Costumo dizer que um doutoramento não é um certificado de inteligência; é um certificado de teimosia. Aquilo dá muito trabalho, especialmente se nós somos perfeccionistas e o nosso orientador também. A dissertação do meu mestrado (em Economia Agrária o normal é ter mestrado de dois anos e doutoramento de quatro ou cinco anos separados), que foi um cheirinho, foi uma trabalheira e como eu não acabava aquilo e já andava a tirar cadeiras para o doutoramento, a minha mãe exasperou-se e disse-me ao telefone: "Acaba essa merda!" E eu acabei quando ela me mandou.
No doutoramento, também decidi engonhar e meter-me na especialização de estatística, que prolongou o curso em pelo menos um ano. Por minha vontade, era estudante para sempre, pois era isso que eu queria ser quando tinha oito ou nove anos. E tive visão porque o doutoramento é a coisa mais gira que já fiz, mesmo se tivesse havido um dia em que eu saí do gabinete do meu orientador a chorar por causa da tese e comecei a andar e não queria parar. Eu tinha um plano: fugir. Fugia à escola, à família, ao marido, a tudo. Era um plano perfeito, mas tinha um pequeno senão: não podia ser executado.
As únicas coisas que consegui executar foi dar a impressão a uma jovem professora, que tinha começado a trabalhar no meu departamento, de que não gostava dela porque não a cumprimentei quando me cruzei com ela no campus enquanto planeava a minha fuga (também lhe tinha feito muitas perguntas quando ela estava a ser entrevistada para a posição e ela não se esqueceu de mim) e sentar-me debaixo de uma árvore a tentar procurar o gene que me permitia executar o plano. Sim, esse mesmo: o gene da desistência, esse grande ordinário. Ainda ando à procura dele, mas só encontro genes de teimosia.
Já o Miguel Relvas sofre de um mal diferente. Ele não é teimoso, é mais como a água: se não dá por um lado, desvia-se e vai pelo outro porque tem facilidade em desistir. É por isso que ele não tem curso superior a sério, daqueles que levavam quatro ou cinco anos no marranço só para tirar a licenciatura. Não, ele é fluído, desistiu dessa via e arranjou outra maneira mais fácil de ter um curso. Depois tiraram-lho porque era fácil demais e ele apelou. Agora desistiu do apelo, deve ter encontrado outra coisita qualquer mais fácil. O Miguel Relvas tem o gene da desistência em duplicado, pelo menos. A ver se arranjamos maneira de o fazer desistir de outras coisas.
Eu tento contrariar a genética e não está fácil, mas ninguém me disse que o seria!
ResponderEliminarAdorei.
Parabéns, Rita!
Na ironia de uma conhecida psicóloga profissional "Agora há uma inteligência para tudo". Então, por que não dizer que a "Teimosia" é uma forma de inteligência? :-)
ResponderEliminarÉ que...
«(...)
Muitas coisas se dizem, que não deviam ser ditas; muitas outras se calam, que não mereciam calar-se. As palavras são as mesmas, em um e outro caso; só a conveniência delas, na circunstância, é que varia. E na variação, fica o dito por não dito. A MENOS QUE O CONVICTO (OU O TEIMOSO) DIGA: "DIGO E REPITO".
(...)»
[Carlos Drummond de Andrade (1902-1987): "Os dias lindos" (1977) em "Dizer e as suas Consequências"]
P.S.: Quando se mudou das universidades mexicanas para a GoogleTM um cientista desse país entendeu deixar um "testamento" contra o facto de os doutoramentos estarem cada vez mais iguais uns aos outros, limitando o potencial de desenvolvimento de alguns que poderiam vir a fazer a diferença.
De qualquer modo existe um ponto que é incontornável desde a infância - entre os que planeiam muito os melhores de todos são quase sempre os que aguentam o esforço de realizar. Não sabendo se tal "self nuclear" cabe ou não cabe em alguma definição de inteligência estou certo que é uma característica que costuma separar os bons dos muito bons.