas de esquerda beneficiam os "desfavorecidos", não é necessária nenhuma preocupação "normativa" com o "bem-estar dos outros" para ser de esquerda - basta que o próprio se considere um "desfavorecido").
Não concordo que a frase do pai do meu amigo se baseie na ideia de que a Esquerda se preocupa com o bem-estar dos outros. O que ela tem subjacente é, por um lado, que a Esquerda se preocupa com os mais desfavorecidos (e, eventualmente, que tem o monopólio dessa preocupação); por outro, a pirâmide de Maslow e a noção de que, para estar preocupado com a justiça social, o meu estômago não pode estar a roncar. Portanto, para o pai do meu amigo era preciso não ser totalmente desfavorecido para estar preocupado com os desfavorecidos: mas não é a premissa, é a conclusão. E essa visão de um partido como uma não corporação, a defesa daquilo que considero justo mesmo que isso comprometa os meus interesses mais egoístas, é uma ideia romântica. Que, como conto, já perdi, graças a discursos como os do senhor do vídeo.
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