Os antigos
achavam que a história era feita pelos “acontecimentos”, o imprevisto, o
fortuito, os resíduos irracionais. Os historiadores modernos inventaram as
"estruturas", as quais subterraneamente determinariam o sentido da
história. A função do historiador e do cientista social em geral seria identificar
padrões, como, por exemplo, a evolução da produtividade ou outras estatísticas
do género. Ainda no século XIX, muitos autores começaram a preocupar-se com os
grandes números. Tudo parecia enorme: as cidades, o Estado, as empresas, os
mercados. De que forma isto alteraria as pessoas e a sociedade? Hannah Arendt
achava que a sociedade comercial e industrial tinha
trazido a sociedade de massas. Os homens deixaram de agir, passaram a comportar-se,
quase como autómatos, como um animal que se comporta de forma condicionada pelos estímulos. O conformismo está na base da mãe das ciências sociais, ou seja, a
economia. Por isso, as ciências sociais deviam antes chamar-se ciências do
comportamento, sublinhava a filósofa. O pior, o mais triste, dizia Arendt, é que a
evolução da sociedade, com a sua população cada vez mais numerosa, podia dar
razão às leis do behaviorismo. Os acontecimentos que antes iluminavam o tempo
histórico perderiam cada vez mais a sua importância e ficariam reduzidos a
meros “desvios estatísticos”. Penso que esta é só metade da história. Arendt
tinha alguma razão, mas não toda. Os “acontecimentos” continuam a ser
decisivos. Por exemplo, no outro dia li uma entrevista do Pedro Mexia ao biógrafo
Andrew Morton, o qual escreveu agora um livro relacionado com o estranho caso
de Eduardo VIII. Por amor a uma plebeia americana, duas vezes divorciada, abdicou do
trono em dezembro de 1936 a favor do seu irmão mais novo, Jorge VI, o gago. O
carismático Eduardo VIII, à semelhança de uma parte da aristocracia inglesa,
nutria simpatias pelo regime nazi. Provavelmente, se se tivesse mantido rei,
nunca teria nomeado Churchill primeiro-ministro. Ora, este simples imprevisto,
acaso, “desvio estatístico”, pode ter alterado toda a história do Reino Unido e
da Europa.
Já tinha muitas saudades de te ler. Bem sei que não és de ferro e tens de tirar férias e tal, mas eu também não sou de ferro e gosto do que gosto...
ResponderEliminarObrigado, és uma querida.
EliminarCá está novamente uma excelente comparação entre os antigos e os contemporâneos, desta vez a favor do uso de contrafactuais históricos que, por enquanto, são algo difíceis de aceitar. Ainda assim, não resisto a adicionar um possível artefacto.
ResponderEliminarE se, aos seis anos, o pai de Hitler tivesse concordado com o psiquiatra que dizia saber tratá-lo dos seus pesadelos?