sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

O preço do menu

Como vos contei aqui há uns tempos, tenho alguma perda de audição e a minha médica queria que fosse medida. Fiz uns testes e uns exames e finalmente tive uma consulta com um otorrinolaringologista, que recomendava uma cirurgia, mas que era uma escolha minha. Perguntei-lhe acerca da causa do problema e dos riscos e preço da cirurgia. Mesmo depois de ter feito exames, o médico não sabe o que se passa exactamente com os meus ouvidos. O mais provável é os meus ossos terem uma qualquer deformação, que afecta a dissipação das ondas de som que entram no ouvido. Como tive sarampo quando era bebé (depois de ser vacinada), essa pode ser a causa do problema. Ou também pode ser por eu ter tido muitas infecções nos ouvidos quando era criança. Se me operar, talvez consiga identificar o problema e repará-lo.

Relativamente aos riscos da cirurgia, eu perguntei acerca da taxa de sucesso e ele disse 80%. Depois, para além de poder não resolver o meu problema, pode também haver a possibilidade de não funcionar -- por exemplo, pode ser que acabem por meter uma pequena prótese e esta saia do sítio -- ou de ficar pior do que o que estava, pois há um nervo que passa por perto do sítio onde ele tem de operar e que, se for danificado, eu poderia ficar com a cara parcialmente paralisada. Como ele não sabe a natureza do que eu tenho, não sabe se dá para entrar apenas pelo ouvido ou se tem de fazer um corte por detrás da orelha, etc., logo não sabe exactamente por onde terá de andar. Perguntei qual o risco de complicações sérias e ele disse-me um número que eu achei muito alto, já não me recordo exactamente, mas era bem maior do que um por milhão. Dado que funciono muito bem com o nível de audição que tenho, fiquei muito reticente.

Enquanto estávamos a conversar, ele mostrou-me os resultados do meu teste de audição e disse que o melhor era operar o ouvido esquerdo primeiro, pois era nesse que havia maior perda de audição. Disse-lhe que não, eu ouço pior do meu ouvido direito, pois para esse os sons muito graves são quase imperceptíveis. E depois pensei para os meus botões: "Olha, Rita, isto está giro, para saber o que se passa, ele precisa mesmo de fazer uma expedição exploratória aos teus ouvidos! Isto é a época dos Descobrimentos outra vez..."

Quando perguntei dos custos, levei a resposta do costume: "Não sei, os custos não são comigo". Mandou-me falar com a assistente dele para marcar o dia da cirurgia -- era uma cirurgia de opção, eu não tinha de a fazer, mas marcava já e depois podia desistir. A rapariga que trabalhava com este médico não sabia quanto ia custar, mas disse-me para esperar um telefonema da assistente que tratava do seguro para me dizer qual a minha porção do pagamento depois da comparticipação do seguro.

Hoje telefonaram-me de anestesiologia para marcar a consulta pré-cirurgia, mas eu ainda não tinha falado com a moça do seguro, logo não quis marcar porque nem sabia se iria fazer a cirurgia. Dizia-me a rapariga que não tratava das coisas do seguro, mas que eu estava à vontade para ir à consulta porque não custava nada. Eu dizia que o custo não era zero, ela dizia que sim, era; voltei a insistir que não era e achava um desperdício ir à consulta sem saber se ia fazer cirurgia. Ela irritou-se e despachou-me.

Falei depois com a moça que trata do seguro que me disse que, pela minha parte, tenho a pagar $200. Perguntei se esse era o custo total da cirurgia e ela disse que não, essa era a parte dos custos do hospital; ainda faltava ver quanto ia cobrar o cirurgião e o anestesiologista, e que coisas iam usar durante a cirurgia, etc., e nem sequer sabiam quem ia ser o anestesiologista, ou seja, só depois de me operarem é que saberiam o custo desta festa toda. Mas não era nada com ela porque ela só tratava da porção dos custos do hospital e do seguro dessa parte.

Eu acho sempre tão engraçado quando ouço pessoas dizer que os cuidados de saúde seriam prestados mais eficientemente pelo sector privado. Quem é o idiota que vai ao restaurante e decide o que vai comer sem ver os preços do menu?

6 comentários:

  1. Alguém com uma procura inelástica. Como o Johnny Drama, na Entourage, quando pôs a prótese nos gémeos e não quis saber quanto era. :D

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  2. O que tem um seguro para fomes regulares, que paga grande parte do custo das refeições?

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    1. Por acaso acho que o caso indicado (uma cirugia electiva) é até um dos poucos casos em saúde onde a competição pela prestação do serviço poderia levar os privados a serem comprovadamente mais eficiêntes. Isto dito, o que estamos a dizer é que os clientes (que são apenas responsáveis por uma parte do custo, certo, mas são quem vai ESCOLHER o prestador) não tem informação disponível para tomar a decisão mais adequada. Se achamos que os preços são a forma como é transmitida a informação de forma a tornar a escolha eficiente, aqui só por acaso é que a escolha vai ser eficiente.

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    2. Miguel Madeira, o seguro sabe quanto paga e se paga; o cliente não sabe. O teu argumento tem pés de barro.

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  3. Os médicos nos EUA são carniceiros. É difícil sair de uma consulta sem marcação para a consulta/intervenção/exame seguinte, excepto se o paciente não tiver seguro ou este não der a respectiva cobertura. E, já aqui o disse, com estes resultados práticos http://www.bmj.com/content/353/bmj.i2139

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