Tim Kaine dominou o debate: teve melhores argumentos, funcionou sempre ao ataque, e defendeu Hillary Clinton. Por ser tão forte, isso funcionou como uma fraqueza. No final do debate, os especialistas estavam confusos, pois, se por um lado Kaine tinha dominado, por outro o estilo tão agressivo podia ter desagradado aos eleitores. A primeira reacção do painel que analisou o debate na PBS foi dizer que se tinha de ir consultar as redes sociais para ver que percepção tinham tido os espectadores e quais pedaços do debate seriam cortados para criar gifs e clips para partilhar nas redes sociais.
Mike Pence, ao mesmo tempo que acusava Hillary Clinton e Tim Kaine de serem fracos, escolheu usar a sua fraqueza e incapacidade de argumentação como um escudo. Nos EUA, torce-se pelo mais fraco (you always root for the underdog), logo uma boa maneira de conseguir apoio popular é posicionarmo-nos numa situação de fraco contra forte. A agressividade e preparação excessiva de Kaine fazia dele um Golias; enquanto que Pence escolheu jogar à defesa e posicionar-se como um David, abanando a cabeça, enquanto sorria, como que completamente incrédulo pelo que Kaine lhe estava a fazer. Se Kaine fosse razoável, se não interrompesse tanto, se não fosse tão agressivo, Pence conseguiria responder com calma e de forma clara de forma a satisfazer quem o ouvia. Era Kaine que impedia que tal acontecesse, não era o facto de não haver forma de defender algumas das posições de Trump porque, ou eram indefensáveis, ou nunca tinham sido sequer pensadas de forma a poderem ser implementadas.
Por exemplo, o que fazer com os imigrantes ilegais? Trump disse que eram violadores e criminosos -- menos os que não eram -- e que deviam ser deportados. Pence sabia o que fazer com os "violadores e criminosos", mas os restantes, os que trabalhavam e cujo único crime tinha sido entrar no país ilegalmente, para esses não havia plano. A resposta reduzia-se a dizer que se ia prevenir a entrada de mais imigrantes ilegais e depois deportar os maus; o resto do plano não foi pensado. Será que haveria uma via para conseguir a legalização dessas pessoas, um percurso para a cidadania? Isso não foi defendido do lado dos Republicanos; mas é o que os Democratas defendem.
O ponto alto de Mike Pence foi quando disse que, por vezes, Donald Trump dizia coisas que não devia porque não era um político experiente, como Clinton ou Kaine, ou mesmo ele próprio. Pence teve também melhor à-vontade frente à câmara porque, de vez em quando, olhava directamente para quem estava em casa, enquanto que Kaine olhava para a moderadora ou para Pence, mas quase nunca olhou em frente e tentou fazer "eye contact" com a audiência em casa, o que é um dos pecados mortais de quem fala em público nos EUA. Uma pessoa que não olhe directamente nos olhos de alguém está a esconder qualquer coisa ou a mentir.
Ambos os candidatos defenderam bem a sua dama, dadas as suas restrições. Achei que foi um bom debate e houve boa discussão das políticas que cada lado quer seguir, se bem que Kaine tenha tido respostas mais específicas do que Pence. A moderadora esteve mais ou menos: devia ter controlado melhor as interrupções e talvez insistido que os candidatos respondessem efectivamente às perguntas, em vez de permitir que fossem evasivos ou não respondessem.
A BBC, que é insuspeita, acha que Mike Pence ganhou:
ResponderEliminar«It was a scattershot debate marred by frequent interruption, where moderator Elaine Quijado lost control of the discussion for stretches. In the end, however, it was a battle that Mike Pence won.»
http://www.bbc.com/news/election-us-2016-37558787
A BBC pode ser insuspeita, mas tu não és.
EliminarA case of the pot calling the kettle black.
EliminarA tua opinião é bastante previsível e resume-se ao seguinte: "Não gosto de Trump, logo ignoro-o; não gosto de Hillary, logo insulto-a; os Republicanos são sempre preferíveis aos Democratas." End of story...
EliminarSó que emitir opiniões desfavoráveis acerca de seja quem for, não é sinônimo de insulto...
EliminarE o que eu acho dos republicanos, achas tu dos democratas...
"nos EUA. Uma pessoa que não olhe directamente nos olhos de alguém está a esconder qualquer coisa ou a mentir."
ResponderEliminarEsse MITO não existe no Japão, país em que pode ser considerado como falta de respeito falar com os "olhos nos olhos". Nos EUA esse MITO é especialmente marcante em relação aos Afro-americanos, porque muitos destes usam-mo menos. Em Portugal numerosas mulheres e homens baixam o olhar em certas circunstâncias...
Em ligação directa com o referido MITO alguns juízes e policias portugueses e americanos têm cometido erros de percepção vendo mentirosos sem disporem o mínimo de indícios credíveis...
Ora nos EUA, a particularidade está em tal MITO ter sido reforçado, ao longo dos últimos 30 anos, por livros de "Folk Psychology" usados na formação de alguns daqueles operadores judiciários e um dos mais influentes é "Telling Lies: Clues to Deceit in the Marketplace, Politics, and Marriage" (1985), de Paul Ekman, n. 1934.
Deduzo então que o modo de olhar desse candidato a VP não afectará a percepção dos negros nem dos latinos restando saber o que acontecerá com uma parte dos brancos, possivelmente os que têm sido indefectíveis de Trump...
Em conclusão, o alegado ponto baixo deve ter sido um ponto alto e a BBC não sabe.
Por acaso, essa coisa de julgar o carácter de alguém pelo olhar não é exclusiva dos EUA. No Reino Unido também é muito usada. Por exemplo: quando saiu do Benfica, o treinador escocês Graeme Souness referiu-se ao famoso presidente de então daquela agremiação, João Vale e Azevedo, numa entrevista a um jornal inglês, deste modo: "He's a man who looks you in the eyes while he's lying to you."
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